segunda-feira, 31 de outubro de 2016



AULA DE FILOSOFIA 2º ANO - E.M. - RESUMÃO

Filosofia Contemporânea: Fenomenologia, Existencialismo
O mundo em que vivemos, das telecomunicações, da internet, dos programas espaciais, da física quântica, ou da medicina de alta tecnologia parece não ter lugar para a filosofia. Onde está a filosofia? O filósofo Bertrand Russel pensou nessa questão:
A filosofia, como todos os outros estudos, visa em primeiro lugar ao conhecimento. O conhecimento a que ela aspira é o tipo de conhecimento que dá unidade e sistematiza o corpo das ciências, e que resulta de um exame crítico dos fundamentos de nossas convicções, preconceitos e crenças.
Bertrand Russell, Os problemas da filosofia
Isso mesmo. Essa é uma das definições de filosofia: ela é uma disciplina que estuda os fundamentos de nossas convicções. No entanto, enquanto as ciências estabelecem um corpo sólido de conhecimentos e verdades a partir do qual passam a se desenvolver, a filosofia não alcança os mesmos resultados. Ela não dá respostas definitivas a nenhuma questão. E agora? O próprio Bertrand Russel matou a charada:
Isto se deve em parte ao fato de que, assim que o conhecimento definitivo a respeito de qualquer assunto torna-se possível, esse assunto deixa de ser chamado de filosofia, e torna-se uma ciência independente. O estudo total dos céus, que agora pertence à astronomia, foi um dia incluído na filosofia; a grande obra de Newton chamava-se ‘princípios matemáticos de filosofia natural’. Do mesmo modo, o estudo da mente humana, que fazia parte da filosofia, agora foi separado da filosofia e tornou-se a ciência da psicologia. Assim, em grande medida, a incerteza da filosofia é mais aparente que real: as questões que são capazes de ter respostas definitivas são abrigadas nas ciências, enquanto aquelas para as quais, até o presente, não podem ser dadas respostas definitivas, continuam a formar o resíduo que é chamado de filosofia.
Estamos mergulhados num mundo que não cessa de colocar novas questões para a filosofia. Por isso mesmo, não é fácil reconhecer o que é a filosofia contemporânea. Estamos perto demais. Percebemos a filosofia do passado com mais clareza e mais coesão do que percebemos a filosofia que se faz hoje.

Mas vamos lá! Chamamos de filosofia contemporânea aquela que teve início no século 19, atravessou o século 20 e chegou até os dias de hoje.
A filosofia contemporânea fundamenta-se em alguns conceitos que foram elaborados no século 19. Um desses conceitos é o conceito de história, que foi formulado pelo filósofo G.W.F. Hegel. A filosofia de Hegel relaciona-se com as ideias de totalidade e de processo. Passamos a entender o homem como um ser histórico, assim como a sociedade.
Uma das consequências dessa percepção é a ideia de progresso. O filósofo Auguste Comte foi um dos principais teóricos a pensar essa questão. Tanto a razão quanto o saber científico caminham na direção do desenvolvimento do homem (o lema da bandeira brasileira, ordem e progresso, é inspirado nas ideias de Comte).
As utopias políticas elaboradas no século 19, como o anarquismo, o socialismo e o comunismo, também devem muito à ideia de desenvolvimento e progresso, como caminho para uma sociedade justa e feliz.
Progresso descontínuo
A ideia de que a história fosse um movimento contínuo e progressivo em direção ao aperfeiçoamento sofreu duras restrições durante o século 20.
No século 20, porém, formou-se a noção de que o progresso é descontínuo, isto é, não se faz por etapas sucessivas. Desse modo, a história universal não é um conjunto de várias civilizações em etapas diferentes de desenvolvimento. Cada sociedade tem sua própria história. Cada cultura tem seus próprios valores.
Essa visão de mundo possibilitou o desenvolvimento de várias ciências como a etnologia, a antropologia e as ciências sociais.
Ciência e técnica
A confiança no saber científico foi outra das atitudes filosóficas que se desenvolveram no século 19. Essa atitude implica que a natureza pode ser controlada pela ciência e pela técnica. Mas não apenas isso, o desenvolvimento da ciência e da técnica passa a ser capaz de levar ao progresso vários aspectos da vida humana. Surgiram disciplinas como a psicologia, a sociologia e a pedagogia.
No século 20, a filosofia passou a colocar em cheque o alcance desses conhecimentos. Essas ciências podem não conseguir abranger a totalidade dos fenômenos que estudam. E também muitas vezes não conseguem fundamentar e validar suas próprias descobertas.
O triunfo da razão
A ideia de que a razão, ciência e o conhecimento são capazes de dar conta de todos os aspectos da vida humana também foi pensada criticamente por dois grandes filósofos: Karl Marx e Sigmund Freud.
No campo político, Marx tornou relativa a ideia de uma razão livre e autônoma ao formular a noção de ideologia - o poder social e invisível que nos faz pensar como pensamos e agir como agimos.
No campo da psique, Freud abalou o edifício das ciências psicológicas ao descobrir a noção de inconsciente - como poder que atua sem o controle da consciência.
Teoria crítica
A ideia de progresso humano como percurso racional sofreu um duro golpe com a ascensão dos regimes totalitários, como o nazismo, o fascismo e o stalinismo. O desencanto tomou o lugar da confiança que existia anteriormente na ideia de uma razão triunfante.
Para fazer face a essa realidade, um grupo de intelectuais alemães elaborou uma teoria que ficou conhecida como teoria crítica. Um dos principais filósofos desse grupo é Max Horkheimer. Ele pensou que as transformações na sociedade, na política e na cultura só podem se processar se tiverem como fim a emancipação do homem e não o domínio técnico e científico sobre a natureza e a sociedade.
Esse pensamento distingue a razão instrumental da razão crítica. O que seria a razão instrumental? Aquela que transforma as ciências e as técnicas num meio de intimidação do homem, e não de libertação. E a razão crítica? É a que estuda os limites e os riscos da aplicação da razão instrumental.
Existencialismo
O filósofo Jean-Paul Sartre também pensou as questões do homem frente à liberdade e ao seu compromisso com a história. Utilizando também as contribuições do marxismo e da psicanálise, o filósofo elaborou um pensamento sistemático que põe em relevo a noção de existência em lugar da essência.
Fenomenologia
O estudo da linguagem científica, dos fundamentos e dos métodos das ciências tornou-se um foco de atenção importante para a filosofia contemporânea. O filósofo Edmund Husserl propôs à filosofia a tarefa de estudar as possibilidades e os limites do próprio conhecimento. Husserl desenvolveu uma teoria chamada fenomenologia.
Filosofia analítica
As formas e os modos de funcionamento da linguagem foram estudados pelo filósofo Ludwig Wittgenstein. A filosofia analítica é uma disciplina que se vale da análise lógica como método e entende a linguagem como objeto da filosofia. Bertrand Russel e Quine também estudaram os problemas lógicos das ciências, a partir da linguagem científica.
Embora tenha se desdobrado em disciplinas especializadas, a filosofia ainda é - como sempre foi - uma atitude filosófica.
Assim que começamos a filosofar achamos que mesmo as coisas mais cotidianas levam a problemas para os quais só podem ser dadas respostas muito incompletas. A filosofia, embora incapaz de nos dizer com certeza quais são as respostas verdadeiras às dúvidas que ela suscita, está apta a sugerir muitas possibilidades que ampliam nossos pensamentos e os libertam da tirania do hábito. Assim, embora diminuindo nosso sentimento de certeza a respeito do que as coisas são, ela aumenta enormemente nosso conhecimento em direção ao que as coisas podem ser.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016



50 filósofos contemporâneos

A lista abaixo foi idealizada pela editora Didáctica, de Portugal. Ela reúne uma breve biografia dos principais filósofos que viveram no século 20.
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G. E. M. Anscombe (1919-2001)

Filósofa inglesa. Formou-se no St. Hughes College de Oxford, onde estudou literaturas clássicas e filosofia (Greats). Anscombe licenciou-se em 1941, ano em que se casou com o filósofo P. T. Geach. Tornou-se Research Fellow do Sommerville College em 1946, permanecendo como tutor até 1970, quando se tornou professora em Cambridge, reformando-se em 1986. As suas obras combinam uma preocupação aristotélica com a verdadeira natureza dos fenómenos da mente e da moral, com a atenção à linguagem característica da filosofia de Oxford do pós-guerra. As suas obras incluem Intention (1957) e An Introduction to Wittgenstein’s Tractatus (1959). A sua tradução das Investigações Filosóficas (1953) de Wittgenstein é um marco da filosofia moderna. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
A. J. Ayer (1910–89)

Filósofo inglês e intelectual de esquerda. A sua exposição aos positivistas lógicos produziu o cintilante e iconoclasta Language, Truth and Logic (1936, trad. Linguagem, Verdade e Lógica, 1991), que apresentou o positivismo ao público mais vasto de língua inglesa. Seguiu-se-lhe The Foundations of Empirical Knowledge em 1940. The Problem of Knowledge (1956) foi uma introdução à epistemologia que exerceu uma grande influência. Nos últimos anos, Ayer voltou-se cada vez mais para a história da filosofia, escrevendo livros sobre Moore e Russell, o pragmatismo, Hume e Voltaire. A sua filosofia estava imbuída do empirismo de Hume e da lógica de Russell e herdou tanto os pontos fortes como os pontos fracos desses pensadores. Ayer teve também um papel proeminente na vida política da Grã-Bretanha, escrevendo para um público mais vasto, e abraçou uma quantidade de causas liberais com uma elegância e um humor notáveis. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Ruth Barcan Marcus (n. 1921)

Ruth Marcus é uma conhecida pioneira da lógica modal, a lógica que formaliza as noções filosóficas de possibilidade e necessidade. Marcus, cujo nome de solteira é Ruth Barcan, desempenhou um papel fundamental na exploração das logicas modais com quantificadores e na avaliação das implicações filosóficas de misturar a modalidade com a quantificação. Uma fórmula muito conhecida da lógica modal quantificada, a fórmula de Barcan, tem o seu nome; numa das versões, afirma que se tudo tem necessariamente uma certa propriedade, então é uma verdade necessária que tudo tem essa propriedade. Marcus trabalhou também muito noutras áreas da lógica, sendo de destacar o seu trabalho sobre a interpretação substitucional dos quantificadores, uma abordagem na qual os quantificadores não quantificam sobre objectos correntes mas sim sobre símbolos linguísticos (de uma linguagem formal prescrita), o que produz exemplificações de substituição verdadeiras. Bibliografia: R. Marcus, Modalities: Philosophical Essays (Oxford, 1993). (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Isaiah Berlin (1909–97)

Filósofo político e historiador britânico. É especialmente conhecido na filosofia política pela distinção entre liberdade negativa e positiva, delineada em Two Concepts of Liberty (1959). A distinção é a seguinte: embora qualquer afirmação acerca da liberdade tenha de especificar tanto o que alguém é livre de fazer (liberdade positiva) como aquilo de que se está livre ao fazê-lo (liberdade negativa), diferentes filosofias políticas dão mais importância a uma do que a outra. Assim, o liberalismo insiste na ausência de constrangimentos legais e sociais, ao passo que as teorias idealista e hegeliana sublinham que os tipos mais importantes de liberdades e de oportunidades só podem existir numa sociedade estruturada, de modo que os constrangimentos associados à emergência dessas sociedades podem ser um meio necessário para atingir os melhores fins. Berlin também se tem oposto vivamente à concepção marxista da história — não-valorativa e historicista —, principalmente em Historical Inevitability (1954). (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Simon Blackburn (n. 1944)

Professor na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, é conhecido pela sua defesa do quase-realismo sobre itens cuja realidade tem sido muito disputada — por exemplo, valores, causas e números. Quanto aos valores, defende que o impacto na mente do mundo percepcionado, juntamente com as crenças formadas em seu resultado, geram hábitos, emoções, sentimento e atitudes que acabam por ser projetadas no mundo e ser encaradas como propriedades reais desse mundo; assim os compromissos de aprovação ou desaprovação tornam-se juízos com valores de verdade. E isso é correto, dado que os valores são supervenientes relativamente às propriedades naturais. Assim, tais juízos não são nem meras expressões de sentimentos subjetivos nem verdades que se verifiquem independentemente das atitudes humanas. Não devemos assim ser nem antirrealistas nem realistas com respeito aos valores; a postura correta é o quase-realismo. Bibliografia: Simon Blackburn, Spreading the Word (Oxford, 1984); Simon Blackburn, Essays in Quasi-Realism (Oxford, 1993). (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)

Ned Block (n. 1942)

Filósofo americano, conhecido sobretudo pelo seu trabalho sobre imagens e as suas objecções criativas ao behaviorismo e funcionalismo. Considere-se um computador que joga xadrez e no qual todas as posições possíveis tenham sido armazenadas na memória, juntamente com uma boa jogada que o computador faz automaticamente se essa posição aparecer. O elevado padrão de jogo do computador dificilmente se poderia atribuir à sua inteligência. Block descreve um programa análogo (ainda mais afastado da possibilidade prática) para um robô. Teria as capacidades comportamentais de uma pessoa inteligente, mas “a inteligência de uma torradeira”. Se a sua impossibilidade prática pode ser afastada, parece um contraexemplo ao behaviorismo. Contra o funcionalismo Block usa exemplos analogamente engenhosos para sublinhar os problemas levantados pelas alegadas possibilidades de “qualia” transpostos e ausentes. Os funcionalistas respondem que o seu raciocínio é uma petição de princípio. Bibliografia: N. Block, “Troubles with Functionalism”, excerto reimpr. in Mind and Cognition, ed. W. G. Lycan (Cambridge, Mass., 1990). (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Rudolf Carnap (1891–1970)

Positivista lógico alemão. Carnap exerceu provavelmente mais influência do que qualquer outro filósofo que tenha combinado um empirismo básico com os instrumentos lógicos fornecidos por Frege e Russell, e é na sua obra que os resultados (e as dificuldades) principais do positivismo lógico melhor transparecem. A sua primeira obra importante foi Der logische Aufbau der Welt (1928, trad. ing. The Logical Structure of the World, 1967). Esta obra fenomenista procura uma redução de todos os objectos do conhecimento, gerando classes de sensações, ligadas por uma relação primitiva de recordação de semelhança. Esta é a base solipsista da construção do mundo exterior, embora mais tarde Carnap tenha resistido à aparente prioridade metafísica que assim é dada à experiência. A sua hostilidade à metafísica cedo se transformou na perspectiva positivista típica segundo a qual as questões metafísicas são pseudoproblemas. As críticas de Neurath mudaram os interesses de Carnap, que passou a defender a unidade das ciências, sendo os conceitos e as teses das ciências particulares passíveis de serem traduzidas no vocabulário físico básico, cujas proposições protocolares não descrevem a experiência, mas antes qualidades de pontos no espaço-tempo. Na obra Logische Syntax der Sprache (1934, trad. ing. The Logical Syntax of Language, 1937), Carnap procurou clarificar as estruturas da linguagem matemática e científica (a única tarefa legítima da filosofia científica). A obra Meaning and Necessity (1937) contém refinamentos das suas teorias sintáticas e semânticas, acabando Carnap por enfraquecer definitivamente a ideia original de redução em 1950, com The Logical Foundations of Probability — a obra mais importante da teoria da confirmação. As suas outras obras tratam da estrutura da física e do conceito de entropia. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Avram Noam Chomsky (n. 1928)

Linguista, filósofo e ativista político americano. O seu livro Syntactic Structutures (1957, trad. Estruturas Sintáticas, 1980) é geralmente considerado o mais significativo contributo para a linguística teórica da segunda metade do século XX. Chomsky acredita que a rapidez com que as crianças adquirem o domínio da sua língua materna não pode ser explicada pelas teorias da aprendizagem, implicando antes o reconhecimento de que existe uma disposição inata da mente, uma gramática não aprendida, inata e universal. Essa gramática fornece os tipos de regras que a criança reconhecerá como subjacentes aos exemplos de produções linguísticas com que é confrontada. Em vocabulário computacional isto quer dizer que se a criança não viesse equipada com o tipo adequado de suporte lógico ou software, não poderia apreender a gramática de uma língua tão bem como o faz. Cartesian Linguistics (1966) explicita as implicações antiempiristas e racionalistas desta ideia. Críticos como Ryle acusam o argumento de prestar demasiado pouca atenção à importância da imitação e da prática no processo de aprendizagem, e de procurar preencher o vazio apenas com “nuvens de glória biológica”. Para além da linguística, Chomsky tornou-se conhecido pela sua oposição à guerra do Vietname, tendo sido na altura, entre os académicos, o principal crítico do governo dos Estados Unidos. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Donald Davidson (1917–2003)

Filósofo americano. As suas obras têm exercido uma grande influência na filosofia da mente e da linguagem na segunda metade do século XX. Davidson introduziu na filosofia da mente a posição conhecida por monismo anómalo, provocando um vigoroso debate sobre a relação entre as descrições mentais e físicas de pessoas, e sobre a possibilidade de uma explicação genuína de acontecimentos em termos de propriedades psicológicas. Davidson prosseguiu, alargando, os estudos de Quine sobre a linguagem, concentrando-se na interpretação radical, argumentando que o método de interpretar uma linguagem pode ser concebido como uma construção de uma definição de verdade ao estilo de Tarski, na qual se torna clara a contribuição sistemática dos elementos das frases para o seu significado global. A construção faz-se no contexto de uma teoria, em geral holista, do conhecimento e do significado. Um intérprete radical pode dizer quando um sujeito toma uma frase como verdadeira, e, usando o princípio de caridade, acaba por atribuir condições de verdade às frases individuais. Apesar de Davidson ser um defensor das doutrinas da indeterminação da tradução radical e da inescrutabilidade da referência, muitos filósofos acharam que a sua abordagem oferece alguma esperança de identificar o significado como uma noção respeitável, mesmo no âmbito de uma perspectiva em geral extensional da linguagem. Davidson é também conhecido por rejeitar a ideia de um esquema conceptual concebido como algo peculiar a uma linguagem, ou a uma maneira de ver o mundo, argumentando que onde pára a possibilidade da tradução, pára também a coerência da ideia de que há algo a traduzir. Os seus artigos estão reunidos em Essays on Actions and Events (1980) e em Inquiries into Truth and Interpretation (1983). (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Daniel Dennett (n. 1942)

Filósofo da mente americano. Dennett estudou em Harvard e Oxford, e ensina hoje na Universidade de Tufts. A sua concepção da compreensão que temos uns dos outros, em termos de tomar uma “postura intencional”, útil para a previsão e para a explicação, tem sido muito discutida. O debate diz respeito à questão de saber se é útil tomar essa posição em relação a objectos inanimados, e se a concepção faz verdadeiramente justiça à existência real de estados mentais. Dennett tem sido também um dos maiores exemplos de como a filosofia da mente precisa de estar informada sobre os resultados das ciências que a rodeiam. Algumas das suas obras são Content and Consciousness(1969), Brainstorms (1978), Elbow Room (1984), The Intentional Stance (1987) e Consciousness Explained (1991). (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Jacques Derrida (1930–2004)

Pós-modernista francês e líder do movimento desconstrutivista. A noção de desconstrução foi apresentada pela primeira vez na Introdução à sua tradução de 1962 da Origem da Geometria de Husserl. Derrida privilegia os aspectos retóricos inconscientes dos textos, argumentando que a atenção aos pormenores irrelevantes subverte muitas vezes as principais doutrinas de um texto; o processo de desconstrução consiste em mostrar como a mensagem ostensiva de um autor é minada por outros aspectos da sua formulação. Em De la Gramatologie (1967, trad. ing. Of Grammatology,1976), Derrida argumenta contra o “fonocentrismo” que privilegia a linguagem falada em detrimento da escrita, imaginando que a presença do autor proporciona um ponto fixo para o significado e a intenção. Este desejo de um “centro” dá origem a oposições familiares (sujeito/objeto, aparência/realidade, etc.), que é necessário rejeitar. Em vez delas, a infindável possibilidade de interpretar e reinterpretar abre um horizonte que se afasta, no qual o significado é infindavelmente diferido, embora o leitor, tanto como o autor, seja o criador de qualquer significação provisória que se acabe eventualmente por encontrar. A obra de Derrida emerge da tradição de Husserl e de Heidegger. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
John Dewey (1859-1952)

Educador, reformador social e filósofo do pragmatismo americano. Foi influenciado por Hegel, e os seus textos nunca perderam o entusiasmo pelo que é dinâmico, vital e progressivo. A sua obra assumiu uma tendência mais prática quando, em 1894, se tornou director do departamento de filosofia, psicologia e educação de Chicago. Permaneceu aí dez anos, até que se mudou para Colúmbia, onde o Journal of Philosophy se transformou em grande parte numa revista local para as discussões de Dewey e sobre Dewey. A sua obra enquanto psicólogo e pensador da educação cristalizou uma reação contra as práticas educativas do seu tempo, excessivamente rígidas e formais. Dewey percebeu que a criança é uma criatura ativa, exploradora e inquisitiva, e por isso a tarefa da educação consiste em alimentar a experiência introduzida pelo conhecimento e pelas aptidões naturais. A enorme influência de Dewey ficou a dever-se mais à sua capacidade para elucidar o carácter progressista da América do seu tempo (a nível pragmático, científico e democrático), do que a uma argumentação filosófica técnica e precisa. No entanto, o seu desenvolvimento do pragmatismo de James e Peirce ainda hoje é influente. Na sua opinião, a investigação é um processo que se corrige a si mesmo, conduzido num contexto histórico e cultural específico, e não precisa de encontrar um fundamento na certeza ou no “dado”. O conhecimento é apenas aquilo que se encontra garantido pela investigação. Dewey exprimiu as suas ideias numa torrente de livros e artigos: a bibliografia centenária da sua obra contém mais de cento e cinquenta tomos. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
George Dickie (n. 1926)

Dickie é um dos mais importantes filósofos da arte da atualidade. Nasceu na Florida e é Professor na Universidade de Illinois, Chicago. Publicou vários livros sobre teoria estética, história da estética e filosofia da arte. No domínio da teoria estética é muito conhecida a sua crítica da noção de experiência estética, herdada de Kant, de acordo com a qual o desinteresse é a sua marca distintiva. No âmbito da história da estética, publicou The Century of Taste: The Philosophical Odyssey of Taste in the Eighteenth Century (1996). Quanto à filosofia da arte, destaca-se Art and the Aesthetic: An Institutional Analysis (1974), obra na qual retoma a sua crítica das definições essencialistas da arte, inicialmente apresentada no ensaio “Defining Art”, de 1969, e onde defende uma das mais discutidas versões da chamada “teoria institucional” da arte. Em The Art Circle: A Theory of Art (1984), responde às mais importantes objecções a esta teoria, acabando por reformular a sua versão original. Escreveu também sobre os problemas da avaliação e do valor da arte, nomeadamente Evaluating Art (1988) e Art and Value (2001), respectivamente. É ainda autor de uma excelente introdução à estética: Introduction to Aesthetics: An Analytic Approach (1997). (In Textos e Problemas da Filosofia, org. de Aires Almeida e Desidério Murcho. Lisboa: Didáctica Editora, no prelo.)
Ronald Dworkin (n. 1931)

Filósofo do Direito, de nacionalidade americana. É conhecido pela sua defesa do “realismo legal”, que aqui significa o lugar integral que as considerações morais e pragmáticas têm nos processos de tomada de decisões legais, em oposição ao que ele vê como a sua exclusão pelo positivismo legal. Liberal e democrata, Dworkin baseia os direitos constitucionais num direito fundamental de todas as pessoas à igualdade de consideração e respeito. A defesa da discriminação positiva (o que pode ser difícil de aceitar para aqueles que não são aceites em escolas, ou em empregos, em virtude dessas estratégias — mas o “direito a ser tratado como igual” não implica um direito ao mesmo tratamento) é uma das aplicações desse direito fundamental. Por outro lado, Dworkin defende outras liberdades, tais como o direito de produzir e de consumir pornografia, contra a objecção de que a sua existência revela a ausência de igualdade de consideração e respeito pelas mulheres. Taking Rights Seriously (1977), A Matter of Principle (1985), Law’s Empire (1986) e Life’s Dominion: An Argument about Abortion, Euthanasia, and Individual Freedom (1993) são alguns dos seus livros. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Michael Dummett (n. 1925)

Filósofo da lógica e da linguagem inglês. Dummett tem sido um dos filósofos ingleses mais influentes da segunda metade do século XX. A sua obra centra-se na filosofia da linguagem e na filosofia da matemática e ostenta uma simpatia óbvia pelos ideais verificacionistas e construtivistas. Manteve acesa, quase sozinho, a chama do intuicionismo como algo filosoficamente interessante, ao mesmo tempo que as suas robustas obras sobre filosofia da linguagem inspiraram um interesse contínuo na relação entre os dados, ou a assertividade, por um lado, e a verdade, por outro. Dummett é igualmente conhecido por reavaliar sem cedências a tradição ocidental, encarando as obras anteriores ao aparecimento da filosofia analítica como fatalmente deficientes por terem assumido a epistemologia como fundamental, ao passo que a abordagem correta, que dá um papel fundacional à preocupação pela linguagem, só ganhou destaque com a obra de Frege. Os críticos têm discutido se, sendo assim, o pensamento de Frege terá nascido “órfão de interferências externas”, objetando ainda que em Platão e Aristóteles, na escola Nyãya de filosofia indiana e em muitos outros, há mais do que uma preocupação passageira com o significado. Além disso, a investigação supostamente pura da linguagem no século XX tem muitas vezes mantido uma proximidade dúbia com a epistemologia e a metafísica. As obras de Dummett incluem Frege: Philosophy of Language (1973), e as coletâneas de ensaios Truth and Other Enigmas (1978) e The Seas of Language (1994). Interesses bastante diferentes encontram-se em The Game of Tarot (1980), onde esse jogo é explorado com o fim de desacreditar o que, segundo Dummett, são as teorias irracionais e a pseudo-história dos ocultistas, assim Style and Grammar (1993), onde se explica a maneira correta de escrever com lucidez. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Michel Foucault (1926–84)

Historiador e filósofo francês. A sua obra bastante diversificada — entre a história, a filosofia, a psicanálise e a linguística — foi extraordinariamente influente, levantando novas questões quanto ao carácter histórico das categorias da experiência social. Foucault interessava-se especialmente pela utilização da razão e da ciência como instrumentos de poder, em domínios como a criminologia e a medicina. A sua primeira obra, Folie et déraison (1961, trad. ing. Madness and Civilization, 1965), fazia um levantamento das atitudes ocidentais para com a loucura, e teve uma influência determinante no diagnóstico daquilo que, apesar de poder parecer constituir um avanço progressista e humano no tratamento, constituía afinal um aspecto do aumento do controlo social e político. Les Mots et les choses (1966, trad. As Palavras e as Coisas, 1966), L’Archeologie du savoir (1969, trad. ing. The Archaeology of Knowledge, 1972), Surveiller et punir (1975, trad. ing. Discipline and Punish, 1977) e os três volumes da Histoire de la sexualité (1976–88, trad. História da Sexualidade, 1994), cujos volumes finais foram terminados imediatamente antes da sua morte, são algumas das suas últimas obras posteriores. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Hans-Georg Gadamer (n. 1900)

Filósofo alemão. Nasceu em Marburgo e foi aluno de Heidegger. Começou por ensinar na Universidade de Marburgo, regendo seguidamente cátedras em Leipzig, Frankfurt e Heidelberga. Gadamer é famoso pela sua investigação sobre a teoria da interpretação e por defender aquilo que veio a ser conhecido como a “teoria da resposta do leitor”. De acordo com esta teoria, o significado de um texto nunca é determinado apenas por factos acerca do autor e do seu público original; é, de igual modo, determinado pela situação histórica do intérprete. A metáfora mais usada neste contexto é a da “fusão de horizontes”, que surge quando o autor, historicamente situado, e o leitor, igualmente historicamente situado, conseguem partilhar um significado. Abre-se, assim, a possibilidade de uma reinterpretação e de uma reavaliação constantes, à medida que diferentes significados forem sendo projetados para a obra em causa. Esta ideia é, aliás, um elemento fundamental do pós-modernismo. A obra mais influente de Gadamer é Warheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen Hermeneutik (1960, trad. ing. Truth and Method, 1975). Excertos selecionados dos seus ensaios críticos estão reunidos na antologia inglesa Philosophical Hermeneutics (1976). (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Nelson Goodman (1906–1998)

Filósofo americano. Goodman está associado a um nominalismo extremo, ou seja, uma desconfiança em relação a qualquer apelo a uma noção de semelhança entre duas coisas, quando isto é concebido como algo independente das nossas propensões linguísticas para lhes aplicar o mesmo termo. A sua primeira obra, The Structure of Appearance (1951) é um desenvolvimento do programa reducionista do Aufbau, de Carnap. Nas suas obras mais recentes tem expresso o que parece ser um idealismo radical, expondo a ideia de que existem tantas «versões» ou «mundos» quantas as narrativas humanas e as criações artísticas. As obras mais importantes de Goodman, para além da referida, são Fact, Fiction and Forecast (1954, trad. Facto, Ficção e Previsão, 1991) e Ways of Worlmaking (1978, trad. Modos de Fazer Mundos, 1995). (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Jürgen Habermas (n. 1929)

Habermas nasceu em Düsseldorf, estudou em Bona e em Marburgo, após o que exerceu a sua atividade no Instituto de Investigação Social tornando-se, por fim, professor de filosofia em Frankfurt. É, atualmente, o representante mais importante da escola de Frankfurt, e é conhecido pelo seu estudo persistente dos problemas da natureza da comunicação e da autoconsciência e do seu papel causal na acção social. Habermas distingue três interesses cognitivos comuns aos seres humanos: o interesse técnico em conhecer e controlar o mundo à nossa volta, o interesse em conseguirmos entendermo-nos uns aos outros e em colaborarmos em atividades comuns e, por fim, o interesse em eliminar distorções na nossa compreensão de nós mesmos, dando este último origem às ciências críticas. Estes interesses distintos são um obstáculo ao determinismo económico do marxismo tradicional. Theorie und Praxis: Sozialphilosophische Studien (1963, trad. ing. Theory and Practice, 1973), Theorie des kommunikativen Handelns (1981, trad. ing.The Theory of Communicative Action, 2 vols, 1984, 1986) e Der philosophishe Diskurs der Moderne (1985, trad. O Discurso Filosófico da Modernidade, 1990) são algumas das suas obras. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Martin Heidegger (1889–1976)

Existencialista e crítico social alemão. A sua obra mais importante, Sein und Zeit (1927, trad. ing. Being and Time, 1962) abre caminho à procura do Ser, que caracteriza as suas obras. A humanidade moderna perdeu a “proximidade e o abrigo” do Ser; já não nos sentimos à vontade no mundo como o homem primitivo se sentia; a verdade já não nos é revelada; o pensamento está separado do Ser e apenas um pequeno número de privilegiados podem ter alguma esperança de recuperar a unidade com o Ser. Muitos destes temas, em especial a crença na possibilidade de escapar da metafísica e voltar a uma comunhão autêntica com a natureza independente, eram lugares-comuns do romantismo alemão, mas a maneira como foram reformulados por Heidegger cativou a imaginação do século XX. Embora Aristóteles faça da ciência do Ser o culminar de toda a investigação e o objeto da metafísica, é um tanto difícil dizer seja o que for acerca do Ser propriamente dito, de modo que o que o substitui é a consciência que as pessoas têm do seu lugar no mundo ou do que o mundo é para elas (o seu Dasein), que se torna então o assunto a investigar. Liberdade, existência no mundo, inautenticidade, angústia, culpa e destino tornam-se, portanto, os temas principais. Nas últimas obras, Heidegger inclinou-se para uma espécie de fatalismo histórico, sendo algumas vezes visto como um herdeiro da tradição de Dilthey. A influência constante de Heidegger deve-se pelo menos em parte à sua crítica da modernidade e da democracia, que ele associa a uma falta de respeito pela natureza, considerada independentemente dos usos que a humanidade lhe dá. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Richard Jeffrey (1926-2002)

Jeffrey ajudou a desenvolver a interpretação subjetiva das probabilidades e as abordagens bayesianas à teoria da decisão e da confirmação. Usando uma maquinaria matemática e lógica relativamente simples, desenvolveu materiais de Thomas Bayes, Frank Ramsey e outros dando origem ao que é afinal uma versão do velho sonho de Sexto Empírico de resolver problemas práticos e teóricos apelando para os nossos próprios desejos, preferências e impressões subjetivas, sem pressupor qualquer conhecimento objetivo. As suas contribuições para a epistemologia da ciência incluem técnicas para calcular a probabilidade de uma hipótese com base em indícios incertos, e a investigação de problemas que as fotografias e outros indícios não-proposicionais levantam às teorias da confirmação. Ao popularizar o uso de árvores semânticas no ensino da lógica introdutória salvou incontáveis milhares de estudantes de incalculáveis horas de trabalho aborrecido. Era professor em Princeton. Bibliografia: Richard Jeffrey, The Logic of Decision, 2nd edn. (Chicago, 1983). (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Jaegwon Kim (n. 1934)

Autor de inúmeros ensaios conhecidíssimos sobre metafísica e epistemologia, conhecido sobretudo pelo seu trabalho pioneiro sobre acontecimentos, conceitos de sobrevivência e relações psicofísicas. Para Kim os acontecimentos são exemplificações de propriedades (ou relações) por um objeto (ou conjunto de objetos) num dado momento. Desta perspectiva, o casamento de Édipo com Jocasta e o casamento de Édipo com a sua mãe seria o mesmo acontecimento, apesar de Bruto matar César e Bruto apunhalar César constituírem acontecimentos diferentes. Kim argumenta a favor de uma forma de materialismo na qual as propriedades mentais são “localmente redutíveis” a propriedades físicas por meio de leis de correlação próprias da espécie. O materialismo não redutor, argumenta Kim, cai ou numa posição na qual as propriedades mentais não desempenham qualquer papel causal (uma forma de eliminativismo) ou numa posição na qual as propriedades mentais não dependem de forma significativa das propriedades físicas (uma forma de dualismo). Bibliografia: J. Kim, “Events as Property Exemplifications”, in M. Brand and D. Walton (orgs.), Action Theory (Dordrecht, 1976); J. Kim, “The Myth of Nonreductive Materialism”, in R. Warner and T. Szubka (orgs.), The Mind-Body Problem: A Guide to the Current Debate (Oxford, 1994); J. Kim, Supervenience and Mind (Cambridge, 1993). (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Saul Aaron Kripke (n. 1940)

Filósofo e lógico americano. Nasceu em Nova Iorque e estudou em Harvard e Oxford. Em Naming and Necessity (1980), Kripke ofereceu o tratamento clássico moderno do tópico da referência, clarificando a distinção entre nomes e descrições definidas e abrindo o caminho para muitas tentativas posteriores de compreender a noção de referência em termos de uma conexão causal entre o uso de um termo e um episódio original de atribuir um nome a um sujeito. O seu Wittgenstein on Rules and Private Language (1983) provou ser também seminal, pondo as considerações sobre seguir uma regra no centro dos estudos de Wittgenstein, e defendendo que o argumento da linguagem privada é uma sua aplicação. Kripke escreveu também artigos influentes sobre a teoria da verdade e sobre a solução dos paradoxos semânticos. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Thomas Kuhn (1922–1996)

Filósofo da ciência americano. Kuhn nasceu no Ohio, e estudou física em Harvard antes de o seu livro The Structure of Scientific Revolutions (1962) se tornar uma das mais influentes obras modernas de história e filosofia da ciência. Como Alexandre Koyré (1892–1964) e os autores franceses Bachelard e Jean Cavaillès (1903–44), Kuhn sublinhou que a história da ciência não consiste numa acumulação progressiva e sem saltos de dados e de teorias bem sucedidas, sendo antes o resultado de rupturas, passos em falso e constrangimentos da imaginação que refletem muitas variáveis diferentes. Segundo esta perspectiva, durante os períodos normais a ciência opera dentro de um quadro de assunções conhecido por paradigma, mas nos períodos excepcionais e revolucionários um paradigma velho fracassa e, após um período de competição, é substituído por um novo. O processo assemelha-se a uma mudança de gestalt, que a muitos filósofos pareceu ter implicações inquietantes para a racionalidade e objetividade da ciência. The Copernican Revolution (1957, A Revolução Copernicana, 1990) e Sources for the History of Quantum Physics (1967) são algumas das outras obras de Kuhn. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
David Lewis (1941–2001)

Filósofo americano. Lewis tem feito contribuições importantes num domínio muito vasto de tópicos e é provavelmente o mais influente metafísico contemporâneo da tradição analítica. O seu primeiro livro, Convention: a Philosophical Study (1969), reabilitou a noção de convenção, então encarada com grandes suspeitas quer pelos filósofos da linguagem quer pelos teorizadores políticos. Counterfactuals(1973) introduziu a análise em termos de mundos possíveis, hoje em dia clássica, desse tipo de frases. Lewis é conhecido pelo seu realismo sem concessões acerca de mundos possíveis, que desempenham um papel fundamental nas suas teorias; grande parte da discussão atual tem-se centrado nas maneiras de obter as vantagens proporcionadas pelas suas análises sem os respectivos custos metafísicos. Tentativas como essas são rebatidas em The Plurality of Worlds (1986). Nos seus Collected Papers (2 vols., 1983, 1986), Lewis aborda um grande número de outros assuntos. O seu livro Parts of Classes (1991) explora um ponto de vista mereológico acerca da teoria de conjuntos. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Maurice Merleau-Ponty (1908–61)

Fenomenólogo francês. A sua obra principal, a Phénoménologie de la perception (1945, trad. ing. The Phenomenology of Perception, 1962) antecipa muitas das preocupações dos filósofos analíticos quanto à percepção. Merleau-Ponty sublinha, em particular, que a nossa experiência não constitui um domínio reservado e privado, mas antes um modo de ser-no-mundo; vivemos as nossas vidas inseridas no coração perceptivo de um mundo humano ou Lebenswelt, irredutível à consciência pura ou privada. A obra de Merleau-Ponty parte da psicologia empírica e da tradição de Husserl para explorar a relação experiencial que temos com o mundo. O seu livro notabiliza-se, em particular, por uma extensa e elucidativa descrição da nossa relação com os nossos corpos quando percepcionamos e quando agimos. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
George Edward Moore (1873–1958)

Filósofo britânico e um dos fundadores da filosofia analítica. Iniciou-se na filosofia sob a influência do idealismo absoluto, mas nos últimos anos do século XIX, juntamente com Russell, acabou por romper com essa tradição, adoptando diversos tipos de realismo, caracterizados pela admissão da possibilidade de relacionar as mentes com os factos, considerados como independentes delas. Moore foi um dos fundadores da filosofia analítica e um dos seus praticantes mais dotados. Ficou famoso com a obra Principia Ethica (1903), na qual responsabiliza (um pouco injustamente) os filósofos morais anteriores pela falácia naturalista, defendendo o ponto de vista de que o bem é uma qualidade simples e insusceptível de análise, a qual, felizmente, conhecemos por intuição. Esta intuição permite-nos ver que as coisas boas da vida são totalidades que consistem nos prazeres da estética, do amor e da amizade. Esta doutrina teve grande influência (de um modo que Moore teria provavelmente lamentado) no grupo de Bloomsbury. O sucesso dos Principia Ethica foi em parte devido à preocupação de formular os problemas com uma precisão inédita e aos consequentes ganhos cognitivos; e foi justamente esta força moral de Moore, assim como a sua consistência filosófica, que exerceram uma profunda e estimulante influência em todos os que se moviam à sua volta, entre eles Russell e Wittgenstein. As suas obras da maturidade são famosas pela defesa do senso comum. Nesta fase, Moore acreditava que quando uma doutrina filosófica entrava em conflito com o senso comum, era mais provável que a argumentação que a fundamentava tivesse falhado em algum ponto do que o senso comum (este argumento faz lembrar o argumento de Hume contra a crença em milagres). Embora tenha tido grande influência na filosofia anglo-americana da primeira metade do século XX, confia-se hoje em dia bastante menos no método de análise com o qual ele é identificado. Algumas das outras obras de Moore são: Ethics (1912), Philosophical Studies (1922), Some Main Problems of Philosophy (1953) e Philosophical Papers (1959, publicado postumamente). (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Thomas Nagel (n. 1937)

Filósofo político e moral americano. Nagel nasceu na ex-Jugoslávia, e estudou em Cornell, Oxford e Harvard. Ensinou em Princeton de 1966 a 1980, e depois disso na Universidade de Nova Iorque. A sua obra centra-se na natureza da motivação moral e na possibilidade de uma teoria racional da adesão moral e política, tendo estimulado significativamente o interesse nas abordagens realistas e kantianas a estes assuntos. Um dos ensaios mais discutidos na moderna filosofia da mente tem sido o seu “What is it Like to Be a Bat?”, onde argumenta que na experiência há um aspecto subjetivo irredutível que não pode ser apreendido pelos métodos objetivos das ciências naturais, ou por filosofias do tipo do funcionalismo, que se limitam a estes métodos. As suas obras incluem The Possibility of Altruism (1970), Mortal Questions (1979), The View from Nowhere (1986), What Does It All Mean? (1987, trad. Que Quer Dizer Tudo Isto? 1995) e Equality and Partiality (1991). (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Robert Nozick (1938-2002)

Um filósofo com interesses espantosamente variados, cuja obra mais influente apresenta uma defesa articulada de um liberalismo minimalista. Nozick defende que o controlo estatal não pode ter um papel muito grande na economia e na sociedade se queremos que os direitos liberais dos indivíduos prevaleçam. Em geral, argumenta contra teorias finalistas do estado, como o utilitarismo ou a teoria da justiça de Rawls, e a favor de teorias processualistas, que se concentram na correção de cada acção, independentemente da sua contribuição para um estado de coisas final. Nozick tem o dom de encontrar casos memoráveis para representar os seus problemas e um estilo enérgico que puxa os leitores para o debate. Trabalhou também em teoria da decisão, epistemologia, teoria do valor e a vida boa. Bibliografia: Robert Nozick, The Nature of Rationality (Princeton, NJ, 1993). (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Martha Nussbaum (n. 1947)

Nussbaum é conhecida sobretudo pelo seu trabalho em filosofia clássica, apesar de ter alargado recentemente os seus escritos para áreas onde a filosofia e a literatura se intersectam e têm preocupações idênticas, especialmente em áreas da investigação e insight moral. Depois de preparar um texto e um comentário pormenorizado do De Motu Animalium de Aristóteles (Princeton, NJ, 1978), a obra de Nussbaum alargou-se e passou a tratar de temas relacionados com o significado da vida e as fontes de valor, tais como são abordados por Platão e Aristóteles, mas também na tragédia grega. O seu substancial livro The Fragility of Goodness (Cambridge, 1986) resulta deste estudo. Como dissemos, o seu trabalho mais recente tem tratado da relação entre a filosofia e a literatura. Proferiu as Gifford Lectures em 1993 sobre temas de filosofia moral e filosofia da psicologia. (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
José Ortega y Gasset (1883–1955)

Filósofo e ensaísta espanhol. Deixou escassa obra filosófica de carácter académico, mas exerceu uma grande influência na modernização da vida intelectual espanhola através dos artigos que escreveu para os jornais e através da sua docência. Nas suas Meditaciones del Quijote (de 1914, trad. ing. Meditations on Quixote, 1961) Ortega procura um caminho intermédio entre o idealismo, que privilegia demasiado a mente, e o realismo, que privilegia demasiado os objetos, encontrando-o na prioridade da vida, ou no composto hegeliano do eu-com-as-coisas. Cada vida é um ponto de vista sobre o universo; a verdade é, portanto, plural, pois nenhum ponto de vista esgota a verdade. Uma vida é um drama, que é escolhido à maneira existencialista. Apesar do seu republicanismo, Ortega y Gasset não tinha muito respeito pelo modo de pensar do vulgo, atolado num empirismo preguiçoso típico do senso comum. Os primeiros princípios, de cariz aristocrático, de um Platão ou de um Descartes, devem ser adoptados com entusiasmo pela sua proficuidade; só um plebeu como Aristóteles poderia querer fundamentá-los na experiência sensível. La Rebelión de las masas (1930, trad. A Rebelião das Massas, 1989, trad. ing. 1931) e En torno a Galileu (1933, trad. ing. Man and Crisis, 1958) são algumas das suas obras. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Alvin Plantinga (n. 1932)

Filósofo americano conhecido pelo modo como aplica os resultados do seu trabalho noutras áreas da filosofia analítica a questões tradicionais da filosofia da religião. Em God and Other Minds (1967) defende a perspectiva de que a crença noutras mentes e a crença em Deus estão, do ponto de vista epistémico, a par: se a primeira é racional, a segunda também o é. Em The Nature of Necessity (1974) usa lógica modal e metafísica contemporâneas para formular um argumento ontológico válido a favor da existência de Deus e uma defesa do livre arbítrio rigorosa da consistência lógica entre a existência de Deus e a existência do mal. No seu trabalho mais recente em epistemologia, Plantinga tem defendido o ponto de vista de que a crença em Deus pode, em certas circunstâncias, ser racional e estar garantida apesar de não se basear em dados proposicionais. Bibliografia: J. E. Tomberlin and P. van Inwagen (orgs.), Alvin Plantinga (Dordrecht, 1985). (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Karl Popper (1902–1994)

Filósofo da ciência. Ficou famoso com o seu primeiro livro Logik der Forschung (1935, trad. ing. The Logic of Scientific Discovery, 1959), no qual destrói as tentativas tradicionais de fundamentar o método científico no apoio que a experiência proporciona às generalizações e às teorias adequadamente construídas. Acentuando as dificuldades que o problema da indução põe a qualquer método desse género, Popper propõe como alternativa uma epistemologia que parte da formação arrojada e imaginativa de hipóteses. Estas enfrentam o tribunal da experiência, que tem o poder de as falsificar mas não de as confirmar. Uma hipótese que sobreviva a tentativas de refutação, pode ser provisoriamente aceite como “corroborada”, mas jamais se lhe pode atribuir uma probabilidade. Este ponto de vista tornou-se extremamente popular entre os cientistas, que reconheceram o valor que Popper dá à teorização imaginativa e à refutação paciente, reagindo com satisfação à ideia redentora de que apresentar uma teoria que seja depois refutada não é um defeito, mas uma virtude. Os filósofos têm sido mais cautelosos, fazendo notar que algo parecido com a indução parece estar envolvido quando depositamos confiança em teorias bem corroboradas. Ninguém faz uma viagem de avião só porque a conjectura de que ele se sustenta no ar é imaginativa e arrojada. Contudo, muitos pensadores aceitam, no essencial, a solução popperiana para o problema da demarcação entre a verdadeira ciência e as suas imitações — designadamente, que a primeira apresenta teorias genuinamente falsificáveis, ao passo que as segundas não. Embora o conceito de falsificação seja mais complexo do que Popper pensava no início, a sua tese congrega as objecções que muitas pessoas têm a ideologias como a psicanálise e o marxismo. A influente obra The Open Society and Its Enemies (1945, trad. A Sociedade Aberta e os seus Inimigos, 1993) e The Poverty of Historicism (1957), onde atacou o ponto de vista de que há leis históricas fundamentais que tornam inevitável o progresso, são algumas das obras de Popper de carácter social e histórico. Na primeira, Popper ataca esta crença, que associa ao totalitarismo antiliberal que encontra em Platão, Hegel e Marx, embora não seja claro que a sua leitura destes filósofos faça justiça às rigorosas restrições éticas que eles colocam aos sistemas políticos racionais que exploram. Popper associa a virtude política, tal como a virtude científica, à possibilidade da livre investigação, apenas sujeita a restrições que minimizem a possibilidade da aceitação de maus sistemas. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Hilary Putnam (n. 1926)

Filósofo americano. Putnam é universalmente considerado um dos filósofos mais importantes da geração posterior a Quine, apesar de, ao contrário de Quine, não representar um sistema ou corpo doutrinal monolítico, tendo-se mostrado, nas obras mais recentes, generosamente disposto a mudar de ideias. As primeiras obras de Putnam centravam-se na filosofia da ciência, mas ultimamente os seus interesses nas ciências humanas ganharam destaque. O seu Reason, Truth and History (1981, trad. Razão, Verdade e História, 1992) marcou uma ruptura com o realismo científico, a favor de uma posição subtil a que ele chama realismo interno, inicialmente relacionado com uma teoria da verdade como limite ideal. O realismo interno parece manter algumas afinidades com o verificacionismo, mas nas obras posteriores parece mais claramente alinhado com o minimalismo. Ultimamente a preocupação de Putnam tem sido em grande parte negar qualquer assimetria séria entre a verdade e o conhecimento tal como são alcançados nas ciências naturais, na moral e até na teologia. Philosophy of Logic (1971), Representation and Reality(1988) e Renewing Philosophy (1992) são algumas das suas obras; Mathematics, Matter and Method (1975), Mind, Language and Reality (1975) e Realism and Reason (1983) são algumas das escolhas de artigos seus. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
W. v. O. Quine (1908-2000)

O filósofo americano mais influente da segunda metade do século XX. A atenção de Quine começou por incidir sobre a lógica matemática, donde resultaram as obras A System of Logistic (1943) Mathematical Logic (1940) e Methods of Logic (1950). Foi com a publicação do conjunto de ensaios que formam o livro From a Logical Point of View (1953) que a sua importância filosófica se tornou largamente reconhecida. O seu célebre ataque à distinção analítico/sintético anunciou uma mudança profunda nas maneiras de encarar a linguagem provenientes do positivismo lógico e uma reapreciação das dificuldades em fornecer uma base empírica sólida para as teses sobre a convenção, o significado e a sinonímia. A sua reputação consolidou-se com Word and Object (1960), no qual a indeterminação da tradução radical assume pela primeira vez o papel principal. Na teoria do conhecimento, Quine está associado à perspectiva holista da verificação, concebendo um corpo de conhecimento em termos de uma teia que na periferia está em contato com a experiência, mas em que cada ponto está conectado a outros pontos por uma rede de relações. Quine é também conhecido pela perspectiva segundo a qual a epistemologia devia ser naturalizada, ou conduzida segundo um espírito científico, sendo o objeto da investigação a relação existente nos seres humanos entre os dados de entrada (inputs) da experiência e os dados de saída (outputs) da crença. Além das obras já citadas, a sua bibliografia inclui The Ways of Paradox and Other Essays (1966), Ontological Relativity and Other Essays (1969), Philosophy of Logic (1970), The Roots of Reference (1974) e The Time of My Life: An Autobiography (1985). (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
John Rawls (1921-2002)

Filósofo moral e político americano. Rawls nasceu em Baltimore e estudou em Harvard e Oxford. Após ensinar em Princeton e Cornell, entrou para Harvard em 1959. A Theory of Justice (1971, trad. Uma Teoria da Justiça, 1993), a sua obra principal, revitalizou o estudo do pensamento político na filosofia anglo-americana e tem sido um ponto de referência para todas as discussões posteriores. Nela, Rawls analisa as instituições básicas de uma sociedade que poderiam ter sido escolhidas por pessoas racionais sob condições que assegurassem a imparcialidade. Estas condições são dramatizadas numa posição original, caracterizada de tal modo que é como se os participantes efetuassem um contrato acerca de uma estrutura social básica, por detrás de um véu de ignorância que os torna incapazes de fazer uso de considerações egoístas ou de considerações favoráveis a determinados tipos de pessoas. Rawls argumenta que tanto uma arquitetura básica das liberdades como uma preocupação pelos menos favorecidos caracterizariam qualquer sociedade que se pudesse escolher racionalmente. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Paul Ricoeur (1913–2005)

Existencialista, teólogo, filósofo e crítico literário francês. Nasceu em Valence, formando-se nas tradições existencialista e fenomenológica. Foi capturado durante a Segunda Guerra Mundial, familiarizando-se então com a obra de Husserl, Heidegger e Jaspers. Em 1948, Ricoeur obteve o posto de professor em Estrasburgo e a partir de 1957 foi professor na Universidade de Paris-X, de Nanterre e entre as suas viagens ao estrangeiro conta-se uma estadia na Universidade de Chicago. Como é típico da tradição francesa, a obra de Ricoeur é bastante abrangente e de compreensão difícil, embora contenha uma louvável ênfase na humildade necessária à procura da verdade. As suas obras incluem a série sob o título geral Philosophie de la volonté: vol. i, Le Volontaire et l’involontaire (1950, trad. ing.Freedom and Nature: The Voluntary and the Involuntary, 1966); vol. ii, Finitude et culpabilité, parte I, L’Homme faillible (trad. ing. Fallible Man, 1965); e a parte II, La Symbolique du mal (trad. ing. The Symbolism of Evil, 1967). (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Richard Rorty (1931-2007)

Filósofo e crítico norte-americano. É muito conhecido como o filósofo analítico que se voltou contra aquilo que considera as categorias tradicionais de interesse nessa tradição — verdade, conhecimento, objetividade — substituindo-as por uma versão pós-modernista muito própria do pragmatismo, associada a autores como Heidegger e Gadamer, onde tais tópicos foram banidos. Tendo ultrapassado tais interesses, o intelectual liberal assume uma atitude irónica e distanciada, mesmo em relação às suas convicções fundamentais; a vida intelectual transforma-se numa espécie de conversa diletante; os seus críticos acham que o quietismo político ou os conservadorismos sugeridos por esta posição são preocupantes. Philosophy and the Mirror of Nature (1979, trad. A Filosofia e o Espelho da Natureza, 1986) e Contingency, Irony and Solidarity (1989, trad. Contingência, Ironia e Solidariedade, 1994), são algumas das suas influentes obras. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Bertrand Russell (1872-1970)

Filósofo inglês. Desde cedo, e especialmente após conhecer o matemático G. Peano (1848-1932) em 1900, os seus interesses concentraram-se nos fundamentos da matemática. The Principles of Mathematics foi publicado em 1902, um ano depois da descoberta do paradoxo de Russell. Após um período de reflexão em torno do problema, Russell propôs a teoria das descrições definidas e a teoria dos tipos, elementos centrais da sua solução do paradoxo. De 1907 a 1910, trabalhou em colaboração com Whitehead durante dez a doze horas por dia, oito meses por ano, nos Principia Mathematica (publicados em três volumes, de 1910 a 1913). Durante este período, lançou as bases de uma vida de intelectual radical, ativo e liberal, começando com uma candidatura sufragista ao parlamento. Durante a Primeira Grande Guerra, foi preso por seis meses por publicar uma declaração segundo a qual os soldados americanos seriam usados na Grã-Bretanha para combater os grevistas, “uma ocupação a que estavam habituados no seu próprio país”. Depois da guerra, Russell visitou a Rússia e viveu durante uma temporada na China. Nos anos 20, as suas principais obras filosóficas foram The Analysis of Mind (1921) e The Analysis of Matter (1927), embora tivesse também publicado um grande número de obras populares e semipopulares sobre temas morais e sociais. Fundou e dirigiu uma escola, mas de 1938 a 1944 ensinou em várias universidades americanas, entre as quais a de Chicago e a University of California at Los Angeles. A City University de Nova Iorque recusou dar-lhe emprego, argumentando que as suas obras eram “devassas, libidinosas, luxuriosas, venéreas, erotomaníacas, afrodisíacas, irreverentes, mesquinhas, falsas e destituídas de fibra moral”. Durante a Segunda Grande Guerra, escreveu a History of Western Philosophy (1945, trad. História da Filosofia Ocidental, 1977).Human Knowledge: its Scope and Limits (1948) é o último livro importante de Russell em filosofia, mas nesta altura ele era já um símbolo mundialmente famoso da filosofia e do seu potencial radical. Recebeu o Prémio Nobel da literatura em 1950 e passou o resto da vida a lutar ativamente pelo desarmamento nuclear como patriarca incontestado do mundo académico progressista. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Jean-Paul Sartre (1905–80)

Filósofo, romancista e o principal intelectual francês da sua época. A filosofia de Sartre ocupa-se exclusivamente da natureza da vida humana e das estruturas da consciência. Em consequência, tanto se exprime nos seus romances e peças como nas suas obras académicas mais ortodoxas. Como antepassada imediata tem a tradição fenomenológica dos seus mestres, e o modo mais simples de ver Sartre é dizer que procurava rebater as críticas do idealismo à fenomenologia. O agente não é um espectador do mundo; é antes, como tudo o que faz parte do mundo, constituído por atos intencionais e pela consciência. O eu assim constituído está historicamente situado, mas é apesar disso um agente cujo modo próprio de se situar no mundo torna possíveis a responsabilidade e a emoção. A responsabilidade é, no entanto, um peso que muitas vezes não conseguimos suportar, resultando a má-fé da negação da autoria das nossas ações, que as vê antes como reações forçadas a situações que não criámos. Sartre identifica, assim, a natureza essencial da existência humana com a capacidade de escolher — embora a escolha, sendo incompatível quer com o determinismo quer com a existência de uma lei moral kantiana, acarrete uma síntese da consciência (o ser para-si) com o objetivo (o ser em-si), síntese essa que será sempre instável. A natureza instável e continuamente desintegradora do livre arbítrio dá origem à angústia. As obras “ontológicas” de Sartre (entre elas L’Être et le néant) tentam extrair consequências das suas teses para a natureza da consciência e do juízo. Para Sartre, a nossa capacidade de produzir juízos negativos é um dos enigmas fundamentais da consciência. Tal como Heidegger, Sartre tomou a opção “ontológica” de relacionar isto com a natureza do não-ser, opção essa que o diferencia decisivamente da tradição anglo-americana da lógica moderna. A investigação de Sartre acerca das mentes alheias ilustra, em contraste com isto, a força da perspectiva psicológica, visível na sua análise detalhada de certas experiências, como a de estar sob o olhar de outra pessoa, e no modo como as relaciona com as escolhas daí resultantes. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Roger Scruton (n. 1944)

Filósofo britânico cujo primeiro trabalho foi sobre estética, e cujos estudos da imaginação estética e da estética da arquitetura são obras estabelecidas da área. Scruton argumentou, no seu primeiro livro, a favor da ideia de que a correção dos juízos estéticos depende de uma resposta subjetiva, sendo a imaginação a noção central para explanar este estado mental. Scruton opôs-se depois ao modernismo arquitetônico, conectando o valor estético com considerações éticas. Os seus escritos são muitíssimos abrangentes, incluindo também a ética, filosofia política, história da filosofia e a filosofia da cultura. A sua defesa do conservadorismo político e da tradição cultural está intimamente relacionada com a sua estética e ética, tendo Scruton em ambos os casos simpatias basicamente kantianas. Desafiou recentemente as fronteiras convencionais da filosofia analítica, sobretudo no seu livro sobre desejo sexual. Bibliografia: Roger Scruton, Art and Imagination (Londres, 1974). (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
John R. Searle (n. 1932)

Filósofo da mente e da linguagem da Universidade da Califórnia em Berkeley. A mente, para Searle, é intencional (à Brentano) no aspecto em que as percepções, memórias, imaginações, desejos e muitos outros estados mentais tomam objetos (por exemplo, eu vejo o carro e recordo-me da Tia Fanny). A linguagem, vista por Searle sobretudo a partir da tradição dos atos  de fala de J. L. Austin, é também intencional, mas derivadamente. A sua teoria intencional, e a ênfase que dá à consciência enquanto característica intrínseca da mente, coloca-o em oposição ao behaviorismo, funcionalismo e outras teorias materialistas da mente. Para Searle, apesar de a mente emergir do corpo, possui um carácter subjetivo insuscetível de ser eliminado, carácter a que as perspectivas materialistas não conseguem adequadamente responder. Relativamente a esta afirmação, Searle usa o famoso argumento do quarto chinês para mostrar que apesar de um “sistema” (um computador e uma pessoa) num quarto poder manipular símbolos chineses, não opera necessariamente ao nível do significado. Para o fazer, é necessário introduzir conceitos mentais (intencionais) no sistema. Bibliografia: J. R. Searle, The Rediscovery of the Mind (Cambridge, Mass., 1992). (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Peter Singer (n. 1946)

Conhecido sobretudo pelos seus trabalhos em áreas de ética aplicada, que começaram com o seu best-seller Animal Liberation (Londres, 1976) (trad. Libertação Animal, 2000), no qual argumenta que a maior parte do tratamento a que os animais são sujeitos é intolerável. Singer continuou a escrever sobre estes temas, mas usou também as ideias e teorias da filosofia moral para fornecer análises da moralidade da eutanásia, fertilização in vitro, a distribuição dos recursos do mundo e muitos outros temas associados (veja-se especialmente o seu Practical Ethics (Cambridge, 1979; trad. Ética Prática, 2000)). O seu trabalho distingue-se por um forte comprometimento com o utilitarismo e por um desejo de afastar a moralidade do que ele se refere como a “herança judaico-cristã”. (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
P.F. Strawson (1919–2006)

Filósofo inglês. Estudou inicialmente lógica e filosofia da linguagem, em profunda consonância com o espírito da tradição da filosofia da linguagem comum, em voga na época. A este período pertence o seu célebre ataque à teoria das descrições definidas de Russell. Em 1959, o seu Individuals assinalou o retorno a preocupações mais metafísicas. A sua reputação consolidou-se com The Bounds of Sense(1966), uma magnífica viagem pela metafísica de Kant, com inúmeros artigos sobre epistemologia, liberdade, naturalismo e cepticismo. Em geral, Strawson representa a defesa da imagem manifesta, ou seja, do modo como vulgarmente se encara o mundo. Mesmo quanto a questões como a do livre-arbítrio, Strawson é céptico quanto à capacidade das teorias científicas provocarem mudanças no esquema conceptual vulgar. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Alan Turing (1912-1954)

Matemático inglês conhecido sobretudo graças à sua Máquina de Turing e ao Teste de Turing, dizendo ambos respeito à relação entre a computação e a mente. O trabalho de Turing em lógica matemática, nos finais da década de 1930, sistematizou ideias de Gödel e Church quanto a uma descrição abstrata do que um agente finito idealizado poderia computar. Na segunda guerra mundial Turing trabalhou na decifração dos códigos alemães, e em particular nas máquinas de computação necessárias para essa tarefa. Depois da guerra trabalhou nos primeiros computadores digitais e em 1950 publicou o artigo “Computing Machinery and Intelligence” na revista Mind. Neste artigo, propõe um teste para o pensamento: uma máquina pode pensar se não for possível distinguir as suas respostas a perguntas das respostas de um ser humano. (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Bas C. van Fraassen (n. 1941)

Filósofo da ciência e lógico norte-americano que, na obra The Scientific Image (1980), desenvolve uma alternativa empirista antirrealista bem argumentada tanto ao Positivismo Lógico de Rudolf Carnap como ao realismo científico de Wilfrid Sellars e Hilary Putnam. Para o realista, o objetivo de construir teorias científicas é “procurar fornecer uma história literalmente verdadeira de como é o mundo”. Assim, a aceitação de uma qualquer teoria científica acarreta supostamente, automaticamente, a crença de que os termos que descrevem estruturas e processos postulados têm implicação existencial. Van Fraassen ataca esta posição e defende uma alternativa: a adequação empírica é o único objetivo das teorias científicas. A crença de que a teoria se ajusta os fenómenos observáveis é a única crença que a aceitação de uma teoria científica acarreta; o poder explicativo não constitui um fundamento para pensar que todos os termos teóricos referem. Em Laws and Symmetry (1989), van Fraassen argumenta contra uma interpretação realista das leis da natureza e das necessidades naturais. Bibliografia: Paul M. Churchland e Clifford A. Hooker (orgs.), Images of Science: Essays on Realism and Empiricism, with a Reply from Bas C. van Fraassen (Chicago, 1985). (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Alfred North Whitehead (1861-1947)

Matemático e filósofo inglês. Foi tutor de Russell em Cambridge, onde foi membro do corpo docente do Trinity College de 1884 a 1910, quando se mudou para Londres, ocupando depois uma cátedra em Harvard, em 1924. Colaborou com Russell nos Principia Mathematica (1910-13). A sua filosofia é uma tentativa de formular um sistema metafísico à luz da lógica e da ciência modernas. Whitehead tinha ficado impressionado com o conceito científico de fluxo ou campo de força e de energia. Recusando quer o atomismo próprio da concepção newtoniana do mundo, quer o que resulta da análise de Hume da experiência em percepções distintas, tentou analisar esses átomos em termos de conjuntos de processos mais latos que se intersectam. O seu “método da abstração vasta” consiste em definir um objeto, como por exemplo um ponto, em termos de volumes de espaço encadeados; do mesmo modo, os acontecimentos são vistos como processos encadeados. A ordenação geral dos processos do mundo é a natureza primordial de Deus, representada como o princípio de concreção através do qual os processos reais têm lugar. Enquiry Concerning the Principles of Natural Knowledge (1919) e The Concept of Nature (1920) são consideravelmente mais acessíveis do que o posterior Process and Reality (1929). (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Bernard Williams (1929–2003)

Filósofo inglês. Williams é conhecido por defender uma posição subtilmente relativista em filosofia moral, rejeitando as promessas aristotélicas e kantianas segundo as quais a virtude resulta do exercício das propensões racionais da mente. Também rejeita as teorias expressivistas e projetivistas, argumentando que se, pelo contrário, a ética se basear apenas em sensações e paixões contingentes não pode ser o que parece. O seu argumento de que a ética kantiana e o utilitarismo põem uma tónica não natural nos interesses puramente impessoais, ignorando os projetos pessoais que necessariamente ocupam o horizonte próximo das vidas práticas das pessoas, tem sido bastante influente. Descartes: the Project of Pure Inquiry (1978), Ethics and the Limits of Philosophy (1985) e Shame and Necessity (1993) são algumas das suas obras principais. Problems of the Self (1973) e Moral Luck (1981) são duas das suas coletâneas de artigos. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Ludwig Wittgenstein (1889-1951)

Filósofo austríaco. Ficou fascinado com a filosofia da matemática, o que o levou a visitar Frege em 1911, que o aconselhou a estudar em Cambridge, sob a orientação de Russell. Até à Primeira Guerra Mundial, estudou problemas acerca dos fundamentos da lógica e da matemática como protegido e colaborador de Russell. Durante a guerra, serviu no exército austríaco e acabou o manuscrito do que, em 1921, seria publicado como o Tractatus Logico-Philosophicus (trad. 1987). Convencido de que tinha resolvido definitivamente todos os problemas solúveis da filosofia, abandonou o assunto, e voltou para a Áustria onde se tornou professor primário em escolas de zonas rurais. Em 1929, o contato com o Círculo de Viena, com o intuicionismo matemático e sobretudo com Ramsey, convenceram-no de que ainda havia alguma investigação a fazer, regressando, então, a Cambridge, onde se tornou professor em 1939. Abandonou a cátedra em 1947, morrendo de cancro em Cambridge. Wittgenstein foi indubitavelmente a figura mais carismática da filosofia do século XX, vivendo e escrevendo com um poder e uma intensidade que frequentemente esmagavam e confundiam os seus contemporâneos e os seus leitores. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)