quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Blaise Pascal: o Homem e a Ciência

Rogério Lacaz-Ruiz
Professor de Metodologia Científica FZEA/USP
  roglruiz@usp.br

Heloise Patrícia Quintino
Acadêmica de Zootecnia FZEA/USP
heloq@hotmail.com

Cíntia Kogeyama
Acadêmica de Zootecnia FZEA/USP
dolly2_98@yahoo.com

Luiz Flávio Pansani
Acadêmico de Zootecnia FZEA/USP
langousp@yahoo.com
 
"Quem deixa a Deus fora das suas contas, não sabe contar"

Introdução (1)

         
 Parece que as invenções sempre tiveram sua magia para atrair a atenção do homem comum. A expectativa diante do novo invento muitas vezes ultrapassa as fronteiras da técnica ou da ciência propriamente dita. Talvez seja por esta razão que as pessoas acabam caracterizando as descobertas científicas como a única solução. Na verdade, é realmente feliz quem sabe a verdadeira causa das coisas. As coisas, porém, estão e são e nós, diante desta variedade, procuramos agrupá-las e classificá-las segundo nossos interesses ou critérios. Como há um limite, as classificações acabam por reduzir tudo ao objeto em questão ou excluir importantes realidades. E o reducionismo aparece sempre que se deixa de analisar algo que faça parte do ser estudado. Em geral, a discórdia entre cientistas dá-se sobre aquilo que é acidental, embora também ocorra no essencial, justamente quando se deixa de contemplar o real.
          Pascal, como veremos neste estudo, soube separar a ciência em si, do ser humano, e não aceitou o matematicismo de Descartes, como reducionismo em relação à realidade humana. O coração tem razões que a própria razão desconhece e por isso a ciência e a técnica sempre ficarão aquém; é difícil dar uma resposta definitiva quando o assunto é o homem. A defesa da riqueza humana, consiste justamente em aprofundar em aspectos individuais e sociais que estejam de acordo com o real, sem esgotar o diálogo que cada um tem consigo mesmo e com o outro.
          Se Pascal merece ser estudado, é porque viveu intensamente situações que fazem o homem lembrar-se de quem é: a morte prematura da mãe, a vida mundana após a morte do pai, o convívio com os pobres, a doença, o diálogo com os demais, a busca da verdade de modo aberto e profundo dentro do universo infinito e da sua totalidade.
          Blaise Pascal revelou-se gênio desde cedo. Com 12 anos por si só descobriu a matemática, uma vez que foi impedido por seu pai o contato com livros sobre o assunto. Não parou por aí. A sua contribuição para a ciência foi significativa e de grande importância. Atuou na matemática, na física, na geometria, mas é com suas reflexões filosóficas e teológicas que mais surpreende a humanidade. Só não contribuiu mais, foi devido a sua morte prematura aos 39 anos. Seus escritos filosóficos "exprimem com incomparável eloquência às ansiedades que agitam a alma humana. Ao longo dessas páginas imortais, animadas de ardente misticismo, sente-se no entanto, a cada momento, a forte disciplina do espírito geométrico. Mais do que a disciplina: a inspiração. O pensamento de Pascal tem raízes profundas nessa análise do infinito" (Costa, 1971), que no seu tempo ressurgiram com nova roupagem. "Pascal foi geômetra no belo sentido pleno da palavra. Seu gênio multiforme procurou a verdade em todos os terrenos." (Costa, 1971)
          Mais de trezentos anos de sua morte se passaram, mas o momento não deixa de ser oportuno para recordar como Pascal viveu a ciência sem deixar que a ciência fosse sua vida.

A vida de Pascal

          Filho de Étienne Pascal e Antoniette Bejon, Blaise Pascal nasceu a 19 de junho de 1623, em Clermont-Ferrand, na França. "Quando tinha apenas três anos, Blaise perdeu a mãe e, como era o único filho do sexo masculino, o pai encarregou-se diretamente da sua educação. Étienne desenvolvia um método singular de educação do filho, com exercícios de diversos tipos para despertar o apego a razão e ao juízo correto. Geografia, história e filosofia eram disciplinas ensinadas, sobretudo, por meio de jogos. Étienne acreditava, entretanto, que aulas de matemática só deveriam ser mantidas ao filho quando este estivesse mais maduro." (Falceta, 1998b)
          Dessa forma, mantinha longe do menino os grossos livros de matemática. O pequeno teve, no entanto, despertada sua curiosidade sobre aqueles "estranhos" assuntos. De conversas que ouvia ou de obras que passavam pela censura do pai, logo descobriu as maravilhas da ciência dos números. Mesmo sem professor ou livro guia, passou a desenvolver seus estudos. "Um dia, o pai flagrou-o desenhando no piso figuras geométricas com carvão. Estavam ali, por intuição, várias das proposições da matemática de Euclides. Pascal chegou à 32a. fórmula proposta no livro 1 do velho sábio. Foi dado ao inquieto menino, então, permissão para que avançasse livremente sobre aqueles ramos do conhecimento.
          Pascal juntou-se aos sábios do círculo de Mersenne quando tinha 13 anos de idade. Ali, pode colecionar informações para desenvolver mais rapidamente seus trabalhos. Aos 17 anos, descobriu e publicou uma série de teoremas em geometria projetiva, fundamentais ao desenvolvimento tecnológico futuro, no campo da aviação." (Falceta, 1998c) Mais tarde, para ajudar o pai, sempre ocupados com números, dedicou-se a criar uma máquina de calcular. Por imaginar a revolução no futuro das máquinas de pensar, Pascal é o nome de um importante e famoso programa de base para computadores, usado em todo mundo. Pascal desenvolveu importantes estudos que tiveram como inspiração as descobertas do italiano Torricelli sobre a pressão atmosférica.
          A partir de 1647, Pascal passou a dedicar seus dias à aritmética. Desenvolveu cálculos de probabilidade, a fórmula de geometria do acaso, o conhecido Triângulo de Pascal e o tratado sobre as potências numéricas.
          Mas o trabalho excessivo minou a sua saúde, débil por constituição, e ele caiu gravemente enfermo. Em 1648 frequentou, com sua irmã Jacqueline, os seguidores de Saint-Cyran, que o levaram ao misticismo de Port-Royal. Depois da morte do pai, deu fervor religioso arrefeceu um pouco, iniciando-se o chamado período mundano de Pascal, devido em parte à proibição médica de dedicar-se a trabalhos intelectuais, prejudiciais à sua saúde, e em parte, de praticar exercícios de penitência. Mme. Perier, sua irmã, observa, porém, que neste período, "por graça de Deus, Pascal manteve-se longe dos vícios". A crise mundana foi superada na noite de 23 de novembro de 1654, graças a uma espécie de visão mística. Em recordação daquela noite, Pascal escreveu o seguinte Memorial:
Ano da graça de 1654, segunda-feira, 23 de novembro, dia de São Clemente, Papa mártir, e de outros no martirológio. Vigília de São Crisógono, mártir, e de outros. Das dez horas e meia da noite, mais ou menos, até cerca de meia-noite e meia. Fogo.
          Deus de Abraão, Deus de Isaac, Deus de Jacó, e não dos filósofos e dos sábios.
Certeza, certeza, sentimento, alegria, paz.
Deus de Jesus Cristo.
Deum meum et Deum vestrum (meu Deus e vosso Deus).
Esquecimento do mundo e de tudo, menos de Deus.
Não se encontra fora das vias ensinadas no Evangelho.
Grandeza da alma humana.
Pai justo, o mundo não te conheceu, mas eu te conheci.
Alegria, alegria, alegria, lágrimas de alegria.
Eu me separei dEle,
Derliquerunt Me fontem aquae vivae (Abandonaram a Mim, fonte da água viva).
"Abandonar-me-ias vós, meu Deus?"
Que eu não separe dele pela eternidade.
A vida eterna é esta: que eles te conheçam a ti, o Deus único e verdadeiro e aquele que enviaste, Jesus Cristo.
Jesus Cristo, Jesus Cristo,
Eu me afastei dEle, evitei-O, reneguei-O, crucifiquei-O, que eu jamais me separe dEle. Não se conserva senão pelas vias ensinadas no Evangelho.
Renúncia total e doce.
Submissão completa a Jesus Cristo e ao meu diretor,
Alegria eterna por um dia de provação na terra.
Non obliviar sermones tuos. Amen (Não me esquecerei das tuas palavras. Amém) (Mondin, 1981)
          Pascal morreu em Paris, aos 19 de junho de 1662, depois de atrozes sofrimentos, que soube suportar com grande resignação. Suas últimas palavras foram: "Que Deus jamais me abandone!"

Obras de Blaise Pascal

          "Blaise Pascal produziu polêmica e profunda obra filosófica. Desenvolveu experimentos que propiciaram saltos significativos no mundo científico, especialmente no campo da matemática e da física." (Falceta, 1998a)
          Na física, Pascal contribuiu no campo da hidrostática, desenvolvendo importantes estudos que tiveram como inspiração as descobertas do italiano Evangelista Torricelli sobre a pressão atmosférica (2) que reanimou a velhíssima controvérsia sobre o "horror ao vácuo" (3). Pascal, então, escreve um texto Prefácio ao tratado sobre o vácuo, no qual trata da questão da Ciência e da tradição. Neste texto Pascal divide o conhecimento humano em dois tipos: um baseado na autoridade e na tradição, sendo seu melhor exemplo a teologia; outro, na experiência e na razão sendo a física um modelo: "Mas o campo em que a autoridade tem a força principal, é o da teologia, pois ela é inseparável da verdade e somente pela autoridade, conhecemos a verdade: de modo que para obter certeza plena nas matérias mais incompreensíveis para a razão, basta mostrar que estão nos livros sagrados... Já o mesmo não ocorre com as matérias que caem no âmbito dos sentidos ou do raciocínio: aí, a autoridade é inútil e esses conhecimentos dependem só da razão. Razão e autoridade têm seus direitos delimitados: aqui prevalece uma; lá, reina a outra..." (Pieper, 1997)
          Pascal conclui dizendo: "Independentemente da força que tenha esta antiguidade, a verdade deve sempre prevalecer, mesmo que recentemente descoberta, já que a verdade é sempre mais antiga do que qualquer opinião que se tenha sobre ela: seria ignorar sua natureza, pensar que ela tenha começado a existir no momento em que ela começou a ser conhecida". (cf. Pieper, 1997)
          Assim, Pascal devido a sua educação liberal, interpretava os resultados obtidos de seus experimentos sem os preconceitos da época. Em uma de suas experiências ele teve a comprovação de que o equilíbrio da coluna de mercúrio se deve à pressão atmosférica. A experiência decisiva foi realizada no Puy-de-Dome, de acordo com as instruções de Pascal que a repetiu em Paris, na torre de Saint-Jacques. Desapareceram as últimas dúvidas: a altura da coluna de mercúrio varia com a altitude do lugar (4). Em 1653, Pascal enunciou e provou experimentalmente este princípio: O acréscimo da pressão em um ponto de um líquido em equilíbrio, transmite-se integralmente a todos os pontos deste líquido. Uma aplicação deste princípio é encontrada em máquinas hidráulicas que são capazes de "multiplicar forças", tais como a prensa hidráulica e o freio hidráulico.
          De 1639 a 1647, Pascal acompanha seu pai Etienne Pascal que foi enviado por Richelieu para Rouen, capital da Normandia. Como seu pai era coletor de impostos, Pascal construiu uma máquina de calcular para ajudá-lo na execução do seu trabalho. A Pascalina, depois de inúmeros esforços devido aos poucos recursos para época, chegou a ser patenteada mas sua fabricação em série foi descartada. Foi a partir de 1647, que Pascal dedicou-se mais aos estudos no campo da matemática. Ele passou, então, a dedicar-se aos estudos das probabilidades, realizando experiências com problemas aritméticos. A partir de suas observações dos jogos de dados desenvolveu os seus cálculos de probabilidades, a famosa fórmula da Geometria do Acaso. O Triângulo de Pascal foi um dos trabalhos resultantes dessas pesquisas com jogos de azar (5).
          Outro trabalho científico de Pascal nesta fase, foi o Tratado sobre as Potências Numéricas, no qual trata dos elementos "infinitamente pequenos". Pascal voltará a esse tema em 1658, em um trabalho sobre a área da cicloide, chegando notavelmente perto da descoberta do cálculo integral, "tão perto que Leibniz mais tarde escreveu que foi ao ler essa obra de Pascal que uma luz subitamente jorrou sobre ele." (Boyer, 1974). Entre outras obras suas, citam-se Nouvelles Expériences sur le Vide (Novas Experiências sobre o Vácuo, 1647) e Discours sur le Passions de l’Amour (Discurso sobre as Paixões do Amor); De Alea Geometriae(O Jogo da Geometria); MemorialOração para pedir a Deus a graça de fazer bom uso das enfermidades e Pensées(Pensamentos), neste último encontra-se a célebre sentença: O coração tem razões que a própria razão desconhece.
         
Convertido à religião, Pascal se dedica a filosofia

          Depois de participar de grupos dados à "libertinagem" e aos jogos de azar, o gênio Pascal experimentou uma revolução em sua vida. Em 1654, escapou da morte em um acidente de carruagem numa das pontes de Paris. Logo depois, em um êxtase espiritual, decidiu dedicar-se com fervor à militância religiosa e depois à contemplação e à oração. Após a conversão, documentada de forma comovente em Memorial, Pascal faz grandes progressos na vida espiritual como se pode ver também pela Oração para pedir a Deus a graça de fazer bom uso das enfermidades, escrito edificante e perene. "À conversão segue-se o reatamento de relações, cada vez mais freqüentes e intensas com Port-Royal, que por esta época, tinha recebido dentro de seus muros um pequeno grupo de leigos, desejosos de uma vida de penitência e de santificação." (Mondin, 1981)
          Pascal converteu-se, naquela época, ao jansenismo, uma corrente religiosa nascida no catolicismo. "O movimento teve início com o bispo holandês Cornélio Jansênio (1585-1638), que protestava contra o racionalismo supostamente exagerado da teologia escolástica." (Falceta, 1998d).
          "Em 1656 foi chamado a Port-Royal em auxílio de Arnauld (6), ameaçado de excomunhão por causa de suas posições jansenistas, e para defender o jansenismo dos ataques dos jesuítas (7). Pascal atendeu ao convite e escreveu as Cartas Provinciais, que fez circular anônimas, nas quais, com dialética habilíssima e com ironia ora sutil, ora dura, abordava os aspectos discutíveis da Companhia de Jesus.
          Mais tarde veio-lhe a ideia de escrever uma Apologia da Religião Cristã, projeto que não pôde realizar em virtude de sua morte prematura. Os fragmentos desta obra foram reunidos no volume intitulado Pensées (Pensamentos). "Para uns é um livro de fé; para outros, um livro em que uma alma humana se revela com maior naturalidade e verdade do que alhures; para todos uma obra prima sem igual na língua francesa".(Granges,1966) (8).
          Blaise Pascal foi exceção em sua época. Enquanto a maioria dos filósofos viviam quase exclusivamente de herança de Descartes, o autor que defendia o racionalismo e a especulação lógica, fria, clara e precisa aplicados a toda e qualquer forma de ciência, seja ela exata ou humana, Pascal moveu, então, uma guerra encarniçada contra esses conceitos. (9)
          Dos Pensamentos, quatro são críticas claras à Descartes, os de número 76 a 79.
76-Escrever contra os que aprofundam demais as ciências. Descartes. (Pascal, 1966). Neste pensamento, propõe-se escrever futuramente contra Descartes, por causa da importância excessiva dada por este à ciência.
77-Não posso perdoar Descartes; bem quisera ele, em toda sua filosofia, passar sem Deus, mas não pode evitar de fazê-lo dar um piparote para pôr o mundo em movimento; depois do que, não precisa mais de Deus. (Pascal, 1966). No pensamento 77, declara não poder perdoar a Descartes por ter dado pouco espaço a Deus em sua filosofia. (10)
78-Descartes: inútil e incerto. (Pascal, 1966).
79 - Descartes - Cumpre dizer, grosso modo: Isso se faz por figura e movimento, porque isso é verdadeiro; mas dizer quais e montar a máquina é ridículo, pois é inútil e incerto, e penoso. E ainda que fosse verdadeiro, não acreditamos que toda a filosofia valha uma hora de trabalho. (Pascal, 1966). Finalmente, no pensamento 79 sustenta que não vale a pena perder tempo com a filosofia de Descartes.
          Em muitos outros pensamentos Pascal critica Descartes, sem citá-lo. A sua crítica é dirigida especialmente contra o método geométrico cartesiano e contra a mentalidade geométrica do seu autor, que pretende reduzir tudo a idéias claras e distintas. Segundo Pascal, o método geométrico é válido para as ciências exatas, não para as humanas - filosofia, moral, religião - nas quais, em vez de idéias claras e distintas, prevalecem idéias complexas, mas carregadas de verdades. Pascal não condena totalmente o método geométrico; rejeita apenas a pretensão de aplicá-lo a qualquer verdade, em especial às da esfera religiosa. Segundo ele, o método geométrico não tem valor absoluto nem mesmo no reino da ciência, já que os primeiros princípios dela não são claros e distintos, mas confusos e obscuros; eles são aprendidos mais pelo coração do que pela razão. (11) Em conclusão, o erro de Descartes consiste em ter exagerado o fator intelectivo (negligenciando completamente o fator afetivo) e a importância da razão e da especulação (subestimando a contribuição do coração).

1. O presente paper é um dos textos básicos dos Seminários "Ciência, Filosofia & Metodologia" que a cadeira de Metodologia Científica da FZEA-USP promove no campus de Pirassununga.
2. Em 1644, Torricelli havia efetuado sua célebre experiência de tubo com mercúrio. Schurmann, Paul F. Historia de La Física, 1946.
3. Os antigos acreditavam que a natureza teria "horror ao vácuo". Qualquer situação em que surgisse o vácuo seria um estado de desequilíbrio, e a natureza imediatamente alteraria o sistema, de forma a acabar com o vácuo. Segundo essa visão que até hoje subsiste no senso comum, o vácuo teria a capacidade de "puxar" os objetos. Chiqueto, M. J.; Valentim, B.; Pagliari, E. Aprendendo Física 1. 1996.
4. Este era um resultado razoável pois, quanto maior for altitude do local, mas rarefeito será o ar e menor será a espessura da atmosfera que está atuando na superfície do mercúrio. In: Máximo, A.; Alvarenga, B. Curso de Física. 1997.
5. O próprio triângulo tinha mais de 600 anos, mas Pascal descobriu algumas propriedades novas. Boyer, C. B. História da Matemática.1974.
6. Trata-se do jornalista Arnauld que foi condenado por sua obra. Pascal entra na polêmica instituída em defesa do jornalista e publica a Primeira Provincial.
7. Pascal considerava o jesuitismo um "simplificador" da religião, responsável pela substituição da angústia metafísica pela observância automática dos ritos.
8. Essa passagem é citada por Ch. M. des Granges na introdução de Pensamentos, traduzido por Sérgio Milliet e publicado em 1966. "...talvez parte da sugestão e do encanto das Pensées resida precisamente em sua fragmentariedade: em ser rajadas luminosíssimas ou ainda um grande feixe de luz intensa. São fragmentos de alma, estandartes de vida intensamente espiritual e religiosa, quase como parte de um longo e apaixonado rosário. As Pensées sempre me trouxeram a imagem de uma grande alma solitária e ardentemente mística, absorta em uma longa e silenciosa oração que quando alcança o cume da elevação e de amor, rompe o silêncio e se expressa com acentos lapidares, inconfundíveis, para recolher-se depois no êxtase inefável. (Sciacca, 1955, p.158)
9. Pascal disse: Quando comecei o estudo do homem, vi que estas ciências abstratas não são próprias do homem e que eu me encontrava mais fora de minha condição ao penetrá-las que os outros a ignorá-las. Perdoei esta ignorância, mas acreditei ter encontrado ao menos muitos companheiros no estudo do homem, que o no estudo verdadeiramente adequado. Me enganei; existe menos gente que se interesse disto que de geometria. E Sciacca (1955) comenta: "Sem dúvida, o estudo do homem não exclui o da geometria, nem este é antitético do primeiro. Pascal não gosta da geometria que no seu estudo se desinteressa do homem... Para falar com franqueza sobre a geometria, a considero o exercício mais nobre da mente; mas ao mesmo tempo a reconheço tão inútil que vejo pouca diferença entre um homem que  se dedique a geometria e um hábil artesão. só está em evidência porque confirma a convicção de Pascal de manter-se longe da pura geometria, de criticar o "geometrismo" como modelo de puro racionalismo; e por outro lado, de manter-se fiel a "geometria cristã", que nos números, e nas dimensões, no tempo e no espaço vê uma perspectiva da natureza, um reflexo da vida do homem e por isto uma mensagem da verdade cristã, cantada, em silêncio, pelo coração."
10. O ateísmo é a loucura da razão elevada a norma de vida, a lei do bem e da verdade: é a loucura do pecado que presume negar a loucura da Cruz. Mas no erro não existe paz: a alma não se aquieta. Quanto mais se esforça o homem em atrair tudo para si mesmo, mais se perde e mais se estranha." Algo semelhante disse S. Agostinho nas Confissões (1,1,1): ...nos fizestes para Vós e o nosso coração não descansa enquanto não repousar em Vós.
11. "A razão está dominada pela imaginação, mestra de erros e falsidades, e que nos engana precisamente porque o seu engano não é sempre o mesmo. Ela possui o grande dom de persuadir os homens. Por outra parte, a razão tem uma voz agradável, mas é incapaz de dar um preço as coisas. A imaginação não pode fazer sábio aos néscios, mas os faz felizes; ao contrário da razão, que não pode fazer mais que desgraçados aos seus amigos; por um lado os cobre de glória, outras de vergonha."(Sciacca, 1955, p.174)
 
Ao método geométrico de Descartes (esprit de géometrie), Pascal opõe o método afetivo (esprit de finesse); às idéias claras e distintas, as idéias emcionantes; à precisão da razão, o entusiasmo do coração. (Mondin, 1981). Pascal ao falar sobre o coração na sentença: "O coração tem razões que a própria razão desconhece", não se refere exatamente aos sentimentos, mas sim a um tipo peculiar de inteligência. (Gomiero, 1998) (12). O coração está na fonte dos conhecimentos humanos de maior valor, conhecimentos que a razão não pode compreender nem justificar: as verdades da moral, da religião e da filosofia. À razão pertencem os conhecimentos científicos.

Ponto de Partida da Apologética de Pascal

          O mecanismo e o racionalismo haviam esvaziado a noção de mundo físico, as de bem e de mal e a necessidade de o homem encontrar um apoio exterior a ele. "Para Pascal, esse ponto de apoio não estaria situado nem na natureza física, nem na natureza humana (razão), mas em Jesus Cristo (13). Desse modo, somente a religião daria respostas plenamente satisfatórias as questões colocadas pela condição humana." (Gomiero, 1998).
          O ponto de partida da apologética de Pascal (ou seu cogito) é a constatação da dualidade da natureza humana: o homem é um amontoado de misérias e de grandezas. Um rei sem trono, mas sempre um rei. Um caniço, mas um caniço pensante. O homem é um complexo de bem e de mal, digno ao mesmo tempo de respeito e de desprezo. (14) Ao dualismo cartesiano de pensamento e extensão, Pascal opõe o dualismo de grandeza e miséria. À dúvida metódica de Descartes opõe uma desconfiança total na razão, no tocante à salvação eterna, que "não se encontra fora das vias ensinadas no Evangelho. (...) Que não se conserva senão pelas vias ensinadas no Evangelho. (...) Submissão completa a Jesus Cristo (...)." (Mondin, 1981). (15)
          A razão pode, sem dúvida, tomar conhecimento da dualidade que dilacera a vida humana até em suas manifestações mais íntimas, mas não pode fazer nada para superá-la. Somente a fé cristã pode explicar ao homem a origem desta ruptura e dar-lhe a graça de saná-la (16). Com isso Pascal não quer afirmar que a razão não tenha nenhum valor. Ele não ensina o fideísmo, como se vê claramente pelo uso freqüente que faz de argumentos racionais para defender o cristianismo. Ele prova, por exemplo, a verdade do cristianismo mostrando que o dogma do pecado original é a única explicação suficiente para todos os males que afligem a humanidade. Prova, em outro lugar, a existência de Deus, aplicando a ela o cálculo das probabilidades.(17) O argumento, em resumo, soa assim: "ninguém pode evitar o dilema: ou Deus existe ou não existe. É um problema que diz respeito à vida, não um problema puramente especulativo, uma vez que é necessário agir ou como se Deus existisse ou como se não existisse. (18) A neutralidade é impossível: É necessário apostar; não está em nosso arbítrio; somos obrigados; que alternativa escolhemos?" (Pascal, 1966).
          Consideremos o dilema como um jogo no qual sairá cara ou coroa. "Em qual apostaremos?" Segundo a razão, não se pode apostar nem em uma nem em outra porque, segundo a razão, nenhuma das alternativas pode ser excluída. Apostaremos na que corresponde melhor aos nossos interesses. "Admitamos que Deus exista. Que coisa nos arriscaremos a perder se viveremos como se Deus existisse? Os prazeres e os bens do mundo, isto é, bens finitos. Que coisa ganharemos? Um bem infinito." Então, se ganharmos, ganharemos tudo, e se perdermos, não perderemos nada. (19) Só nos resta, pois, apostar sem hesitação que Deus existe. Mesmo que se admitissem infinitas possibilidades negativas contra uma só favorável, ainda seria melhor apostar na existência de Deus, porque se tem pela frente uma eternidade de vida e de felicidade. Mas, na realidade, as probabilidades são finitas e o que se arrisca é finito em face de uma infinidade de vida infinitamente feliz. (20) "Isto encerra o jogo: quando se trata do infinito e quando não existe infinidade de probabilidades de perda contra as de ganho, não há igualdade: convém dar todos os bens deste mundo pela vida eterna." (Mondin, 1981).
          Deste argumento e do tom geral da filosofia de Pascal segue-se que, mais do que opor a razão ao coração, ele quer integrar a razão com o coração; mais do que negar valor à demonstração, ele deseja completar a demonstração dialética com a dedutiva.
         
Alguns "Pensamentos"

"Digo em verdade que se todos os homens soubessem o que dizem uns dos outros, não haveria quatro amigos no mundo. Isso se vê pela querelas que provocam as indiscrições ocasionais."
Os homens têm um grande defeito: falar demais. Faz uso do que "acha" ou sabe sobre o outro para fofocar, intrigar ou até mesmo difamar o mesmo. Se se soubesse o que os outros dizem, não haveria a amizade.

"Contrariedade - O homem é naturalmente crédulo, incrédulo, tímido, temerário."
"Descrição do homem - dependência, desejo de independência, necessidade."
"Condição do homem - inconstância, tédio, inquietação."
O homem é um ser muito complexo, inconstante. É um ser tão miserável que não consegue saber o que é e o que quer.

"Divertimento - Não tendo conseguido curar a morte, a miséria, a ignorância, os homens lembraram-se, para ser felizes, de não pensar nisso tudo."
O homem vendo que é incapaz de solucionar todos os problemas e que isso o aborrece, para ser feliz ignora-os.

"Que cada qual examine os seus pensamentos, e os achará sempre ocupados com o passado e com o futuro. Quase não pensamos no presente; e, quando pensamos é apenas para tomar-lhe a luz a fim de iluminar o futuro. O presente não é nunca o nosso fim; o passado e o presente são os nossos meios; só o futuro é o nosso fim. Assim, nunca vivemos, mas esperamos viver, e, dispondo-nos sempre a ser felizes, é inevitável que nunca o sejamos."
O homem está tão preocupado com o passado e com o futuro que esquece de viver o presente. Esquece também que o passado não pode ser mudado. E que se o presente não for vivido como se deve, alterará o futuro.

"A sabedoria envia-nos à infância. Se não vos converterdes e não tornardes crianças não entrareis no reino dos céus."
"Quanto é difícil propor uma coisa ao julgamento de outra pessoa sem corromper-lhe o julgamento pela maneira pela qual a propomos."
O homem ao propor uma coisa ao julgamento de outro narra o fato sob o seu ponto de vista, por mais que queira se manter indiferente.

"Quando se lê depressa ou muito devagar, não se entende nada."
Ao ler muito rápido não há concentração para interpretar o que se lê. Ao ler muito devagar presta-se mais atenção no significado de cada palavra e não do conjunto como um todo

Comentários finais

          O gênio Blaise Pascal apresenta uma obra científica fragmentada e inacabada. Esbanjando magnificamente seu gênio, Pascal se limitou a apontar caminhos novos, que imediatamente abandonava. Seus sucessores, tais como Leibniz, percorreram-nos deslumbrados. Pascal foi sem dúvida o maior "poderia-ter-sido" da história da matemática: no entanto é um dos elos importantes no desenvolvimento da matemática.
          Após a sua conversão, Pascal passou a dedicar-se mais à reflexões filosóficas e teológicas. Suas obras nessa área (Pensamentos e as Provinciais) são temas de debate nas academias e congregações religiosas até hoje.
          Pascal em sua filosofia não quis opor a razão ao coração, e sim integrar ambos. E acreditava também ser a religião a única a dar respostas as questões colocadas pela condição humana.

12. "Nascemos com um traço de amor em nossos corações, que se desenvolve na medida em que o espírito se aperfeiçoa e que nos leva a amar o que nos parece belo sem que jamais nos tenha dito o que é. Além disso, o amor e a razão não são opostos, porqueo amor e a razão não são mais que a mesma coisa. Quanto maior o espírito, maiores as paixões."
13. "A verdade de Deus não pertence a pura ordem geométrica nem a pura ordem física; o Deus vivo não é uma proposição nem um fenômeno. Deus deve ser sentido, e é o coração quem sente a Deus, não a razão. Esta é a fé: Deus sensível ao coração, não a razão (cf. Pensée, 278). Isto é, Deus não é sensível a razão geométrica dos matemáticos e dos dogmáticos, senão a razão concreta, ao pensamento que também é coração. Pascal se opoe totalmente a uma interpretação sentimentalista ou fideista do problema de Deus. Por outro lado, é necessário não esquecer que Pascal se volta ao ateu e quer persuadi-lo. É possível persuadir o ateu com os argumentos racionais? Não. É necessário que o ateu esteja disposto a recebê-los, que deseje a Deus." (Sciacca, 1955, p.226)
14. Neste ponto, Pascal reconhece que A grandeza do pensamento reside na consciência da própria miséria. O homem sabe que é miserável: é pois miserável em quanto tal, mas é sublime porque o sabe. O homem é grande porque se reconhece desgraçado. (cf. Schurmann, 1946)
15. "Este é o cristianismo defendido por Pascal: Deus consola com a dor, cura com o ferro e o fogo, desperta ao toque da trombeta, sacode com a guerra interior. O homem que não está em guerra consigo mesmo está em guerra com Deus, porque está em paz com o pecado. A guerra que fere nossa consciência é o sinal da graça divina; Deus nos chama e o mundo nos retém. A boa vontade do homem e a graça divina colaboram para que o desapego seja completo e alegre. Desde o cume da fé, não entre as ataduras e as leis mortais da sociedade humana, fundamentada na imaginação enganadora e na outra concupiscência, nos amamos e já não nos odiamos a nós mesmos: amamos aos outros homens e não nos afastamos deles. Se realiza o milagre da solidão cristã, a única que é comunhão de espíritos, a única povoada de caridade."(Sciacca, 1955, p.214)
16. Para Pascal A fé é dom de Deus; jamais afirmaremos que é um dom da razão (cf. Pensée 279). "Para que Deus exista por convicção racional é necessário que inexista pelo movimento do coração que o busca. Deus está escondido não só para a razão, como também para o coração. (Sciacca, 1955, p.227)
17. "O argumento da aposta vê chegado ao seu tempo quando se coloca o dilema entre o Deus do catolicismo e o nada. O argumento é uma aplicação do cálculo da de probabilidades ao problema da existência de Deus. Assim, pois, se move no âmbito da lógica matemática." (Sciacca, 1955, p.242)
18. Somente dois tipos de pessoas podem ser razoáveis: as que servem a Deus com todo o coração porque o conhecem e as que o buscam com todo o coração porque não o conhecem. (Pensamentos, 194) "É vão tentar provar a existência de Deus com as obras da Natureza. Quem crê, quem tem viva no coração a fé, vê claramente que tudo que existe é unicamente obra de Deus. Mas em quem se encontra apagada a luz da fé, ausente a graça, ainda empregando toda sua inteligência na busca de algo que possa conduzi-los ao conhecimento de Deus, não encontram na natureza mais que escuridão." (Sciacca, 1955, p.225)
19. "Por isto, o finito se anula ante o infinito, se faz o puro nada. Assim ocorre com nosso intelecto diante de Deus, e assim com nossa justiça diante da justiça divina. Sabemos que existe um infinito, mas ignoramos sua natureza. Sabemos que existe, mas não o que é. Do mesmo modo se pode saber que existe um Deus, sem saber o que é. Graças a fé conheceremos no céu a sua natureza. Por isto Deus é "infinitamente incompreensível." Quem poderia empreender a solução de um problema semelhante?" (Sciacca, 1955, p.242-242).
20. O convite está feito, o desafio proposto: "Aposte pois, o libertino e esteja seguro de que em qualquer caso não ficara desiludido. A cada novo passo que deres por este caminho, descobrireis cada vez maior probabilidade de vencer, e cada vez mais a nulidade de tudo que arriscais: finalmente reconhecereis ter apostado por algo certo, infinito, em troca do qual não ofereceste nada." (Sciacca, 1955, p.255)

Referências Bibliográficas

Anônimo Compton’s Interactive Encyclopedia verbete Richelieu. Compton’s New Media, Inc. 1994.
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Schurmann, P. F. História de la Fisica. Buenos Aires : Nova Buenos Aires.1946, p.491-492.
Sciacca, M.P. Pascal. Barcelona : Luis Miracle, 1955. 256p.

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