terça-feira, 29 de março de 2016

5ª Aula de Filosofia do 3º Ano Ensino Médio

Pragmatismo: Uma filosofia para a vida
Quem já teve aquela sensação de, ao ler um livro de filosofia ou ouvir um político discursando, se perguntar: "mas o que isso quer dizer?" Por que as crianças aprendem menos com sermões do que imitando as ações dos pais? E por que é tão importante revermos nossas crenças a respeito do que acreditamos ser verdade? Se tudo o que nos interessa é o que afeta nossas vidas, é neste tribunal do cotidiano que o método pragmatista vai julgar e depurar a filosofia.
O pragmatismo, desenvolvido no século 19 por um grupo de filósofos norte-americanos em Cambridge, Massachusetts, é uma corrente da filosofia muito estudada até hoje em diversos países, incluindo o Brasil. Talvez o correto seria falar em pragmatismos, no plural, dadas as nuances com que diferentes autores trataram o termo, desde os clássicos (Charles S. Peirce, William James, John Dewey e Ferdinand Schiller) até os contemporâneos (Lewis, Quine, Putnam, Davidson e Richard Rorty, entre outros).
Em sua formulação original, feita por Charles Sanders Peirce (1839-1914) em 1877-78 e reformulada em 1905, o pragmatismo é um método filosófico cuja máxima sustenta que o significado de um conceito (uma palavra, uma frase, um texto ou um discurso) consiste nas consequências práticas concebíveis de sua aplicação.
Conceito e experiência
Isto quer dizer que uma afirmação que não tenha qualquer relação com a experiência é desprovida de sentido. Por conta disso, o pragmatismo presta contas ao filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), que dizia (na "Crítica da Razão Pura") que, se por um lado toda experiência sem a forma do conceito é cega, o conceito sem o conteúdo da experiência é vazio.
Por exemplo, se eu digo "Pedro é honesto", isso só terá sentido se for possível, observando o comportamento futuro de Pedro, comprovar a honestidade por meio das atitudes de Pedro. Caso contrário, o máximo que poderíamos dizer é que "Pedro tem sido honesto (até hoje)". Mas o que nos interessa é o futuro, sobre o qual podemos deliberar. Deste modo, a crença que temos a respeito da honestidade de Pedro deve se fundamentar em fatos possíveis de serem observados.
E é por esta razão que só podemos conhecer realmente uma pessoa, amigo, parente ou amante no curso do tempo e por intermédio de suas ações.
Crianças e políticos
As crianças são, de certo modo, pragmatistas. Elas só aprendem investigando atentamente o que os pais fazem no dia-a-dia. Não adianta falar para uma criança que jogar papel na rua é errado se o pai atira o maço de cigarros vazio pela janela do carro. Haverá um desacordo entre teoria e prática que irá deslegitimar o discurso paterno.
Com o tempo, porém, nos tornamos menos atentos a isso e ficamos deslumbrados com programas ideológicos e doutrinas vazias de significado.
Promessas de campanha e compromissos éticos de políticos deveriam passar pelo mesmo crivo. Só terão algum significado quando confrontados com seus efeitos práticos concebíveis, isto é, caso haja dinheiro em caixa que torne possível a concretização das promessas e caso o governo tenha transparência suficiente para pôr à prova sua postura ética.
Assim, o pragmatismo, conforme concebido originalmente por Peirce, tem o propósito de fornecer uma diretriz ao pensamento, evitando que a razão, em seus altos voos rumo ao abstrato, se desvencilhe de seu objeto: a realidade, a vida. O método pragmatista, desta forma, se contrapõe às metafísicas de caráter dogmático e propõe que o raciocínio seja guiado por métodos semelhantes aos da ciência, que incluem a observação dos fenômenos, a formulação de hipóteses, os testes práticos e a revisão de teorias. É por isso que o pragmatismo estranha qualquer ideia de verdade e certeza inatas ou absolutas.
Verdades provisórias
Opondo-se a René Descartes (1596-1650), que concebia o homem como dotado de ideias claras e distintas, para Peirce não temos nenhuma segurança de que nossas representações da realidade estão corretas. O máximo que podemos dizer é que funcionam e que, a longo prazo, nos aproximamos mais da verdade, na medida em que confrontamos a teoria com o objeto.
É o que Peirce chamava de doutrina do falibilismo. É impossível saber se atingimos a verdade última a respeito de algo. Contamos apenas com um conhecimento provisório e falível. Por exemplo, a visão do homem a respeito do universo se modificou ao longo dos séculos, nos quais os instrumentos técnicos foram aperfeiçoados e o gênio matemático, testado. De Copérnico, Galileu, Kepler, Newton e Einstein, sabemos muito mais hoje sobre o universo do que os antigos povos da Grécia, China e Mesopotâmia, mas nada nos garante que tenhamos chegado a uma incompatibilidade insuperável entre a teoria da Relatividade e a mecânica quântica, que descrevem, respectivamente, o macro e o microcosmo.
E também é assim com nossos valores. Afinal, não somos obrigados a reavaliar todos nossos parâmetros culturais em face das mudanças tecnológicas e o fenômeno da globalização?
O falibilismo, portanto, é uma condição de humildade intelectual, que nos obriga a uma aprendizagem constante e evita que nos enclausuremos em crenças e verdades últimas. Como o pragmatismo sugere, é necessário contrapor aos conceitos o objeto real para construir significados, caso contrário, corre-se o risco de naufrágio em um redemoinho de palavras sem qualquer âncora na terra firme da experiência.
Filosofia sem concessões
E qual garantia o pragmatismo nos dá de que aprendemos com os erros, de que iremos atingir a verdade ou, quem sabe, a segurança de uma certeza qualquer? Para Peirce, nenhuma. Só podemos ter esperança de que, com uma boa educação, nossos filhos serão melhores. Do mesmo modo, aprendemos a duras custas que não existem soluções prontas para a democracia no Brasil. Ela se faz de maneira conjunta e cotidiana.
O que valida uma crença, segundo o pragmatismo clássico, não são seus ornamentos argumentativos ou o conforto que nos traz ao tornar aprazível e suportável a realidade. Mas sim, seus efeitos práticos concebíveis e a experiência futura, que irá confirmá-la ou não. Ao nos devolver teimosamente à mesma realidade, por vezes tediosa e angustiante, da qual tentamos escapar por meio de filosofias baratas, dogmas e autoajuda, o pragmatismo só pode oferecer em troca uma existência mais criativa, num oceano de possibilidades.
Pragmatismo: William James e o valor das crenças
Junto com Charles Sanders Peirce (1839-1914), William James (1842-1910) é considerado o fundador do pragmatismo norte-americano, apesar de ambos os pensadores terem desenvolvido duas escolas distintas na tradição. Peirce é reconhecidamente o criador do método pragmatista, mas foi James quem o popularizou e usou pela primeira vez o termo em livros e conferências.
Peirce e James estão de acordo quanto ao fato de o pragmatismo não ser uma filosofia propriamente dita, isto é, não diz nada a respeito do que é o mundo e sobre o conhecimento que temos dele, e muito menos se configura como uma doutrina ou metafísica. Pragmatismo é simplesmente um método pelo qual o significado dos conceitos é depurado pelos fatos, pela experiência.
Quando o pragmatista está diante de um candidato a problema filosófico, ele questiona: o que a decisão a respeito da verdade de A ou de B poderá trazer em termos de efeitos práticos para nossas vidas? Se não provocar nenhuma mudança em nosso comportamento ou entendimento a respeito de algo, então não tem nenhum efeito. Portanto, nenhum significado.
Para dar um exemplo simples - e atual -, qual seria o significado pragmático de chamar o vírus da gripe suína de "nova gripe"? A mudança do nome vai ampliar nosso conhecimento sobre a doença ou trazer alguma mudança real em termos de saúde pública e prevenção? Caso a resposta seja negativa, então não tem nenhum sentido.
Podemos fazer o mesmo perguntando qual o significado pragmático da arte, da religião e dos sistemas filosóficos, para verificar se resiste ao confronto da realidade.
Conforme diz James: "Toda a função da filosofia deve ser a de achar que diferença definitiva fará a mim ou você, em instantes definidos de nossa vida, se esta fórmula do mundo ou aquela outra for a verdadeira" (1979: 19).
E ainda: "Tem-se de extrair de cada palavra o seu valor de compra prático, pô-lo a trabalhar dentro da corrente de nossa experiência" (1979: 20).
O pragmatismo consiste, portanto, em sempre olhar os frutos, ou seja, as consequências práticas que uma teoria veicula. Nisso tanto o "pai" do pragmatismo, Peirce, quanto James estão de acordo. A diferença está:  na interpretação da máxima do pragmatismo; na sua aplicação e no seu escopo, conforme veremos a seguir.
James: o foco no indivíduo
Vamos começar pela interpretação da máxima pragmatista. Para Peirce, o significado de um conceito ou teoria é dado pelas consequências práticas concebíveis que o objeto será capaz de proporcionar e, deste modo, afetar a conduta humana.
No exemplo dado pelo filósofo, "O diamante é duro" é uma expressão significativa porque, caso o diamante fosse submetido a testes, sua superfície não seria arranhada em contato com outros objetos duros. Já a expressão "Deus existe" não tem nenhum sentido, porque não é possível demonstrar a existência de Deus por meio da experiência futura.
Para James, ao contrário, o significado pragmático são os efeitos práticos que provoca na crença do indivíduo. Para uma doente, por exemplo, acreditar que Deus existe e que pode curá-lo pode ter efeitos práticos muito melhores do que o caso de ele ser ateu e achar que vai morrer. Essa crença, por exemplo, poderia estimular seu sistema imunológico e contribuir para o tratamento da doença. Portanto, em James, "Deus" passa no teste pragmático.
Diz James: "Se há qualquer vida que seja realmente melhor do que a que devemos levar, e se há qualquer ideia que, em sendo acreditada, ajudar-nos-ia a levar tal vida, então seria melhor para nós acreditar nessa ideia, a não ser que, na verdade, a crença que se lhe depositasse colidisse incidentalmente com outros benefícios vitais de maior vulto" (1979: 29, grifos do autor).
Isto é, se a crença em Deus não causa nenhum prejuízo material nem coloca em risco nossas próprias vidas - como no caso de tornar o crente um fanático suicida - e, além disso, nos torna melhores em nosso dia-a-dia e com as outras pessoas, então, para James, é pragmaticamente relevante.
Religião tem significado pragmático
Em resumo, para Peirce o foco é o caráter geral e o objeto da crença que devem ser investigados, enquanto para James, o foco está no particular e no indivíduo que acredita. Ao fazer isso, James amplia o pragmatismo para além do método científico, como o queria Peirce, para incluir questões morais e, principalmente, religiosas.
Para James, "[...] o pragmatismo alarga o campo da procura de Deus. [...] Levará em conta as experiências místicas se tiverem consequências práticas. Acolherá um Deus que viva no âmago mesmo do fato privado - se esse lhe parecer um lugar provável de encontrá-lo" (1979: 30).
Se a religião afeta nossas vidas, nos torna melhores, então tem um significado pragmático, segundo James.
Esta interpretação do método pragmatista se aproxima daquilo que James chamou de opção genuína em sua obra "A Vontade de Crer" (1897), pela qual afirma que, em determinadas situações, o indivíduo tem o direito de acreditar em algo mesmo que não tenha condições racionais de estabelecer se sua crença possui um objeto correspondente real.
São decisões que temos que tomar sem que tenhamos elementos suficientes para saber se a escolha é certa ou errada. Por exemplo, se estamos caminhando em uma trilha, à noite, na Mata Atlântica, e escutamos um rugido próximo, é bem provável que acreditemos que esse rugido é sinal que uma onça está por perto e adotemos uma atitude em relação a isso, antes mesmo de ter certeza de que se trata do animal e não um porco-do-mato, por exemplo.
Do mesmo modo, se estamos de carro em uma rua escura e vemos um homem em atitudes suspeitas, provavelmente não iremos parar no semáforo e nos arriscar a sofrer um assalto, mesmo sem saber ao certo as intenções do desconhecido.
É um tipo de escolha prática bem diferente daquela tomada por um cientista que está num laboratório. Ele pode errar e refazer os testes até ter certeza de que está de posse de uma crença verdadeira. Crenças vivas, contudo, atendem a propósitos imediatos.
Pragmatismo como teoria da verdade
Por isso, para James, verdade terá um sentido diferente daquele sustentado por escolas filosóficas anteriores. Para essas correntes da filosofia, verdade consiste numa cópia fiel da realidade, isto é, aquela teoria que corresponde aos fatos, que "espelha" o real. Cumpria, portanto, descobrir a verdade das coisas, pois só existe uma que atenda a tais exigências.
James, por outro lado, diz que a verdade está localizada no meio do caminho entre a teoria e os fatos. É preciso que exista uma coerência entre ambos. Por exemplo, se quero construir uma ponte, preciso respeitar uma série de princípios de engenharia e, além disso, tenho que levar em conta as condições materiais e dificuldades geográficas e físicas que o mundo me impõe. O melhor projeto de ponte, aquele que irá funcionar, será o verdadeiro.
Uma crença verdadeira, portanto, é aquela que atende aos nossos propósitos, que funciona na prática, em nosso cotidiano, e que nos traz benefícios, que nos permite continuar atuando no jogo do viver. Logo, verdade é algo mutável e pluralista: "Verdadeiro é o nome do que quer que prove ser bom no sentido da crença, e bom, também, por razões fundamentadas e definitivas" (1979: 28).
Este é o valor pragmático da verdade - e outro ponto de discordância com Peirce: em James, o pragmatismo também é um método para se alcançar a verdade.
Uma dieta rica em verduras e com baixa taxa de gordura animal e açúcar pode não ser tão agradável ao nosso paladar quanto comer pizzas, sanduíches e churrasco, mas é, num sentido pragmático, a decisão mais correta se tivermos em vista nosso bem-estar e nossa saúde.
Em resumo, o pragmatismo em James, interpreta a máxima pragmática de Pierce em uma esfera individual, amplia sua aplicação para questões religiosas e torna o método também uma teoria da verdade.
Bibliografia
DE WAAL, Cornelis. Sobre Pragmatismo. São Paulo: Edições Loyola, 2007.
HAACK, Susan. (2007). "Pragmatismo". Em: Compêndio de Filosofia. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola.
IBRI, Ivo Assad. (1992). Kósmos: a arquitetura metafísica de Charles S. Peirce. São Paulo: Perspectiva/ Hólon.
JAMES, William. "Pragmatismo", em Os Pensadores. Abril Cultural, 1979.

JAMES, William. A Vontade de Crer. São Paulo: Edições Loyola, 2001.

Nenhum comentário:

Postar um comentário