sexta-feira, 19 de dezembro de 2014


Israel: descobertas ruínas do palácio do rei Davi


Pesquisadores dizem ter descoberto palácio do Rei Davi em Israel.
Pesquisadores da Autoridade de Antiguidades de Israel e da Universidade Hebraica de Jerusalém descobriram o que seriam dois edifícios reais com cerca de 3 mil anos na antiga cidade fortificada de Khirbet Qeiyafa.

Ruínas associadas ao lendário personagem bíblico têm cerca de 3 mil anos. Depósito real para guardar impostos também foi identificado.
Um desses edifícios foi identificado pelos cientistas como um palácio do lendário Rei Davi, importante figura para o cristianismo, judaísmo e islamismo, famoso pelo episódio bíblico da luta com o gigante Golias, entre outros. A segunda construção, afirmam os cientistas, é uma espécie de depósito real.
Vista aérea da cidade murada (Foto: Divulgação/Sky View/Autoridade de Antiguidades de Israel/Universidade Hebraica)
Os trabalhos arqueológicos da equipe de Yossi Garfinkel e Saar Ganor revelaram parte de um palácio que teria mil metros quadrados, com vários cômodos ao seu redor onde foram encontrados recipientes de alabastro, potes e vestígios da prática de metalurgia.
Achados de relíquias arqueológicas encontradas em Khirbet Qeiyafa (Clara Amit / Israel Antiquities Authority)
O palácio é a construção mais alta da antiga localidade, permitindo o controle sobre todas as outras casas, bem como uma vista a grandes distâncias, chegando até o Mar Mediterrâneo. De acordo com nota da Autoridade de Antiguidades, o local é ideal para mandar mensagens por meio de sinais de fumaça.
O palácio, no entanto, foi muito destruído cerca de 1.400 anos após seu surgimento, quando foi transformado em sede de uma fazenda, no período do Império Bizantino.
Palacio do Rei David desenterrado em Khirbet Qeiyafa (Sky View / Hebrew University / Israel Antiquities Authority)
O depósito identificado mais ao norte era um local para guardar impostos, na época coletados na forma de produtos agrícolas. Essa estrutura corrobora a ideia da existência de um reino estruturado, que cobrava tributos e tinha centros administrativos. 

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

O NOVO MESSIANISMO


Escravizados por Roma, os hebreus esperavam a chegada de um Messias-Rei que restauraria o Estado nacional de Davi. Entre os primeiros cristãos, esse  messianismo tinha se transformado na espera do retorno em glória de Cristo que faria chegar o fim dos tempos. O Messias judeu, ungido do Senhor e rei dos judeus, converteu-se  em Cristo redentor de todo o gênero humano.
O retorno de Cristo foi esperado pelos cristãos por mais de um século; depois, o declínio dessa esperança suscitou a instituição de uma Igreja por séculos e milênios.
O malogro do retorno de Cristo engendra a vitória da Igreja.
A espera cristã pelo fim dos tempos adormece, com algumas interrupções locais e temporárias em seitas exaltadas.
No século XVII, uma explosão de messianismo incendiou a alma de comunidades sefardis do Império Otomano.
Mass é dentro do espírito laico dos judeus-gentios europeus que, nos séculos XIX e XX, o messianismo ressuscita: judeu por sua origem, cristão pelo seu caráter universal, torna-se o anúncio de uma salvação terrena.
O novo messianismo judaico-gentílico combina a esperança judaica e o universalismo cristão. Ele encontra suas condições de emergência na fé no progresso, advinda do Iluminismo, expressa por Condorcet como uma certeza histórica, e na filosofia de Hegel, para quem o devir conduz à apoteose do Espírito.
Os jovens hegelianos judeus-gentios, tais como Max Stirner, Bruno Bauer, Ludwig Feuerbach e sobretudo Karl Marx, fizeram emergir do caldeirão de cultura hegeliano um messianismo revolucionário.
Marx, espírito racional extremamente poderoso, não suspeitava de forma alguma da inspiração místico-religiosa que o fazia designar o proletário como novo Messias redentor, anunciar um apocalipse - a luta final contra as forças tenebrosas do capitalismo - e predizer o fim da história na realização de uma sociedade socialista universal, livre da exploração, da servidão e da dominação.
A fundação do socialismo europeu se beneficiou de uma importante contribuição judaico-gentílica, a começar por aquela do próprio Marx. O internacionalismo que dele decorria suscitou a adesão crescente dos judeus-gentios universalistas; judeus-gentios emancipados pela nação aspiraram a uma emancipação - muito além dos judeus e das nações - da humanidade inteira.
Aqueles que aderiram à socialdemocracia combinavam os laços com sua nação e a adesão internacionalista. Em contrapartida, aqueles que aderiram ao bolchevismo e se tornaram comunistas consideravam as nações, suas culturas, suas religiões, istificações, ilusões e superstições como tantas outras que impediam o acesso à fraternidade universal. Eram totalmente universalistas, mas de um universalismo abstrato, que ignorava as realidades concretas das nações, das culturas e das religiões, assim como seu enraizamento profundo nos espíritos.
No império czarista, a mensagem revolucionária laicizou em parte o messianismo religioso que foi o chassidismo. Esse movimento de piedade mística, levado pela esperança de redenção, havia nascido no século precedente talvez sob a influência indireta do sabetaísmo, como sugere Gershom Scholem (*).  Os judeus-gentios do império czarista, submetidos às discriminações e às humilhações, ameaçados de pogroms, foram aqueles que viveram a fé na revolução de maneira mais ativa e mais ardente, e forneceram um grande número de dinamizadores do partido bolchevique, que conta em seu gabinete político com Zinoviev, Karnenev, Radek, Litvinov, Sverdlov, Kaganovitch, e depois o socialista revolucionário Trotski.

(*) Les Grands coutants de Ia mystique iuive, Payot, 1950. (Edição brasileira: As grandes correntes da mística judaica, Coleção Estudos 12, trad. J. Guinsburg, Dora Ruhrnan, Fany Kon, Jeanete Meiches e Renato Mezan. São Paulo: Perspectiva, 1995.)
A partir do início do século XX, judeus-gentios de linha marxista, tais como Bernstein e Kautsky, compreendendo que a profecia de Marx de generalização do proletariado pelo achatamento das classes médias não se realizaria, e conscientes da necessidade de salvaguardar a democracia, tornaram-se "reformistas" que moderaram o messianismo, deixando de lado seu aspecto apocalíptico e inserindo-o num progresso gradual.
Entraram em conflito com os marxistas ortodoxos, sobretudo bolcheviques, para quem se tornaram renegados. Por outro lado, foram iudeo-gentios do Império Austro-Húngaro, como Max Adler e Otto Bauer, que, desejando evitar ao mesmo tempo a ortodoxia e o reformismo, tentaram preencher as lacunas do pensamento de Marx, principalmente no que concerne à realidade das nações.
A Primeira Guerra Mundial, reconhecida pelos marxistas ortodoxos como uma guerra entre imperialismos, e depois o surgimento, na desintegração da Rússia czarista, da revolução bolchevique, constituíram elementos que apareceram como a realização de um apocalipse em que se defrontaram, de um lado, as forças furiosas do mal e de outro, as forças da salvação. Tal foi a convicção não somente dos bolcheviques, que doravante se nomeavam comunistas, mas também de inúmeros revolucionários judeus-gentios como Rosa Luxernburgo(**) e Karl Liebknecht. A palavra "revolução" adquire então uma carga mística inaudita que porta em si uma parturição de um mundo novo liberto do Mal.

(**)  Entretanto, desde a tomada do poder pelos bolcheviques russos, Rosa Luxemburgo teve a consciência antecipatória da doença que adviria do bolchevismo. Escreve ela: -A liberdade apenas para os membros de um partido, por mais numerosos que sejam, não é liberdade. A liberdade é sempre a liberdade para aquele que pensa diferente. - (La Réyolution russe, trad. do alemão para o francês e com um prefácio de Gilbert Badia, Le Temps des Cerises, 2000). Rosa Luxemburgo, assim como Liebknecht, foi assassinada em 15 de janeiro de 1919.
A grande esperança messiânica também suscita vocações revolucionários nos gentios. O comunismo torna-se no século XX, a primeira (e talvez última) grande religião da salvação terrena. Inúmeros judeus-gentios foram seus prosélitos ardentes. Persuadidos de servir à causa universal da humanidade, desprezando as crenças e as identidades nacionais e religiosas, não hesitaram em liquidar fisicamente os inimigos de classe, os agentes imperialistas ou supostos como tais e todos aqueles que, aos seus olhos, constituíam um obstáculo à realização do comunismo universal. Depois de ativos durante a Revolução de Outubro, muitos deles tornaram-se agentes da Terceira Internacional ( Komintern ), trazendo seu devotamento sem limites para a causa da URSS, identificada como sendo a de toda a humanidade.
 Na URSS o proletariado foi subjugado pelo Partido que, se apoderando da missão que Marx havia conferido a esse mesmo proletariado. Torna-se o único detentor da Verdade politica e organiza seu próprio culto. Quando advém a primeira glaciação stalinista, nos idos dos nãos 1930,  repressão abate um grande numero de judeus-gentios comunistas.
Entre os judeus-gentios revolucionários tornados agentes do Komintern, alguns se revoltaram e denunciaram o stalinismo; alguns o fizeram cedo demais como Ciliga e Voline, outros só na primeira glaciação stalinista como Artur Koestler e Manés Sperber, enquanto outros só o fizeram após o despertar pós stalinista, nos anos 1950,  como o poeta Adam Wasyk.
Por sua vez, Trotski se opôs desde o início ao “comunismo num único país” e ao neonacionalismo soviético, e manteve em sua integridade a ideia internacionalista.
Em outros lugares, bom numero de intelectuais judeu-gentios apoderou-se da crítica marxista para abrir novos horizontes, mas sem alimentar alguma ilusão sobre a revolução. Os seguintes pensadores tornaram-se os metamarxistas mais fecundos: Ernst Bloch, Hans Jonas, Walter Benjamim, Theodor Adorno, Max Horkheimer, e Herbert Marcuse.
Também muitos judeus-gentios que  estiveram na ponta do anti- stalinismo, foram as vítimas do neonacionalismo e, depois, do anti-semitismo stalinista camuflado em luta contra o cosmopolitismo.
A esperança messiânica ressurge com a grande crise do capitalismo dos anos 1930, e com as ondas revolucionárias que conduziram à guerra civil espanhola e à Frente Popular na França. Ela se amplia no decorrer da Segunda Guerra Mundial, quando primeiramente a resistência da URSS ao nazismo, depois sua marcha vitoriosa e enfim seu triunfo pareceram  anunciar a era do socialismo universal. Depois da queda do Terceiro Reich, muitos judeus-gentios europeus sentiram grande reconhecimento pela URSS, que havia libertado Auschwitz.
Depositaram novamente nela uma esperança infinita e permaneceram durante muito tempo cegos ao anti-sernitismo dos últimos anos do reinado de Stalin.
Nos anos 1960, com o trotskismo ou o maoísrno, inúmeros judeus-gentios, sobretudo franceses, reencontraram, por sua vez, a esperança messiânica. Essa nova onda se dispersa por todos os cantos do mundo, ressuscitando a religião revolucionária, até que o colapso do maoísrno na China e em seguida a implosão da União Soviética aniquilassem essa esperança infinita.
O século XX assistiu à grande falência do internacionalismo. Os nacionalismos impetuosos de 1914 haviam desintegrado a Segunda Internacional Socialista. A Terceira Internacional transforma-se em satélite da URSS e esta promove de 1941 a 1945, uma "grande guerra patriótica" enquanto, em todos os cantos, os partidos comunistas brandiam as bandeiras de suas nações. Em 1989, os nacionalismos dos povos da União Soviética desintegraram-na.
O internacionalismo socialista foi um dos polos do mundo judaico-gentílico. Sob o impulso do neomessianismo, os judeus alimentaram os grandes  sonhos emancipadores da humanidade e carregaram em si não a esperança em outro mundo celeste, mas a aspiração, amiúde ardente, a um mundo terrestre diferente. Contribuíram para os sonhos e as realidades de nosso devir.
Marx, com seu pensamento inovador, crítico, ousado e original, revolucionou a concepção da história e da sociedade, e foi um  renovador, junto com Freud, de concepções antropológicas, históricas e sociológicas. O neomessianismo de Marx gerou uma mística revolucionária.
Entre tantas análises e descobertas, Marx compreendeu que a própria natureza humana é Histórica, o homem não nasceu ambicioso, egoísta, individualista e que no passado as pessoas se organizaram em comunidades para a produção de autoconsumo, de autossubsistência sem limites, até com sobras e excedentes, mas sem o mercado, com dependências pessoais fortes, interação e sociabilidade, que lhes faziam ter preocupação com o outro pois dele dependia também a satisfação de suas necessidades, apesar de que com outras comunidades houvesse um relacionamento indiferente ou agressivo e muitas vezes colonialista em prol do sustento e da manutenção e garantia da sua comunidade em particular.
No inicio do século XX em diante, uma parte do pensamento judaico-gentílico tentou abrir o marxismo ou, considerando-se suas insuficiências ou até mesmo suas carências, ultrapassá-lo, integrando-o.  Lukács, que em sua juventude reabriu o marxismo para a filosofia, submerge num dogmatismo stalinista antes de redescobrir no último instante uma filosofia da complexidade. Lucien Goldman e Joseph Cabel praticam um marxismo aberto. É sobretudo a Escola de Frankfurt - animada pelos judeus- gentios Theodor Adorno e Max Horkheimer - que renova o pensamento crítico de Marx, mas doravante privado do messianismo da revolução.  Ernst Bloch tenta reencontrar o "Princípio esperança", mas também ele sem certeza messiânica. Walter Benjamin descobre a importância e os problemas da "reprodução mecanizada", e especialmente inverte em seu contrário o otimismo da filosofia da história.
Benjamim compreende que  "civilização"  e " "barbárie" são termos não antinômicos, mas complementares. Seu desencantamento com a promessa revolucionária e sua intuição da catástrofe próxima, fazem-no ver o progresso não mais como uma marcha ascendente, mas como uma queda na direção do futuro, segundo a imagem do anjo de Klee: "O anjo do progresso que nos leva para a queda". Ele captou a regressão inscrita no progresso técnico e econômico. Para ele, a revolução socialista deveria agir como um freio de alarme instantâneo que detém o trem em sua corrida ensandecida na direção da catástrofe do planeta e do esmagamento do ser humano pela barbárie, pela escravidão e pela condenação à morte dos vencidos. (morte de fome e sede).

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Queridos alunos e alunas chegamos mais uma vez ao final do ano letivo. Vivenciamos diversas experiências, ouvimos, falamos, discutimos e debatemos os mais variados temas e chegamos a conclusão que sabemos muito pouco. Porém o pouco que aprendemos um com o outro nos fez melhor. Quero agradecer do fundo do meu coração a colaboração de todos vocês por fazerem de nossas aulas algo divertido e edificante. Espero melhorar no próximo ano, espero também encontrar alguns de vocês nas faculdades, em bons empregos, ou na sala de aula para aqueles que ainda percorrem a jornada do herói. Foi gratificante ter estado com vocês todos os dias. Um Feliz Natal, Um Próspero Ano Novo, e aquelas férias merecidas para nós todos. Amo vocês. Prof. Edson. 

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Aula de História do 1º Ano Ensino Médio - Medievo

I. Os conceitos de Cortesia e Amor Cortês
A cortesia medieval era uma qualidade mundana, uma virtude essencialmente laica e que dizia respeito ao comportamento social daqueles que compartilhavam a vida nas cortes reais e principescas dos castelos que se multiplicaram no século XII.
Cultura das elites, cortesia era visitar-se entre cortes. Mais do que isso, era um refinamento de costumes, um controle mais rigoroso das pulsões, uma polidez, uma arte de viver, uma sociabilidade e, principalmente, uma fina educação para com a mulher.
Ser amável, educado e fino. Saber expressar seu amor de forma gentil: essa foi a primeira e principal fase na transição do homem-guerreiro para o cortesão. Esse era o novo-homem cortês do século XII, um cavaleiro que caminhava a passos largos para se tornar um cavalheiro.
Essa revolução silenciosa e amorosa foi tão profunda na história do ocidente que os termos que expressam hoje o nosso amor romântico e o ambiente sedutor que definem o envolvimento entre duas pessoas de sexos opostos surgiram na primeira metade do século XII. Sem dúvida, trata-se de uma grande transformação histórica que elevou a condição feminina! O amor romântico tal como o conhecemos não surgiu até aquilo que algumas vezes se chama a renascença do século XII.
II. Como elas eram tratadas?
(...) não é sem razão que quando uma mulher falava de amor no mundo medieval (...) estivesse sempre se referindo a experiências vividas com carinhosos e solícitos amantes, nunca com o marido. Na Idade Média, com o enorme alcance desse fenômeno histórico, o amor cortês, o amor e o tratamento carinhoso por parte dos homens nasceram a princípio sob o signo da infidelidade conjugal.
III. As mulheres tomam a iniciativa
Cortesã, cortejada: a grande “sala das damas” era o lugar no castelo onde os cavaleiros, agora também poetas, tentavam mostrar seus talentos literários, todos dirigidos a ela (57). Homens dominados, sob o poder das mulheres.
IV. Características do amor cortês
A mais intrigante característica desse amor medieval é a submissão absoluta do homem à dama. E mais: ele é solteiro, jovem; ela, casada, mais velha! Naquele jogo, onde a mulher era quem sempre vencia, a capacidade do homem em se prostrar, mesmo sendo fisicamente mais forte, é notória. Por amor, ela se tornou a senhora, a dama, e ele o vassalo, o submisso, aquele que prestava juras de fidelidade absoluta e agia sempre com moderação para não corromper a reputação da mulher amada, já que era uma mulher casada. Nos textos, o amor da dama é inacessível, intocável, distante.(...) Os defeitos femininos deveriam ser apagados, esquecidos e suas virtudes glorificadas, exaltadas, e supervalorizadas até o ponto em que o objeto daquele amor fosse tão sublime quanto a aurora ou o próprio amor. A idealização da mulher amada muitas vezes fazia com que o poeta a afastasse da realidade e isso transformava o “morrer-de-amor” numa constante em versos. (...) Para Maria de França (século XII), quanto maiores a nobreza, a prudência, a beleza e a cortesia da dama, maiores seriam os motivos para a angústia e submissão do amante complacente, que se jogaria ao chão com juras de amor eterno. Esse amor deveria ser alimentado com a presença constante, mesmo que fortuita, pois se acreditava que o hábito também desenvolveria o amor (...).

Excertos do Estudo: Entre a Pintura e a Poesia: o nascimento do Amor e a elevação da condição feminina na Idade Média. Priscilla Lauret Coutinho e Ricardo da Costa. In: GUGLIELMI, Nilda (dir.). Apuntes sobre familia, matrimonio y sexualidad en la Edad Media. Colección Fuentes y Estudios Medievales 12. Mar del Plata: GIEM (Grupo de Investigaciones y Estudios Medievales),Universidad Nacional de Mar del Plata (UNMdP), diciembre de 2003, p. 4-28 (ISBN 987-544-029-9).
AULA DE HISTÓRIA 2º ANO ENSINO MÉDIO

Revolução Industrial e Socialismo
Nesta aula, iremos tratar da Revolução Industrial e de suas  consequências para o mundo contemporâneo. Entre as consequências, destaque para o desenvolvimento de novas ideias sócio-políticas, que foi o Socialismo.
A Revolução Industrial.
Entende-se por Revolução Industrial um conjunto de inovações técnicas que acabaram resultando na substituição da ferramenta pela máquina e propiciando a passagem do artesanato manual para a produção industrial concentrada nas fábricas.
A Revolução Industrial foi um processo decisivo para o estabelecimento da sociedade capitalista - sociedade caracterizada pela produção de bens materiais. Uma classe detém os meios de produção, isto é, máquinas, terras, fábricas; outra classe vende sua força de trabalho em troca de um salário e realiza o trabalho de produção. A primeira classe é a burguesia - que além dos meios de produção, possui o capital e a segunda classe é formada pelos proletários. Com o desenvolvimento destas duas classes teremos o início de um conflito, denominado luta de classes.
O processo da Revolução Industrial começou na Inglaterra, que apresentava uma série de condições, que iremos analisar a seguir.
A Revolução Industrial na Inglaterra.
Vários são os fatores que explicam o início da revolução Industrial na Inglaterra.
UMA REVOLUÇÃO AGRÍCOLA.
A Revolução Industrial inglesa foi precedida por uma revolução agrária. Desde o final da Idade Média, a agricultura inglesa passava por profundas modificações, graças a substituição da produção em pequenas propriedades, voltada para o mercado local, por uma produção em larga escala; para atender o mercado externo, realizada em grandes propriedades.
Durante o reinado de Elizabeth I, o comércio de lã teve um grande desenvolvimento. Para a produção de lã era necessário aumentar as passagens, necessidade suprida pelas leis de cercamento. Com os cercamentos os pequenos proprietários e camponeses tiveram suas terras usurpadas, sendo expulsos para as cidades, transformando-se em força de trabalho para a indústria nascente.
Nem todas as grandes propriedades surgidas com os cercamentos dedicavam-se à criação de carneiros, havia aquelas especializadas na produção de alimentos para o abastecimento das cidades, que cresciam cada vez mais.
Para controlar e obrigar, os expulsos do campo, a aceitarem as duras condições de trabalho, em 1601 foram assinados as leis dos pobres, que consideravam crimes o desemprego e a mendicância; obrigando esta camada a trabalhar nas chamadas "oficinas de caridade", que abasteciam com mão-de-obra as manufaturas inglesas.
FATORES DE ORDEM ECONÔMICA.
A Inglaterra foi, ao longo dos séculos XVII e XVIII, a nação que mais acumularam capitais. Este processo de acumulação de capitais foi possível, graças à expansão da atividade comercial - que gerou um amplo mercado consumidor (a Revolução Comercial). A partir do reinado de Elizabeth I (1558/1603) há uma expansão dos domínios coloniais ingleses. Nas colônias do sul na América do Norte, a Inglaterra adota a produção de algodão em grandes propriedades, para abastecer as manufaturas inglesas.
Outro fator de ordem econômica foi a decretação dos Atos de Navegação (1651) que serviu para eliminar a concorrência dos holandeses na indústria têxtil e no comércio marítimo. Desta forma, os produtos ingleses atingiam todas as partes do mundo, sendo transportados por navios ingleses.
FATORES DE ORDEM SOCIAL.
Como se viu, com os cercamentos há um processo de expulsão dos camponeses e dos grandes proprietários do campo, auxiliando na composição de uma mão-de-obra disponível para as indústrias. Esta camada, inteiramente desprovida de bens materiais, passa a vender sua força de trabalho para os donos das fábricas - surgindo assim os proletários.
FATORES DE ORDEM POLÍTICAS.
Desde o século XVII ( Revolução Gloriosa - 1688 ) a burguesia inglesa controlava o Estado e impunha diretrizes políticas para satisfação de seus interesses econômicos.
CICLO DE INVENÇÕES.
A invenção auxilia o aumento da produção, contribuindo para a geração de capitais - investidos em outras invenções, gerando aumento da produção e, consequentemente mais capitais, resultando novas invenções, e assim por diante.
A revolução técnica começou na fabricação de algodão, quando John Kay, em 1733, inventou a lançadeira volante, aumentando a capacidade de tecelagem. Em 1767, James Hargreaves inventou a fiadora Jenny, aumentando a produção de fios e, Richard Arkwright, em 1769 a aperfeiçoou.
Em 1785, Edmund Cartwright inventou o tear mecânico e o descaroçador de algodão foi inventado em 1769 por Whitney. Nesta mesma época (1769), James Watt aperfeiçoou a máquina a vapor. Devemos ressaltar que as máquinas acima eram de metais, estimulando a siderurgia. As máquinas, por sua vez, funcionavam a vapor, sendo necessários investimentos em mineração (técnicas para produção de carvão).
A utilização das máquinas exigia a concentração dos trabalhadores num só local, surgindo assim as fábricas.
As consequências da Revolução Industrial.
A Revolução Industrial trouxe várias mudanças na economia, na sociedade, na política e na estrutura da ideologia.
Para começar, a Revolução Industrial patrocinou uma verdadeira revolução nos transportes. Com o aumento da capacidade produtiva houve uma enorme necessidade de transportar as mercadorias com maior rapidez - transporte de matérias-primas para as indústrias e transporte dos produtos industrializados para os mercados consumidores. A revolução nos transportes deu-se com a invenção da locomotiva e da navegação a vapor.
A locomotiva foi inventada em 1830, por George Stephenson. A navegação a vapor foi uma invenção norte-americana - os clippers - destacando-se o inventor Fulton, que projetou o navio Clermont e percorreu, em 1803, o rio Hudson.
As locomotivas e a navegação a vapor distribuíam as mercadorias a longas distâncias e por preços reduzidos.
No aspecto político, a Revolução Industrial veio consolidar o liberalismo econômico, solidificando o modo de produção capitalista. O modelo de Estado Liberal, já existente na Inglaterra, é difundido nos países que se industrializam ao longo do século XIX.
Do ponto de vista social e político, o industrialismo fez surgir uma nova classe social o proletariado, e com ela o início de uma luta de classes entre a burguesia e o proletário.
A luta de classes é resultado do antagonismo entre os trabalhadores e os patrões. Antes do surgimento das fábricas, o trabalhador artesão dominava todo o processo de produção e controlava o seu tempo de trabalho; com as fábricas, o trabalhador passou a ter que se adaptar ao ritmo da máquina, perdendo o controle sobre o processo produtivo - pois ele não é o dono da máquina - e sobre o tempo - este passa a ser determinado pela máquina. Para adaptar-se ao ritmo da máquina, foi imposta ao trabalhador uma rígida disciplina, com multas e castigos.
Além disto, as condições de trabalho eram muito precárias, também havia uma enorme exploração do trabalho infantil e feminino, cujos salários eram mais baixos que os dos homens. As jornadas de trabalhos ultrapassavam as catorze horas diárias...
Como forma de reação a esta situação, a classe operária organiza movimentos para conquistar melhores condições de trabalho, assunto que será abordado mais adiante.
Outra consequência da Revolução Industrial foi o desenvolvimento das cidades - o urbanismo . Houve um crescimento populacional enorme nos centros urbanos, que concentravam as oficinas, fábricas, armazéns e moradias dos trabalhadores. A concentração populacional nas cidades, que não apresentavam infraestrutura para tanto, causou novos problemas de saúde, de habitação e de moradia. As precárias condições de vida e de trabalho da classe trabalhadora tornou o alcoolismo um grave problema urbano.
Conclusão
A Revolução Industrial contribuiu para um aumento da produção, para uma concentração industrial, para a divisão do trabalho e para a consolidação do capitalismo liberal.
Estabeleceu uma nova forma de trabalho - o trabalho assalariado e favoreceu o processo de industrialização na agricultura.
A partir da Revolução Industrial ocorre um enorme crescimento populacional e o surgimento das cidades.
No plano ideológico, as péssimas condições de trabalho dos operários - os produtores da riqueza - favorecem o desenvolvimento de novas ideias, ideias que criticam o capitalismo; pregando sua destruição, trata-se do SOCIALISMO.
O Socialismo.
As péssimas condições de vida dos operários, provocadas pela industrialização, levaram alguns pensadores a buscar soluções para os problemas surgidos. Surgiram então ideias reformistas, procurando construir uma nova sociedade, onde houvesse igualdade social, eliminando a exploração do homem sobre o homem.
O conjunto destas ideias fundamentou o pensamento socialista, que pode ser dividido em, basicamente, duas correntes: a dos socialistas utópicos e a dos socialistas científicos.
Antes da análise das correntes do socialismo, faz-se necessário uma apresentação do movimento operário, que reivindicava melhores condições de trabalho.
Primeiramente, a reação da classe trabalhadora contra as péssimas condições de trabalho deu-se pela quebra das máquinas, foi o chamado movimento ludista; em seguida, os trabalhadores iniciaram sua organização para conduzir melhor o movimento operário, surgindo assim as trade unions, as uniões operárias. Dentre estas organizações operárias, destacou-se o movimento cartista, na Inglaterra – a Associação de Operários elaborou uma petição de direitos (Carta do Povo), apresentada ao Parlamento que reivindicava: sufrágio universal restrito aos homens; votação secreta; representação igual para todas as classes no Parlamento. O movimento cartista representou um confronto entre a classe operária e a burguesia, resultando disto, uma necessidade; por parte da classe operária de melhor conhecer o funcionamento da sociedade capitalista.
Os sindicatos, surgidos no final do século XIX foram evoluções destas trade unions, que passaram a organizar as lutas da classe trabalhadora.
CORRENTES DO SOCIALISMO.
SOCIALISMO UTÓPICO
Corrente que idealizava uma nova sociedade e acreditava atingir esta nova sociedade sem luta de classes, mediante reformas pacíficas.
Os principais socialistas utópicos foram: Saint-Simon (1760/1825), Charles Fourier (1772/1837), Robert Owen (1771/1859) e Proudhon (1809/1865).
Entre os precursores do socialismo utópico, pode-se identificar a obra de Thomas Morus, Utopia, publicada em 1506 e que idealizava uma sociedade igualitária- atacando a propriedade privada; no século XVII, durante a Revolução Puritana, temos a ação dos niveladores; grupo de artesãos e dos escavadores - proletários urbanos e rurais sem terras, que defendiam a igualdade social. Durante a Revolução Francesa, Graco Babeuf pregava uma República igualitária.
SOCIALISMO CIENTÍFICO
Os principais teóricos desta corrente foram Karl Marx (1818/1883) e Friedrich Engels (1820/1895).
O socialismo científico critica a visão idealista do socialismo utópico e coloca a classe operária como uma classe revolucionária. O pensamento desta corrente é baseado em dois fundamentos:
- a História é resultado da luta de classes;
- a classe operária deve construir a nova sociedade, que seria alicerçada na igualdade social, impondo a ditadura do proletariado - transição para a construção de uma sociedade socialista.
A sociedade socialista, apresentada por Marx e Engels, não apresentaria a propriedade privada dos meios de produção- o Estado se apoderaria dos bens de produção; o objetivo da produção não seria mais o lucro individual e sim atender os interesses coletivos e o Estado seria o responsável pelo retorno da riqueza à coletividade.
Marx e Engels fundaram, em 1847, a Liga Comunista e, no ano de 1848, publicaram o Manifesto Comunista, cuja divisa será "proletários de todos os países, uni-vos".
SOCIALISMO CRISTÃO
Postura da Igreja Católica que criticava a exploração do capitalismo, porém vai criticar a teoria da luta de classes, defendida pelo socialismo. Para a Igreja Católica, deveria haver uma harmonia entre os interesses da classe trabalhadora com os patrões. A Igreja procurou conciliar capital e trabalho através da encíclica Rerum Novarum.
O ANARQUISMO
Corrente que identifica o Estado como a origem de todos os males. Defendem, além do fim da propriedade privada, a eliminação do Estado.

Entre seus principais representantes temos Bakunin e Kroptkin. As ideias socialistas serão postas em prática nos movimentos revolucionários de 1848 e 1871. Em 1917, a Rússia transformou-se no primeiro Estado socialista.

terça-feira, 28 de outubro de 2014


Cabeça de esfinge que guarda tumba da era de Alexandre, o Grande é encontrada

esfinge
Arqueólogos encontraram a cabeça desaparecida de uma esfinge que guarda uma enorme tumba macedônia sob escavação em Amphipolis, Grécia. Duas esfinges sem cabeça guardam a entrada do lugar.
A cabeça da estátua tem cabelo ondulado que cai ao seu ombro esquerdo, e carrega traços de tinta vermelha, de acordo com o Ministério da Cultura da Grécia. Escavadores também encontraram fragmentos de asas quebradas a partir do par de esfinges que estão na entrada da tumba.
 
Cercada por um muro de mármore de 490 metros de perímetro, o túmulo monumental em Amphipolis poderia ser o maior de seu tipo no mundo grego. Os arqueólogos que conduzem as escavações em curso ainda não determinaram quem está sepultado no túmulo (ou se ele está mesmo intacto), mas disseram acreditar que o local data do século 4 aC, durante a época de Alexandre, o Grande.
Os escavadores não esperam encontrar o túmulo do próprio Alexandre no local, já que registros históricos indicam que o macedônio construtor de impérios morreu na Babilônia e foi sepultado em Alexandria. Mas a líder das escavações, Katerina Peristeri, disse a repórteres na semana passada que quem foi enterrado lá deve ter sido “extremamente importante”.
A escavação atraiu atenção generalizada após as esfinges sem cabeça na entrada da tumba serem reveladas em agosto.
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À medida que os arqueólogos têm sondado mais fundo no solo cheio de câmaras internas da tumba, eles fizeram algumas descobertas notáveis​​. Na semana passada, encontraram um pavimento com um mosaico feitos de seixos coloridos mostrando a deusa grega Perséfone sendo levada para o submundo por Hades em uma carruagem puxada por dois cavalos brancos. O deus mensageiro Hermes também está presente na cena vestindo seu característico chapéu de abas largas.
A cabeça da esfinge recém-revelada não tem parte de seu nariz, mas fora isso está completamente intacta. Na arte grega, esfinges normalmente têm o corpo de um leão, as asas de um pássaro e a cabeça de uma mulher. No rosto, a esfinge lembra um pouco as cariátides esculpidas no túmulo de Amphipolis, descobertas há algumas semanas. As cariátides – estátuas femininas que tomam o lugar de colunas ou pilares – ladeiam a segunda entrada do túmulo. [Live Science]


sexta-feira, 24 de outubro de 2014

Aula de Filosofia 2º Ano Ensino Médio - NIETZSCHE

Nietzsche

Vida e Obra
Em 1849, seu pai e seu irmão faleceram; por causa disso a mãe mudou-se com a família para Naumburg, pequena cidade às margens do Saale, onde Nietzsche cresceu, em companhia da mãe, duas tias e da avó. Criança feliz, aluno modelo, dócil e leal, seus colegas de escola o chamavam "pequeno pastor"; com eles criou uma pequena sociedade artística e literária, para a qual compôs melodias e escreveu seus primeiros versos.
Em 1858, Nietzsche obteve uma bolsa de estudos na então famosa escola de Pforta, onde haviam estudado o poeta Novalis o filósofo Fichte (1762-1814). Datam dessa época suas leituras de Schiller (1759-1805), Hölderlin (1770-1843) e Byron (1788-1824); sob essa influência e a de alguns professores, Nietzsche começou a afastar-se do cristianismo. Excelente aluno em grego e brilhante em estudos bíblicos, alemão e latim, seus autores favoritos, entre os clássicos, foram Platão (428-348 a.C.) e Ésquilo (525-456 a.C.). Durante o último ano em Pforta, escreveu um trabalho sobre o poeta Teógnis (séc. VI a.C.). Partiu em seguida para Bonn, onde se dedicou aos estudos de teologia e filosofia, mas, influenciado por seu professor predileto, Ritschl, desistiu desses estudos e passou a residir em Leipzig, dedicando-se à filologia. Ritschl considerava a filologia não apenas história das formas literárias, mas estudos das instituições e do pensamento. Nietzsche seguiu-lhe as pegadas e realizou investigações originais sobre Diógenes Laércio (séc. III), Hesíodo (séc. VIII a.C.) e Homero. A partir desses trabalhos foi nomeado, em 1869, professor de filologia em Basiléia, onde permaneceu por dez anos. A filosofia somente passou a interessá-lo a partir da leitura de O Mundo como Vontade e Representação, de Schopenhauer (1788-1860). Nietzsche foi atraído pelo ateísmo de Schopenhauer, assim como pela posição essencial que a experiência estética ocupa em sua filosofia, sobretudo pelo significado metafísico que atribui à música.
Em 1867, Nietzsche foi chamado para prestar o serviço militar, mas um acidente em exercício de montaria livrou-o dessa obrigação. Voltou então aos estudos na cidade de Leipzig. Nessa época teve início sua amizade com Richard Wagner (1813-1883), que tinha quase 55 anos e vivia então com Cosima, filha de Liszt (1811-1886). Nietzsche encantou-se com a música de Wagner e com seu drama musical, principalmente com Tristão e Isolda e com Os Mestres Cantores. A casa de campo de Tribschen, às margens do lago de Lucerna, onde Wagner morava, tornou-se para Nietzsche lugar d "refúgio e consolação". Na mesma época, apaixonou-se por Cosima, que viria a ser, em obra posterior, a "sonhada Ariane". Em cartas ao amigo Erwin Rohde, escrevia: "Minha Itália chama-se Tribschen e sinto-me ali como em minha própria casa". Na universidade, passou a tratar das relações entre a música e a tragédia grega, esboçando seu livro O Nascimento da Tragédia no Espírito da Música.

O Filósofo e o Músico

Em 1870, a Alemanha entrou em guerra com a França; nessa ocasião, Nietzsche serviu o exército como enfermeiro, mas por pouco tempo, pois logo adoeceu, contraindo difteria e disenteria. Essa doença parece ter sido a origem das dores de cabeça e de estômago que acompanharam o filósofo durante toda a vida. Nietzsche restabeleceu-se lentamente e voltou a Basiléia a fim de prosseguir seus cursos.
Em 1871, publicou O Nascimento da Tragédia, a respeito da qual se costuma dizer que o verdadeiro Nietzsche fala através das figuras de Schopenhauer e de Wagner. Nessa obra, considera Sócrates (470 ou 469 a.C.-399 a.C.) um "sedutor", por ter feito triunfar junto à juventude ateniense o mundo abstrato do pensamento. A tragédia grega, diz Nietzsche, depois de ter atingido sua perfeição pela reconciliação da "embriaguez e da forma", de Dioniso e Apolo, começou a declinar quando, aos poucos, foi invadida pelo racionalismo, sob a influência "decadente" de Sócrates. Assim, Nietzsche estabeleceu uma distinção entre o apolíneo e o dionisíaco: Apolo é o deus da clareza, da harmonia e da ordem; Dioniso, o deus da exuberância, da desordem e da música. Segundo Nietzsche, o apolíneo e o dionisíaco, complementares entre si, foram separados pela civilização. Nietzsche trata da Grécia antes da separação entre o trabalho manual e o intelectual, entre o cidadão e o político, entre o poeta e o filósofo, entre Eros e Logos. Para ele a Grécia socrática, a do Logos e da lógica, a da cidade-Estado, assinalou o fim da Grécia antiga e de sua força criadora. Nietzsche pergunta como, num povo amante da beleza, Sócrates pôde atrair os jovens com a dialética, isto é, uma nova forma de disputa (ágon), coisa tão querida pelos gregos. Nietzsche responde que isso aconteceu porque a existência grega já tinha perdido sua "bela imediatez", e tornou-se necessário que a vida ameaçada de dissolução lançasse mão de uma "razão tirânica", a fim de dominar os instintos contraditórios.
Seu livro foi mal acolhido pela crítica, o que o impeliu a refletir sobre a incompatibilidade entre o "pensador privado" e o "professor público". Ao mesmo tempo, esperava-se com seu estado de saúde: dores de cabeça, perturbações oculares, dificuldades na fala. Interrompeu assim sua carreira universitária por um ano. Mesmo doente foi até Bayreuth, para assistir à apresentação de O Anel dos Nibelungos, de Wagner. Mas o "entusiasmo grosseiro" da multidão e a atitude de Wagner embriagado pelo sucesso o irritaram.
Terminada a licença da universidade para que tratasse da saúde, Nietzsche voltou à cátedra. Mas sua voz agora era tão imperceptível que os ouvintes deixaram de freqüentar seus cursos, outrora tão brilhantes. Em 1879, pediu demissão do cargo. Nessa ocasião, iniciou sua grande crítica dos valores, escrevendo Humano, Demasiado Humano; seus amigos não o compreenderam. Rompeu as relações de amizade que o ligavam a Wagner e, ao mesmo tempo, afastou-se da filosofia de Schopenhauer, recusando sua noção de "vontade culpada" e substituindo-a pela de "vontade alegre"; isso lhe parecia necessário para destruir os obstáculos da moral e da metafísica. O homem, dizia Nietzsche, é o criador dos valores, mas esquece sua própria criação e vê neles algo de "transcendente", de "eterno" e "verdadeiro", quando os valores não são mais do que algo "humano, demasiado humano".
Nietzsche, que até então interpretara a música de Wagner como o "renascimento da grande arte da Grécia", mudou de opinião, achando que Wagner inclinava-se ao pessimismo sob a influência de Schopenhauer. Nessa época Wagner voltara-se, ao mesmo tempo, a recusa do cristianismo e de Schopenhauer; para Nietzsche, ambos são parentes porque são a manifestação da decadência, isto é, da fraqueza e da negação. Irritado com o antigo amigo, Nietzsche escreveu: "Não há nada de exausto, nada de caduco, nada de perigoso para a vida, nada que calunie o mundo no reino do espírito, que não tenha encontrado secretamente abrigo em sua arte; ele dissimula o mais negro obscurantismo nos orbes luminosos do ideal. Ele acaricia todo o instinto niilista (budista) e embeleza-o com a música; acaricia toda a forma de cristianismo e toda expressão religiosa de decadência".

Solidão, Agonia e Morte

Em 1880, Nietzsche publicou O Andarilho e sua Sombra: um ano depois apareceu Aurora, com a qual se empenhou "numa luta contra a moral da auto-renúncia". Mais uma vez, seu trabalho não foi bem acolhido por seus amigos; Erwin Rohde nem chegou a agradecer-lhe o recebimento da obra, nem respondeu à carta que Nietzsche lhe enviara. Em 1882, veio à luz A Gaia Ciência, depois Assim falou Zaratustra (1884), Para Além de Bem e Mal (1886), O Caso WagnerCrepúsculo dos ÍdolosNietzsche contra Wagner (1888). Ecce HomoDitirambos DionisíacosO Anticristo e Vontade de Potência só apareceram depois de sua morte.
Durante o verão de 1881, Nietzsche residiu em Haute-Engandine, na pequena aldeia de Silvaplana, e, durante um passeio, teve a intuição de O Eterno Retorno, redigido logo depois. Nessa obra defendeu a tese de que o mundo passa indefinidamente pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. De Silvaplana, Nietzsche transferiu-se para Gênova, no outono de 1881, e depois para Roma, onde permaneceu por insistência de Fräulein von Meysenburg, que pretendia casá-lo com uma jovem finlandesa, Lou Andreas Salomé. Em 1882, Nietzsche propôs-lhe casamento e foi recusado, mas Lou Andreas Salomé desejou continuar sua amiga e discípula. Encontraram-se mais tarde na Alemanha; porém, não houve a esperada adesão à filosofia nietzschiana e, assim, acabaram por se afastar definitivamente.
Em seguida, retornou à Itália, passando o inverno de 1882-1883 na baía de Rapallo. Em Rapallo, Nietzsche não se encontrava bem instalado; porém, "foi durante o inverno e no meio desse desconforto que nasceu o meu nobre Zaratustra".
No outono de 1883 voltou para a Alemanha e passou a residir em Naumburg, em companhia da mãe e da irmã. Apesar da companhia dos familiares, sentia-se cada vez mais só. Além disso, mostrava-se muito contrariado, pois sua irmã tencionava casar-se com Herr Foster, agitador anti-semita, que pretendia fundar uma empresa colonial no Paraguai, como reduto da cristandade teutônica. Nietzsche desprezava o anti-semitismo, e, não conseguindo influenciar a irmã, abandonou Naumburg.
Em princípio de abril de 1884 chegou a Veneza, partindo depois para a Suíça, onde recebeu a visita do barão Heinrich von Stein, jovem discípulo de Wagner. Von Stein esperava que o filósofo o acompanhasse a Bayreuth para ouvir o Parsifal, talvez pretendendo ser o mediador para que Nietzsche não publicasse seu ataque contra Wagner. Por seu lado, Nietzsche viu no rapaz um discípulo capaz de compreender o seu Zaratustra. Von Stein, no entanto, veio a falecer muito cedo, o que o amargurou profundamente, sucedendo-se alternâncias entre euforia e depressão. Em 1885, veio a público a Quarta parte de Assim falou Zaratustra; cada vez mais isolado, o autor só encontrou sete pessoas a quem enviá-la. Depois disso, viajou para Nice, onde veio a conhecer o intelectual alemão Paul Lanzky, que lera Assim falou Zaratustra e escrevera um artigo, publicado em um jornal de Leipzig e na Revista Européia de Florença. Certa vez, Lanzky se dirigiu a Nietzsche tratando-o de "mestre" e Nietzsche lhe respondeu: "Sois o primeiro que me trata dessa maneira".
Depois de 1888, Nietzsche passou a escrever cartas estranhas. Um ano mais tarde, em Turim, enfrentou o auge da crise; escrevia cartas ora assinando "Dioniso", ora "o Crucificado" e acabou sendo internado em Basiléia, onde foi diagnosticada uma "paralisia progressiva". Provavelmente de origem sifilítica, a moléstia progrediu lentamente até a apatia e a agonia. Nietzsche faleceu em Weimar, a 25 de agosto de 1900.

O Dionisíaco e o Socrático

Nietzsche enriqueceu a filosofia moderna com meios de expressão: o aforismo e o poema. Isso trouxe como conseqüência uma nova concepção da filosofia e do filósofo: não se trata mais de procurar o ideal de um conhecimento verdadeiro, mas sim de interpretar e avaliar. A interpretação procuraria fixar o sentido de um fenômeno, sempre parcial e fragmentário; a avaliação tentaria determinar o valor hierárquico desses sentidos, totalizando os fragmentos, sem, no entanto, atenuar ou suprimir a pluralidade. Assim, o aforismo nietzschiano é, simultaneamente, a arte de interpretar e a coisa a ser interpretada, e o poema constitui a arte de avaliar e a própria coisa a ser avaliada. O intérprete seria uma espécie de fisiologista e de médico, aquele que considera os fenômenos como sintomas e fala por aforismos; o avaliador seria o artista que considera e cria perspectivas, falando pelo poema. Reunindo as duas capacidades, o filósofo do futuro deveria ser artista e médico-legislador, ao mesmo tempo.
Para Nietzsche, um tipo de filósofo encontra-se entre os pré-socráticos, nos quais existe unidade entre o pensamento e a vida, esta "estimulando" o pensamento, e o pensamento "afirmando" a vida. Mas o desenvolvimento da filosofia teria trazido consigo a progressiva degeneração dessa característica, e, em lugar de uma vida ativa e de um pensamento afirmativo, a filosofia ter-se-ia proposto como tarefa "julgar a vida", opondo a ela valores pretensamente superiores, mediando-a por eles, impondo-lhes limites, condenando-a. Em lugar do filósofo-legislador, isto é, crítico de todos os valores estabelecidos e criador de novos, surgiu o filósofo metafísico. Essa degeneração, afirma Nietzsche, apareceu claramente com Sócrates, quando se estabeleceu a distinção entre dois mundos, pela oposição entre essencial e aparente, verdadeiro e falso, inteligível e sensível. Sócrates "inventou" a metafísica, diz Nietzsche, fazendo da vida aquilo que deve ser julgado, medido, limitado, em nome de valores "superiores" como o Divino, o Verdadeiro, o Belo, o Bem. Com Sócrates, teria surgido um tipo de filósofo voluntário e sutilmente "submisso", inaugurando a época da razão e do homem teórico, que se opôs ao sentido místico de toda a tradição da época da tragédia.
Para Nietzsche, a grande tragédia grega apresenta como característica o saber místico da unidade da vida e da morte e, nesse sentido, constitui uma "chave" que abre o caminho essencial do mundo. Mas Sócrates interpretou a arte trágica como algo irracional, algo que apresenta efeitos sem causas e causas sem efeitos, tudo de maneira tão confusa que deveria ser ignorada. Por isso Sócrates colocou a tragédia na categoria das artes aduladoras que representam o agradável e não o útil e pedia a seus discípulos que se abstivessem dessas emoções "indignas de filósofos". Segundo Sócrates, a arte da tragédia desvia o homem do caminho da verdade: "uma obra só é bela se obedecer à razão", formula que, segundo Nietzsche, corresponde ao aforismo "só o homem que concebe o bem é virtuoso". Esse bem ideal concebido por Sócrates existiria em um mundo supra-sensível, no "verdadeiro mundo", inacessível ao conhecimento dos sentidos, os quais só revelariam o aparente e irreal. Com tal concepção, criou-se, segundo Nietzsche, uma verdadeira oposição dialética entre Sócrates e Dioniso: "enquanto em todos os homens produtivos o instinto é uma força afirmativa e criadora, e a consciência uma força crítica e negativa, em Sócrates o instinto torna-se crítico e a consciência criadora". Assim, Sócrates, o "homem teórico", foi o único verdadeiro contrário do homem trágico e com ele teve início uma verdadeira mutação no entendimento do Ser. Com ele, o homem se afastou cada vez mais desse conhecimento, na medida em que abandonou o fenômeno do trágico, verdadeira natureza da realidade, segundo Nietzsche. Perdendo-se a sabedoria instintiva da arte trágica, restou a Sócrates apenas um aspecto da vida do espírito, o aspecto lógico-racional; faltou-lhe a visão mística, possuído que foi pelo instinto irrefreado de tudo transformar em pensamento abstrato, lógico, racional. Penetrar a própria razão das coisas, distinguindo o verdadeiro do aparente e do erro era, para Sócrates, a única atividade digna do homem. Para Nietzsche, porém, esse tipo de conhecimento não tarda a encontrar seus limites: "esta sublime ilusão metafísica de um pensamento puramente racional associa-se ao conhecimento como um instinto e o conduz incessantemente a seus limites onde este se transforma em arte".
Por essa razão, Nietzsche combateu a metafísica, retirando do mundo supra-sensível todo e qualquer valor eficiente, e entendendo as idéias não mais como "verdades" ou "falsidades", mas como "sinais". A única existência, para Nietzsche, é a aparência e seu reverso não é mais o Ser; o homem está destinado à multiplicidade, e a única coisa permitida é sua interpretação.

O Vôo da Águia, a Ascensão da Montanha

A crítica nietzschiana à metafísica tem um sentido ontológico e um sentido moral: o combate à teoria das idéias socrático-platônicas é, ao mesmo tempo, uma luta acirrada contra o cristianismo.
Segundo Nietzsche, o cristianismo concebe o mundo terrestre como um vale de lágrimas, em oposição ao mundo da felicidade eterna do além. Essa concepção constitui uma metafísica que, à luz das idéias do outro mundo, autêntico e verdadeiro, entende o terrestre, o sensível, o corpo, como o provisório, o inautêntico e o aparente. Trata-se, portanto, diz Nietzsche, de "um platonismo para o povo", de uma vulgarização da metafísica, que é preciso desmistificar. O cristianismo, continua Nietzsche, é a forma acabada da perversão dos instintos que caracteriza o platonismo, repousando em dogmas e crenças que permitem à consciência fraca e escava escapar à vida, à dor e à luta, e impondo a resignação e a renúncia como virtudes. São os escravos e os vencidos da vida que inventaram o além para compensar a miséria; inventaram falsos valores para se consolar da impossibilidade de participação nos valores dos senhores e dos fortes; forjaram o mito da salvação da alma porque não possuíam o corpo; criaram a ficção do pecado porque não podiam participar das alegrias terrestres e da plena satisfação dos instintos da vida. "Este ódio de tudo que é humano", diz Nietzsche, "de tudo que é 'animal' e mais ainda de tudo que é 'matéria', este temor dos sentidos... este horror da felicidade e da beleza; este desejo de fugir de tudo que é aparência, mudança, dever, morte, esforço, desejo mesmo, tudo isso significa... vontade de aniquilamento, hostilidade à vida, recusa em se admitir as condições fundamentais da própria vida".
Nietzsche propôs a si mesmo a tarefa de recuperar a vida e transmutar todos os valores do cristianismo: "munido de uma tocha cuja luz não treme, levo uma claridade intensa aos subterrâneos do ideal". A imagem da tocha simboliza, no pensamento de Nietzsche, o método filológico, por ele concebido como um método crítico e que se constitui no nível da patologia, pois procura "fazer falar aquilo que gostaria de permanecer mudo". Nietzsche traz à tona, por exemplo, um significado esquecido da palavra "bom". Em latim, bonus significa também o "guerreiro", significado este que foi sepultado pelo cristianismo. Assim como esse, outros significados precisariam ser recuperados; com isso se poderia constituir uma genealogia da moral que explicaria as etapas das noções de "bem" e de "mal". Para Nietzsche essas etapas são o ressentimento ("é tua culpa se sou fraco e infeliz"); a consciência da culpa (momento em que as formas negativas se interiorizam, dizem-se culpadas e voltam-se contra si mesmas); e o ideal ascético (momento de sublimação do sofrimento e de negação da vida). A partir daqui, a vontade de potência torna-se vontade de nada e a vida transforma-se em fraqueza e mutilação, triunfando o negativo e a reação contra a ação. Quando esse niilismo triunfa, diz Nietzsche, a vontade de potência deixa de querer significar "criar" para querer dizer "dominar"; essa é a maneira como o escravo a concebe. Assim, na fórmula "tu és mau, logo eu sou bom", Nietzsche vê o triunfo da moral dos fracos que negam a vida, eu negam a "afirmação"; neles tudo é invertido: os fracos passam a se chamar fortes, a baixeza transforma-se em nobreza. A "profundidade da consciência" que busca o Bem e a Verdade, diz Nietzsche, implica resignação, hipocrisia e máscara, e o intérprete-filólogo, ao percorrer os signos para denunciá-las, deve ser um escavador dos submundos a fim de mostrar que a "profundidade da interioridade" é coisa diferente do que ela mesma pretende ser. Do ponto de vista do intérprete que desça até os bas-fonds da consciência, o Bem é a vontade do mais forte, do "guerreiro", do arauto de um apelo perpétuo à verdadeira ultrapassagem dos valores estabelecidos, do super-homem, entendida esta expressão no sentido de um ser humano que transpõe os limites do humano, é o além-do-homem. Assim, o vôo da águia, a ascensão da montanha e todas as imagens de verticalidade que se encontram em Assim falou Zaratustra representam a inversão da profundidade e a descoberta de que ela não passa de um jogo de superfície.
A etimologia nietzschiana mostra que não existe um "sentido original", pois as próprias palavras não passam de interpretações, antes mesmo de serem signos, e se elas só significam porque são "interpretações essenciais". As palavras, segundo Nietzsche, sempre foram inventadas pelas classes superiores e, assim, não indicam um significado, mas impõem uma interpretação. O trabalho do etimologista, portanto, deve centralizar-se no problema de saber o que existe para ser interpretado, na medida em que tudo é máscara, interpretação, avaliação. Fazer isso é "aliviar o que vive, dançar, criar". Zaratustra, o intérprete por excelência, é como Dioniso.

Os Limites do Humano: O Além-do-Homem

Em Ecce Homo, Nietzsche assimila Zaratustra a Dioniso, concebendo o primeiro como o triunfo da afirmação da vontade de potência e o segundo como símbolo do mundo como vontade, como um deus artista, totalmente irresponsável, amoral e superior ao lógico. Por outro lado, a arte trágica é concebida por Nietzsche como oposta à decadência e enraizada na antinomia entre a vontade de potência, aberta para o futuro, e o "eterno retorno", que faz do futuro numa repetição; esta, no entanto, não significa uma volta do mesmo nem uma volta ao mesmo; o eterno retorno nietzschiano é essencialmente seletivo. Em dois momentos de Assim falou Zaratustra (Zaratustra doente e Zaratustra convalescente), o eterno retorno causa ao personagem-título, primeiramente, uma repulsa e um medo intoleráveis que desaparecem por ocasião de sua cura, pois o que o tornava doente era a idéia de que o eterno retorno estava ligado, apesar de tudo, a um ciclo, e que ele faria tudo voltar, mesmo o homem, o "homem pequeno". O grande desgosto do homem, diz Zaratustra, aí está o que me sufocou e que me tinha entrado na garganta e também o que me tinha profetizado o adivinho: tudo é igual. E o eterno retorno, mesmo do mais pequeno, aí está a causa de meu cansaço e de toda a existência. Dessa forma, se Zaratustra se cura é porque compreende que o eterno retorno abrange o desigual e a seleção. Para Dioniso, o sofrimento, a morte e o declínio são apenas a outra face da alegria, da ressurreição e da volta. Por isso, "os homens não têm de fugir à vida como os pessimistas", diz Nietzsche, "mas, como alegres convivas de um banquete que desejam suas taças novamente cheias, dirão à vida: uma vez mais".
Para Nietzsche, portanto, o verdadeiro oposto a Dioniso não é mais Sócrates, mas o Crucificado. Em outros termos, a verdadeira oposição é a que contrapõe, de um lado, o testemunho contra a vida e o empreendimento de vingança que consiste em negar a vida; de outro, a afirmação do devir e do múltiplo, mesmo na dilaceração dos membros dispersos de Dioniso. Com essa concepção, Nietzsche responde ao pessimismo de Schopenhauer: em lugar do desespero de uma vida para a qual tudo se tornou vão, o homem descobre no eterno retorno a plenitude de uma existência ritmada pela alternância da criação e da destruição, da alegria e do sofrimento, do bem e do mal. O eterno retorno, e apenas ele, oferece, diz Nietzsche, uma "saída fora da mentira de dois mil anos", e a transmutação dos valores traz consigo o novo homem que se situa além do próprio homem.
Esse super-homem nietzschiano não é um ser, cuja vontade "deseje dominar". Se se interpreta vontade de potência, diz Nietzsche, como desejo de dominar, faz-se dela algo dependente dos valores estabelecidos. Com isso, desconhece-se a natureza da vontade de potência como princípio plástico de todas as avaliações e como força criadora de novos valores. Vontade de potência, diz Nietzsche, significa "criar", "dar" e "avaliar".
Nesse sentido, a vontade de potência do super-homem nietzschiano o situa muito além do bem e do mal e o faz desprender-se de todos os produtos de uma cultura decadente. A moral do além-do-homem, que vive esse constante perigo e fazendo de sua vida uma permanente luta, é a moral oposta à do escravo e à do rebanho. Oposta, portanto, à moral da compaixão, da piedade, da doçura feminina e cristã. Assim, para Nietzsche, bondade, objetividade, humildade, piedade, amor ao próximo, constituem valores inferiores, impondo-se sua substituição pela virtù dos renascentistas italianos, pelo orgulho, pelo risco, pela personalidade criadora, pelo amor ao distante. O forte é aquele em que a transmutação dos valores faz triunfar o afirmativo na vontade de potência. O negativo subsiste nela apenas como agressividade própria à afirmação, como a crítica total que acompanha a criação; assim, Zaratustra, o profeta do além-do-homem, é a pura afirmação, que leva a negação a seu último grau, fazendo dela uma ação, uma instância a serviço daquele que cria, que afirma.
Compreende-se, assim, porque Nietzsche desacredita das doutrinas igualitárias, que lhe parecem "imorais", pois impossibilitam que se pense a diferença entre os valores dos "senhores e dos escravos". Nietzsche recusa o socialismo, mas em Vontade de Potência exorta os operários a reagirem "como soldados".

Uma Filosofia Confiscada

Apoiado na crítica nietzschiana aos valores da moral cristã, em sua teoria da vontade de potência e no seu elogio do super-homem, desenvolveu-se um pensamento nacionalista e racista, de tal forma que se passou a ver no autor de Assim Falou Zaratustra um percursor do nazismo. A principal responsável por essa deformação foi sua irmã Elisabeth, que, ao assegurar a difusão de seu pensamento, organizando o Nietzsche-Archiv, em Weimar, tentou colocá-lo a serviço do nacional-socialismo. Elisabeth, depois do suicídio do marido, que fracassara em um projeto colonial no Paraguai, reuniu arbitrariamente notas e rascunhos do irmão, fazendo publicar Vontade de Potência como a última e a mais representativa das obras de Nietzsche, retendo até 1908 Ecce Homo, escrita em 1888. Esta obra constitui uma interpretação, feita por Nietzsche, de sua própria filosofia, que não se coaduna com o nacionalismo e o racismo germânicos. Ambos foram combatidos pelo filósofo, desde sua participação na guerra franco-prussiana (1870-1871).
Por ocasião desse conflito, Nietzsche alistou-se no exército alemão, mas seu ardor patriótico logo se dissolveu, pois, para ele, a vitória da Alemanha sobre a França teria como conseqüência "um poder altamente perigoso para a cultura". Nessa época, aplaudia as palavras de seu colega em Basiléia, Jacob Burckhardt (1818-1897), que insistia junto a seus alunos para que não tomassem o triunfo militar e a expansão de um Estado como indício de verdadeira grandeza.
Em Para Além de Bem e Mal, Nietzsche revela o desejo de uma Europa unida para enfrentar o nacionalismo ("essa neurose") que ameaçava subverter a cultura européia. Por outro lado, quando confiou ao "louro" a tarefa de "virilizar a Europa", Nietzsche levou até a caricatura seu desprezo pelos alemães, homens "que introduziram no lugar da cultura a loucura política e nacional... que só sabem obedecer pesadamente, disciplinados como uma cifre oculta em um número". No mesmo sentido, Nietzsche caracterizou os heróis wagnerianos como germanos que não passam de "obediência e longas pernas". E acabou rompendo definitivamente com Wagner, por causa do nacionalismo e anti-semitismo do autor de Tristão e Isolda: "Wagner condescende a tudo que desprezo, até o anti-semitismo".
Para compreender corretamente as idéias políticas de Nietzsche, é necessário, portanto, purificá-lo de todos os desvios posteriores que foram cometidos em seu nome. Nietzsche foi ao mesmo tempo um antidemocrático e um antitotalitário. "A democracia é a forma histórica de decadência do Estado", afirmou Nietzsche, entendendo por decadência tudo aquilo que escraviza o pensamento, sobretudo um Estado que pensa em si em lugar de pensar na cultura. Em Considerações Extemporâneas essa tese é reforçada: "estamos sofrendo as conseqüências das doutrinas pregadas ultimamente por todos os lados, segundo as quais o estado é o mais alto fim do homem, e, assim, não há mais elevado fim do que servi-lo. Considero tal fato não um retrocesso ao paganismo mas um retrocesso à estupidez". Por outro lado, Nietzsche não aceitava as considerações de que a origem do Estado seja o contrato ou a convenção; essas teorias seriam apenas "fantásticas"; para ele, ao contrário, o Estado tem uma origem "terrível", sendo criação da violência e da conquista e, como conseqüência, seus alicerces encontram-se na máxima que diz: "o poder dá o primeiro direito e não há direito que no fundo não seja arrogância, usurpação e violência".
O Estado, diz Nietzsche, está sempre interessado na formação de cidadãos obedientes e tem, portanto, tendência a impedir o desenvolvimento da cultura livre, tornando-a estática e estereotipada. Ao contrário disso, o Estado deveria ser apenas um meio para a realização da cultura e para fazer nascer o além-do-homem.

Assim Falou Zaratustra

Em Ecce Homo, Nietzsche intitulou seus capítulos: "Por que sou tão finalista?", "Por que sou tão sábio?", "Por que sou tão inteligente?", "Por que escrevo livros tão bons?". Isso levou muitos a considerarem sua obra como anormal e desqualificada pela loucura. Essa opinião, no entanto, revela um superficial entendimento de seu pensamento. Para entendê-lo corretamente, é necessário colocar-se dentro do próprio núcleo de sua concepção da filosofia: Nietzsche inverteu o sentido tradicional da filosofia, fazendo dela um discurso ao nível da patologia e considerando a doença "um ponto de vista" sobre a saúde e vice-versa. Para ele, nem a saúde, nem a doença são entidades; a fisiologia e a patologia são uma única coisa; as oposições entre bem e mal, verdadeiro e falso, doença e saúde são apenas jogos de superfície. Há uma continuidade, diz Nietzsche, entre a doença e a saúde e a diferença entre as duas é apenas de grau, sendo a doença um desvio interior à própria vida; assim, não há fato patológico.
A loucura não passa de uma máscara que esconde alguma coisa, esconde um saber fatal e "demasiado certo". A técnica utilizada pelas classes sacerdotais para a cura da loucura é a "meditação ascética", que consiste em enfraquecer os instintos e expulsar as paixões; com isso, a vontade de potência, a sensualidade e o livre florescimento do eu são considerados "manifestações diabólicas". Mas, para Nietzsche, aniquilar as paixões é uma "triste loucura", cuja decifração cabe à filosofia, pois é a loucura que torna mais plano o caminho para as idéias novas, rompendo os costumes e as superstições veneradas e constituindo uma verdadeira subversão dos valores. Para Nietzsche, os homens do passado estiveram mais próximos da idéia de que onde existe loucura há um grão de gênio e de sabedoria, alguma coisa de divino: "Pela loucura os maiores feitos foram espalhados foram espalhados pela Grécia". Em suma, aos "filósofos além de bem e mal", aos emissários dos novos valores e da nova moral não resta outro recurso, diz Nietzsche, a não ser o de proclamar as novas leis e quebrar o jugo da moralidade, sob o travestimento da loucura. É dentro dessa perspectiva, portanto, que se deve compreender a presença da loucura na obra de Nietzsche. Sua crise final apenas marcou o momento em que a "doença" saiu de sua obra e interrompeu seu prosseguimento. As últimos cartas de Nietzsche são o testemunho desse momento extremo e, como tal, pertencem ao conjunto de sua obra e de seu pensamento. A filosofia foi, para ele, a arte de deslocar as perspectivas, da saúde à doença, e a loucura deveria cumprir a tarefa de fazer a crítica escondida da decadência dos valores e aniquilamento: "Na verdade, a doença pode ser útil a um homem ou a uma tarefa, ainda que para outros signifique doença... Não fui um doente nem mesmo por ocasião da maior enfermidade".