50 filósofos
contemporâneos
A lista abaixo foi idealizada
pela editora Didáctica, de Portugal. Ela reúne uma breve biografia dos
principais filósofos que viveram no século 20.
.
G. E. M. Anscombe (1919-2001)
Filósofa inglesa. Formou-se no
St. Hughes College de Oxford, onde estudou literaturas clássicas e filosofia
(Greats). Anscombe licenciou-se em 1941, ano em que se casou com o filósofo P.
T. Geach. Tornou-se Research Fellow do Sommerville College em 1946, permanecendo
como tutor até 1970, quando se tornou professora em Cambridge, reformando-se em
1986. As suas obras combinam uma preocupação aristotélica com a verdadeira
natureza dos fenómenos da mente e da moral, com a atenção à linguagem
característica da filosofia de Oxford do pós-guerra. As suas obras incluem Intention (1957) e An
Introduction to Wittgenstein’s Tractatus (1959). A sua tradução das
Investigações Filosóficas (1953) de Wittgenstein é um marco da filosofia
moderna. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
A. J. Ayer (1910–89)
Filósofo inglês e intelectual de
esquerda. A sua exposição aos positivistas lógicos produziu o cintilante e
iconoclasta Language, Truth and Logic (1936, trad. Linguagem, Verdade e Lógica,
1991), que apresentou o positivismo ao público mais vasto de língua inglesa.
Seguiu-se-lhe The Foundations of Empirical Knowledge em 1940. The Problem of
Knowledge (1956) foi uma introdução à epistemologia que exerceu uma grande
influência. Nos últimos anos, Ayer voltou-se cada vez mais para a história da
filosofia, escrevendo livros sobre Moore e Russell, o pragmatismo, Hume e
Voltaire. A sua filosofia estava imbuída do empirismo de Hume e da lógica de
Russell e herdou tanto os pontos fortes como os pontos fracos desses
pensadores. Ayer teve também um papel proeminente na vida política da
Grã-Bretanha, escrevendo para um público mais vasto, e abraçou uma quantidade
de causas liberais com uma elegância e um humor notáveis. (In Dicionário de
Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Ruth Barcan Marcus (n. 1921)
Ruth Marcus é uma conhecida
pioneira da lógica modal, a lógica que formaliza as noções filosóficas de
possibilidade e necessidade. Marcus, cujo nome de solteira é Ruth Barcan,
desempenhou um papel fundamental na exploração das logicas modais com
quantificadores e na avaliação das implicações filosóficas de misturar a
modalidade com a quantificação. Uma fórmula muito conhecida da lógica modal
quantificada, a fórmula de Barcan, tem o seu nome; numa das versões, afirma que
se tudo tem necessariamente uma certa propriedade, então é uma verdade
necessária que tudo tem essa propriedade. Marcus trabalhou também muito noutras
áreas da lógica, sendo de destacar o seu trabalho sobre a interpretação
substitucional dos quantificadores, uma abordagem na qual os quantificadores
não quantificam sobre objectos correntes mas sim sobre símbolos linguísticos
(de uma linguagem formal prescrita), o que produz exemplificações de
substituição verdadeiras. Bibliografia:
R. Marcus, Modalities: Philosophical Essays (Oxford, 1993). (In The Oxford
Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Isaiah Berlin (1909–97)
Filósofo político e historiador
britânico. É especialmente conhecido na filosofia política pela distinção entre
liberdade negativa e positiva, delineada em Two Concepts of Liberty (1959). A
distinção é a seguinte: embora qualquer afirmação acerca da liberdade tenha de
especificar tanto o que alguém é livre de fazer (liberdade positiva) como
aquilo de que se está livre ao fazê-lo (liberdade negativa), diferentes
filosofias políticas dão mais importância a uma do que a outra. Assim, o
liberalismo insiste na ausência de constrangimentos legais e sociais, ao passo
que as teorias idealista e hegeliana sublinham que os tipos mais importantes de
liberdades e de oportunidades só podem existir numa sociedade estruturada, de
modo que os constrangimentos associados à emergência dessas sociedades podem
ser um meio necessário para atingir os melhores fins. Berlin também se tem oposto
vivamente à concepção marxista da história — não-valorativa e historicista —,
principalmente em Historical Inevitability (1954). (In Dicionário de Filosofia,
de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Simon Blackburn (n. 1944)
Professor na Universidade de Cambridge,
no Reino Unido, é conhecido pela sua defesa do quase-realismo sobre itens cuja
realidade tem sido muito disputada — por exemplo, valores, causas e números.
Quanto aos valores, defende que o impacto na mente do mundo percepcionado,
juntamente com as crenças formadas em seu resultado, geram hábitos, emoções,
sentimento e atitudes que acabam por ser projetadas no mundo e ser encaradas
como propriedades reais desse mundo; assim os compromissos de aprovação ou
desaprovação tornam-se juízos com valores de verdade. E isso é correto, dado
que os valores são supervenientes relativamente às propriedades naturais.
Assim, tais juízos não são nem meras expressões de sentimentos subjetivos nem
verdades que se verifiquem independentemente das atitudes humanas. Não devemos
assim ser nem antirrealistas nem realistas com respeito aos valores; a postura correta
é o quase-realismo. Bibliografia:
Simon Blackburn, Spreading the Word (Oxford, 1984); Simon Blackburn, Essays in
Quasi-Realism (Oxford, 1993). (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford
University Press, 1995.)
Ned Block (n. 1942)
Filósofo americano, conhecido
sobretudo pelo seu trabalho sobre imagens e as suas objecções criativas ao behaviorismo
e funcionalismo. Considere-se um computador que joga xadrez e no qual todas as
posições possíveis tenham sido armazenadas na memória, juntamente com uma boa
jogada que o computador faz automaticamente se essa posição aparecer. O elevado
padrão de jogo do computador dificilmente se poderia atribuir à sua inteligência.
Block descreve um programa análogo (ainda mais afastado da possibilidade
prática) para um robô. Teria as capacidades comportamentais de uma pessoa
inteligente, mas “a inteligência de uma torradeira”. Se a sua impossibilidade
prática pode ser afastada, parece um contraexemplo ao behaviorismo. Contra o
funcionalismo Block usa exemplos analogamente engenhosos para sublinhar os
problemas levantados pelas alegadas possibilidades de “qualia” transpostos e
ausentes. Os funcionalistas respondem que o seu raciocínio é uma petição de
princípio. Bibliografia: N.
Block, “Troubles with Functionalism”, excerto reimpr. in Mind and Cognition,
ed. W. G. Lycan (Cambridge, Mass., 1990). (In The Oxford Companion to
Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Rudolf Carnap (1891–1970)
Positivista lógico alemão. Carnap
exerceu provavelmente mais influência do que qualquer outro filósofo que tenha
combinado um empirismo básico com os instrumentos lógicos fornecidos por Frege
e Russell, e é na sua obra que os resultados (e as dificuldades) principais do
positivismo lógico melhor transparecem. A sua primeira obra importante foi Der
logische Aufbau der Welt (1928, trad. ing. The Logical Structure of the World,
1967). Esta obra fenomenista procura uma redução de todos os objectos do
conhecimento, gerando classes de sensações, ligadas por uma relação primitiva
de recordação de semelhança. Esta é a base solipsista da construção do mundo
exterior, embora mais tarde Carnap tenha resistido à aparente prioridade
metafísica que assim é dada à experiência. A sua hostilidade à metafísica cedo
se transformou na perspectiva positivista típica segundo a qual as questões
metafísicas são pseudoproblemas. As críticas de Neurath mudaram os interesses
de Carnap, que passou a defender a unidade das ciências, sendo os conceitos e
as teses das ciências particulares passíveis de serem traduzidas no vocabulário
físico básico, cujas proposições protocolares não descrevem a experiência, mas
antes qualidades de pontos no espaço-tempo. Na obra Logische Syntax der Sprache
(1934, trad. ing. The Logical Syntax of Language, 1937), Carnap procurou
clarificar as estruturas da linguagem matemática e científica (a única tarefa
legítima da filosofia científica). A obra Meaning and Necessity (1937) contém
refinamentos das suas teorias sintáticas e semânticas, acabando Carnap por
enfraquecer definitivamente a ideia original de redução em 1950, com The
Logical Foundations of Probability — a obra mais importante da teoria da
confirmação. As suas outras obras tratam da estrutura da física e do conceito
de entropia. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Avram Noam Chomsky (n. 1928)
Linguista, filósofo e ativista
político americano. O seu livro Syntactic Structutures (1957, trad. Estruturas
Sintáticas, 1980) é geralmente considerado o mais significativo contributo para
a linguística teórica da segunda metade do século XX. Chomsky acredita que a
rapidez com que as crianças adquirem o domínio da sua língua materna não pode
ser explicada pelas teorias da aprendizagem, implicando antes o reconhecimento
de que existe uma disposição inata da mente, uma gramática não aprendida, inata
e universal. Essa gramática fornece os tipos de regras que a criança
reconhecerá como subjacentes aos exemplos de produções linguísticas com que é
confrontada. Em vocabulário computacional isto quer dizer que se a criança não
viesse equipada com o tipo adequado de suporte lógico ou software, não poderia
apreender a gramática de uma língua tão bem como o faz. Cartesian Linguistics
(1966) explicita as implicações antiempiristas e racionalistas desta ideia.
Críticos como Ryle acusam o argumento de prestar demasiado pouca atenção à
importância da imitação e da prática no processo de aprendizagem, e de procurar
preencher o vazio apenas com “nuvens de glória biológica”. Para além da
linguística, Chomsky tornou-se conhecido pela sua oposição à guerra do
Vietname, tendo sido na altura, entre os académicos, o principal crítico do
governo dos Estados Unidos. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn.
Gradiva, 1997.)
Donald Davidson (1917–2003)
Filósofo americano. As suas obras
têm exercido uma grande influência na filosofia da mente e da linguagem na
segunda metade do século XX. Davidson introduziu na filosofia da mente a
posição conhecida por monismo anómalo, provocando um vigoroso debate sobre a
relação entre as descrições mentais e físicas de pessoas, e sobre a
possibilidade de uma explicação genuína de acontecimentos em termos de
propriedades psicológicas. Davidson prosseguiu, alargando, os estudos de Quine
sobre a linguagem, concentrando-se na interpretação radical, argumentando que o
método de interpretar uma linguagem pode ser concebido como uma construção de
uma definição de verdade ao estilo de Tarski, na qual se torna clara a
contribuição sistemática dos elementos das frases para o seu significado
global. A construção faz-se no contexto de uma teoria, em geral holista, do
conhecimento e do significado. Um intérprete radical pode dizer quando um
sujeito toma uma frase como verdadeira, e, usando o princípio de caridade,
acaba por atribuir condições de verdade às frases individuais. Apesar de
Davidson ser um defensor das doutrinas da indeterminação da tradução radical e
da inescrutabilidade da referência, muitos filósofos acharam que a sua
abordagem oferece alguma esperança de identificar o significado como uma noção
respeitável, mesmo no âmbito de uma perspectiva em geral extensional da
linguagem. Davidson é também conhecido por rejeitar a ideia de um esquema conceptual
concebido como algo peculiar a uma linguagem, ou a uma maneira de ver o mundo,
argumentando que onde pára a possibilidade da tradução, pára também a coerência
da ideia de que há algo a traduzir. Os seus artigos estão reunidos em Essays on
Actions and Events (1980) e em Inquiries into Truth and Interpretation (1983).
(In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Daniel Dennett (n. 1942)
Filósofo da mente americano.
Dennett estudou em Harvard e Oxford, e ensina hoje na Universidade de Tufts. A
sua concepção da compreensão que temos uns dos outros, em termos de tomar uma
“postura intencional”, útil para a previsão e para a explicação, tem sido muito
discutida. O debate diz respeito à questão de saber se é útil tomar essa
posição em relação a objectos inanimados, e se a concepção faz verdadeiramente
justiça à existência real de estados mentais. Dennett tem sido também um dos
maiores exemplos de como a filosofia da mente precisa de estar informada sobre
os resultados das ciências que a rodeiam. Algumas das suas obras são Content and Consciousness(1969), Brainstorms
(1978), Elbow Room (1984), The Intentional Stance (1987) e Consciousness
Explained (1991). (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn.
Gradiva, 1997.)
Jacques Derrida (1930–2004)
Pós-modernista francês e líder do
movimento desconstrutivista. A noção de desconstrução foi apresentada pela
primeira vez na Introdução à sua tradução de 1962 da Origem da Geometria de
Husserl. Derrida privilegia os aspectos retóricos inconscientes dos textos,
argumentando que a atenção aos pormenores irrelevantes subverte muitas vezes as
principais doutrinas de um texto; o processo de desconstrução consiste em
mostrar como a mensagem ostensiva de um autor é minada por outros aspectos da
sua formulação. Em De la Gramatologie (1967, trad. ing. Of Grammatology,1976),
Derrida argumenta contra o “fonocentrismo” que privilegia a linguagem falada em
detrimento da escrita, imaginando que a presença do autor proporciona um ponto
fixo para o significado e a intenção. Este desejo de um “centro” dá origem a
oposições familiares (sujeito/objeto, aparência/realidade, etc.), que é
necessário rejeitar. Em vez delas, a infindável possibilidade de interpretar e
reinterpretar abre um horizonte que se afasta, no qual o significado é
infindavelmente diferido, embora o leitor, tanto como o autor, seja o criador
de qualquer significação provisória que se acabe eventualmente por encontrar. A
obra de Derrida emerge da tradição de Husserl e de Heidegger. (In Dicionário de
Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
John Dewey (1859-1952)
Educador, reformador social e
filósofo do pragmatismo americano. Foi influenciado por Hegel, e os seus textos
nunca perderam o entusiasmo pelo que é dinâmico, vital e progressivo. A sua obra
assumiu uma tendência mais prática quando, em 1894, se tornou director do
departamento de filosofia, psicologia e educação de Chicago. Permaneceu aí dez
anos, até que se mudou para Colúmbia, onde o Journal of Philosophy se
transformou em grande parte numa revista local para as discussões de Dewey e
sobre Dewey. A sua obra enquanto psicólogo e pensador da educação cristalizou
uma reação contra as práticas educativas do seu tempo, excessivamente rígidas e
formais. Dewey percebeu que a criança é uma criatura ativa, exploradora e
inquisitiva, e por isso a tarefa da educação consiste em alimentar a
experiência introduzida pelo conhecimento e pelas aptidões naturais. A enorme
influência de Dewey ficou a dever-se mais à sua capacidade para elucidar o
carácter progressista da América do seu tempo (a nível pragmático, científico e
democrático), do que a uma argumentação filosófica técnica e precisa. No
entanto, o seu desenvolvimento do pragmatismo de James e Peirce ainda hoje é
influente. Na sua opinião, a investigação é um processo que se corrige a si
mesmo, conduzido num contexto histórico e cultural específico, e não precisa de
encontrar um fundamento na certeza ou no “dado”. O conhecimento é apenas aquilo
que se encontra garantido pela investigação. Dewey exprimiu as suas ideias numa
torrente de livros e artigos: a bibliografia centenária da sua obra contém mais
de cento e cinquenta tomos. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn.
Gradiva, 1997.)
George Dickie (n. 1926)
Dickie é um dos mais importantes
filósofos da arte da atualidade. Nasceu na Florida e é Professor na
Universidade de Illinois, Chicago. Publicou vários livros sobre teoria
estética, história da estética e filosofia da arte. No domínio da teoria
estética é muito conhecida a sua crítica da noção de experiência estética,
herdada de Kant, de acordo com a qual o desinteresse é a sua marca distintiva. No âmbito da história da estética,
publicou The Century of Taste: The Philosophical Odyssey of Taste in the
Eighteenth Century (1996). Quanto à filosofia da arte, destaca-se Art
and the Aesthetic: An Institutional Analysis (1974), obra na qual retoma a sua
crítica das definições essencialistas da arte, inicialmente apresentada no
ensaio “Defining Art”, de 1969, e onde defende uma das mais discutidas versões
da chamada “teoria institucional” da arte. Em The Art Circle: A Theory of Art
(1984), responde às mais importantes objecções a esta teoria, acabando por
reformular a sua versão original. Escreveu também sobre os problemas da
avaliação e do valor da arte, nomeadamente Evaluating Art (1988) e Art and
Value (2001), respectivamente. É ainda autor de uma excelente introdução à
estética: Introduction to Aesthetics: An Analytic Approach (1997). (In Textos e
Problemas da Filosofia, org. de Aires Almeida e Desidério Murcho. Lisboa:
Didáctica Editora, no prelo.)
Ronald Dworkin (n. 1931)
Filósofo do Direito, de
nacionalidade americana. É conhecido pela sua defesa do “realismo legal”, que
aqui significa o lugar integral que as considerações morais e pragmáticas têm
nos processos de tomada de decisões legais, em oposição ao que ele vê como a
sua exclusão pelo positivismo legal. Liberal e democrata, Dworkin baseia os
direitos constitucionais num direito fundamental de todas as pessoas à
igualdade de consideração e respeito. A defesa da discriminação positiva (o que
pode ser difícil de aceitar para aqueles que não são aceites em escolas, ou em
empregos, em virtude dessas estratégias — mas o “direito a ser tratado como
igual” não implica um direito ao mesmo tratamento) é uma das aplicações desse
direito fundamental. Por outro lado, Dworkin defende outras liberdades, tais
como o direito de produzir e de consumir pornografia, contra a objecção de que
a sua existência revela a ausência de igualdade de consideração e respeito
pelas mulheres. Taking Rights
Seriously (1977), A Matter of Principle (1985), Law’s Empire (1986) e Life’s
Dominion: An Argument about Abortion, Euthanasia, and Individual Freedom (1993)
são alguns dos seus livros. (In Dicionário de Filosofia, de Simon
Blackburn. Gradiva, 1997.)
Michael Dummett (n. 1925)
Filósofo da lógica e da linguagem
inglês. Dummett tem sido um dos filósofos ingleses mais influentes da segunda
metade do século XX. A sua obra centra-se na filosofia da linguagem e na
filosofia da matemática e ostenta uma simpatia óbvia pelos ideais
verificacionistas e construtivistas. Manteve acesa, quase sozinho, a chama do
intuicionismo como algo filosoficamente interessante, ao mesmo tempo que as
suas robustas obras sobre filosofia da linguagem inspiraram um interesse
contínuo na relação entre os dados, ou a assertividade, por um lado, e a
verdade, por outro. Dummett é igualmente conhecido por reavaliar sem cedências
a tradição ocidental, encarando as obras anteriores ao aparecimento da
filosofia analítica como fatalmente deficientes por terem assumido a
epistemologia como fundamental, ao passo que a abordagem correta, que dá um
papel fundacional à preocupação pela linguagem, só ganhou destaque com a obra
de Frege. Os críticos têm discutido se, sendo assim, o pensamento de Frege terá
nascido “órfão de interferências externas”, objetando ainda que em Platão e
Aristóteles, na escola Nyãya de filosofia indiana e em muitos outros, há mais
do que uma preocupação passageira com o significado. Além disso, a investigação
supostamente pura da linguagem no século XX tem muitas vezes mantido uma
proximidade dúbia com a epistemologia e a metafísica. As obras de Dummett
incluem Frege: Philosophy of Language (1973), e as coletâneas de ensaios Truth
and Other Enigmas (1978) e The Seas of Language (1994). Interesses bastante
diferentes encontram-se em The Game of Tarot (1980), onde esse jogo é explorado
com o fim de desacreditar o que, segundo Dummett, são as teorias irracionais e
a pseudo-história dos ocultistas, assim Style and Grammar (1993), onde se
explica a maneira correta de escrever com lucidez. (In Dicionário de Filosofia,
de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Michel Foucault (1926–84)
Historiador e filósofo francês. A
sua obra bastante diversificada — entre a história, a filosofia, a psicanálise
e a linguística — foi extraordinariamente influente, levantando novas questões
quanto ao carácter histórico das categorias da experiência social. Foucault
interessava-se especialmente pela utilização da razão e da ciência como
instrumentos de poder, em domínios como a criminologia e a medicina. A sua
primeira obra, Folie et déraison (1961, trad. ing. Madness and Civilization,
1965), fazia um levantamento das atitudes ocidentais para com a loucura, e teve
uma influência determinante no diagnóstico daquilo que, apesar de poder parecer
constituir um avanço progressista e humano no tratamento, constituía afinal um
aspecto do aumento do controlo social e político. Les Mots et les choses (1966,
trad. As Palavras e as Coisas, 1966), L’Archeologie du savoir (1969, trad. ing.
The Archaeology of Knowledge, 1972), Surveiller et punir (1975, trad. ing.
Discipline and Punish, 1977) e os três volumes da Histoire de la sexualité
(1976–88, trad. História da Sexualidade, 1994), cujos volumes finais foram
terminados imediatamente antes da sua morte, são algumas das suas últimas obras
posteriores. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Hans-Georg Gadamer (n. 1900)
Filósofo alemão. Nasceu em
Marburgo e foi aluno de Heidegger. Começou por ensinar na Universidade de
Marburgo, regendo seguidamente cátedras em Leipzig, Frankfurt e Heidelberga.
Gadamer é famoso pela sua investigação sobre a teoria da interpretação e por
defender aquilo que veio a ser conhecido como a “teoria da resposta do leitor”.
De acordo com esta teoria, o significado de um texto nunca é determinado apenas
por factos acerca do autor e do seu público original; é, de igual modo,
determinado pela situação histórica do intérprete. A metáfora mais usada neste
contexto é a da “fusão de horizontes”, que surge quando o autor, historicamente
situado, e o leitor, igualmente historicamente situado, conseguem partilhar um
significado. Abre-se, assim, a possibilidade de uma reinterpretação e de uma
reavaliação constantes, à medida que diferentes significados forem sendo projetados
para a obra em causa. Esta ideia é, aliás, um elemento fundamental do
pós-modernismo. A obra mais
influente de Gadamer é Warheit und Methode: Grundzüge einer philosophischen
Hermeneutik (1960, trad. ing. Truth and Method, 1975). Excertos selecionados
dos seus ensaios críticos estão reunidos na antologia inglesa Philosophical
Hermeneutics (1976). (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva,
1997.)
Nelson Goodman (1906–1998)
Filósofo americano. Goodman está
associado a um nominalismo extremo, ou seja, uma desconfiança em relação a
qualquer apelo a uma noção de semelhança entre duas coisas, quando isto é
concebido como algo independente das nossas propensões linguísticas para lhes
aplicar o mesmo termo. A sua primeira obra, The Structure of Appearance (1951)
é um desenvolvimento do programa reducionista do Aufbau, de Carnap. Nas suas
obras mais recentes tem expresso o que parece ser um idealismo radical, expondo
a ideia de que existem tantas «versões» ou «mundos» quantas as narrativas
humanas e as criações artísticas. As obras mais importantes de Goodman, para
além da referida, são Fact, Fiction and Forecast (1954, trad. Facto, Ficção e
Previsão, 1991) e Ways of Worlmaking (1978, trad. Modos de Fazer Mundos, 1995).
(In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Jürgen Habermas (n. 1929)
Habermas nasceu em Düsseldorf,
estudou em Bona e em Marburgo, após o que exerceu a sua atividade no Instituto
de Investigação Social tornando-se, por fim, professor de filosofia em
Frankfurt. É, atualmente, o representante mais importante da escola de
Frankfurt, e é conhecido pelo seu estudo persistente dos problemas da natureza
da comunicação e da autoconsciência e do seu papel causal na acção social.
Habermas distingue três interesses cognitivos comuns aos seres humanos: o
interesse técnico em conhecer e controlar o mundo à nossa volta, o interesse em
conseguirmos entendermo-nos uns aos outros e em colaborarmos em atividades comuns
e, por fim, o interesse em eliminar distorções na nossa compreensão de nós
mesmos, dando este último origem às ciências críticas. Estes interesses
distintos são um obstáculo ao determinismo económico do marxismo tradicional. Theorie und Praxis: Sozialphilosophische
Studien (1963, trad. ing. Theory and Practice, 1973), Theorie des
kommunikativen Handelns (1981, trad. ing.The Theory of Communicative Action, 2
vols, 1984, 1986) e Der philosophishe Diskurs der Moderne (1985, trad. O
Discurso Filosófico da Modernidade, 1990) são algumas das suas obras. (In
Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Martin Heidegger (1889–1976)
Existencialista e crítico social
alemão. A sua obra mais importante, Sein und Zeit (1927, trad. ing. Being and
Time, 1962) abre caminho à procura do Ser, que caracteriza as suas obras. A
humanidade moderna perdeu a “proximidade e o abrigo” do Ser; já não nos
sentimos à vontade no mundo como o homem primitivo se sentia; a verdade já não
nos é revelada; o pensamento está separado do Ser e apenas um pequeno número de
privilegiados podem ter alguma esperança de recuperar a unidade com o Ser.
Muitos destes temas, em especial a crença na possibilidade de escapar da
metafísica e voltar a uma comunhão autêntica com a natureza independente, eram
lugares-comuns do romantismo alemão, mas a maneira como foram reformulados por
Heidegger cativou a imaginação do século XX. Embora Aristóteles faça da ciência
do Ser o culminar de toda a investigação e o objeto da metafísica, é um tanto
difícil dizer seja o que for acerca do Ser propriamente dito, de modo que o que
o substitui é a consciência que as pessoas têm do seu lugar no mundo ou do que
o mundo é para elas (o seu Dasein), que se torna então o assunto a investigar.
Liberdade, existência no mundo, inautenticidade, angústia, culpa e destino
tornam-se, portanto, os temas principais. Nas últimas obras, Heidegger
inclinou-se para uma espécie de fatalismo histórico, sendo algumas vezes visto
como um herdeiro da tradição de Dilthey. A influência constante de Heidegger
deve-se pelo menos em parte à sua crítica da modernidade e da democracia, que
ele associa a uma falta de respeito pela natureza, considerada
independentemente dos usos que a humanidade lhe dá. (In Dicionário de
Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Richard Jeffrey (1926-2002)
Jeffrey ajudou a desenvolver a
interpretação subjetiva das probabilidades e as abordagens bayesianas à teoria
da decisão e da confirmação. Usando uma maquinaria matemática e lógica
relativamente simples, desenvolveu materiais de Thomas Bayes, Frank Ramsey e
outros dando origem ao que é afinal uma versão do velho sonho de Sexto Empírico
de resolver problemas práticos e teóricos apelando para os nossos próprios
desejos, preferências e impressões subjetivas, sem pressupor qualquer
conhecimento objetivo. As suas contribuições para a epistemologia da ciência
incluem técnicas para calcular a probabilidade de uma hipótese com base em
indícios incertos, e a investigação de problemas que as fotografias e outros
indícios não-proposicionais levantam às teorias da confirmação. Ao popularizar
o uso de árvores semânticas no ensino da lógica introdutória salvou incontáveis
milhares de estudantes de incalculáveis horas de trabalho aborrecido. Era professor em Princeton.
Bibliografia: Richard Jeffrey, The Logic of Decision, 2nd edn. (Chicago, 1983).
(In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Jaegwon Kim (n. 1934)
Autor de inúmeros ensaios
conhecidíssimos sobre metafísica e epistemologia, conhecido sobretudo pelo seu
trabalho pioneiro sobre acontecimentos, conceitos de sobrevivência e relações
psicofísicas. Para Kim os acontecimentos são exemplificações de propriedades
(ou relações) por um objeto (ou conjunto de objetos) num dado momento. Desta
perspectiva, o casamento de Édipo com Jocasta e o casamento de Édipo com a sua
mãe seria o mesmo acontecimento, apesar de Bruto matar César e Bruto apunhalar
César constituírem acontecimentos diferentes. Kim argumenta a favor de uma
forma de materialismo na qual as propriedades mentais são “localmente
redutíveis” a propriedades físicas por meio de leis de correlação próprias da
espécie. O materialismo não redutor, argumenta Kim, cai ou numa posição na qual
as propriedades mentais não desempenham qualquer papel causal (uma forma de
eliminativismo) ou numa posição na qual as propriedades mentais não dependem de
forma significativa das propriedades físicas (uma forma de dualismo). Bibliografia: J. Kim, “Events as
Property Exemplifications”, in M. Brand and D. Walton (orgs.), Action Theory
(Dordrecht, 1976); J. Kim, “The Myth of Nonreductive Materialism”, in R. Warner
and T. Szubka (orgs.), The Mind-Body Problem: A Guide to the Current Debate
(Oxford, 1994); J. Kim, Supervenience and Mind (Cambridge, 1993). (In The
Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Saul Aaron Kripke (n.
1940)
Filósofo e lógico americano.
Nasceu em Nova Iorque e estudou em Harvard e Oxford. Em Naming and Necessity
(1980), Kripke ofereceu o tratamento clássico moderno do tópico da referência,
clarificando a distinção entre nomes e descrições definidas e abrindo o caminho
para muitas tentativas posteriores de compreender a noção de referência em
termos de uma conexão causal entre o uso de um termo e um episódio original de
atribuir um nome a um sujeito. O seu Wittgenstein on Rules and Private Language
(1983) provou ser também seminal, pondo as considerações sobre seguir uma regra
no centro dos estudos de Wittgenstein, e defendendo que o argumento da
linguagem privada é uma sua aplicação. Kripke escreveu também artigos
influentes sobre a teoria da verdade e sobre a solução dos paradoxos
semânticos. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Thomas Kuhn (1922–1996)
Filósofo da ciência americano.
Kuhn nasceu no Ohio, e estudou física em Harvard antes de o seu livro The
Structure of Scientific Revolutions (1962) se tornar uma das mais influentes
obras modernas de história e filosofia da ciência. Como Alexandre Koyré
(1892–1964) e os autores franceses Bachelard e Jean Cavaillès (1903–44), Kuhn
sublinhou que a história da ciência não consiste numa acumulação progressiva e
sem saltos de dados e de teorias bem sucedidas, sendo antes o resultado de
rupturas, passos em falso e constrangimentos da imaginação que refletem muitas
variáveis diferentes. Segundo esta perspectiva, durante os períodos normais a
ciência opera dentro de um quadro de assunções conhecido por paradigma, mas nos
períodos excepcionais e revolucionários um paradigma velho fracassa e, após um
período de competição, é substituído por um novo. O processo assemelha-se a uma
mudança de gestalt, que a muitos filósofos pareceu ter implicações inquietantes
para a racionalidade e objetividade da ciência. The Copernican Revolution
(1957, A Revolução Copernicana, 1990) e Sources for the History of Quantum
Physics (1967) são algumas das outras obras de Kuhn. (In Dicionário de
Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
David Lewis (1941–2001)
Filósofo americano. Lewis tem
feito contribuições importantes num domínio muito vasto de tópicos e é
provavelmente o mais influente metafísico contemporâneo da tradição analítica.
O seu primeiro livro, Convention: a Philosophical Study (1969), reabilitou a
noção de convenção, então encarada com grandes suspeitas quer pelos filósofos
da linguagem quer pelos teorizadores políticos. Counterfactuals(1973)
introduziu a análise em termos de mundos possíveis, hoje em dia clássica, desse
tipo de frases. Lewis é conhecido pelo seu realismo sem concessões acerca de
mundos possíveis, que desempenham um papel fundamental nas suas teorias; grande
parte da discussão atual tem-se centrado nas maneiras de obter as vantagens
proporcionadas pelas suas análises sem os respectivos custos metafísicos.
Tentativas como essas são rebatidas em The Plurality of Worlds (1986). Nos seus
Collected Papers (2 vols., 1983, 1986), Lewis aborda um grande número de outros
assuntos. O seu livro Parts of Classes (1991) explora um ponto de vista
mereológico acerca da teoria de conjuntos. (In Dicionário de Filosofia, de
Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Maurice Merleau-Ponty (1908–61)
Fenomenólogo francês. A sua obra
principal, a Phénoménologie de la perception (1945, trad. ing. The
Phenomenology of Perception, 1962) antecipa muitas das preocupações dos filósofos
analíticos quanto à percepção. Merleau-Ponty sublinha, em particular, que a
nossa experiência não constitui um domínio reservado e privado, mas antes um
modo de ser-no-mundo; vivemos as nossas vidas inseridas no coração perceptivo
de um mundo humano ou Lebenswelt, irredutível à consciência pura ou privada. A
obra de Merleau-Ponty parte da psicologia empírica e da tradição de Husserl
para explorar a relação experiencial que temos com o mundo. O seu livro
notabiliza-se, em particular, por uma extensa e elucidativa descrição da nossa
relação com os nossos corpos quando percepcionamos e quando agimos. (In
Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
George Edward Moore (1873–1958)
Filósofo britânico e um dos
fundadores da filosofia analítica. Iniciou-se na filosofia sob a influência do
idealismo absoluto, mas nos últimos anos do século XIX, juntamente com Russell,
acabou por romper com essa tradição, adoptando diversos tipos de realismo,
caracterizados pela admissão da possibilidade de relacionar as mentes com os
factos, considerados como independentes delas. Moore foi um dos fundadores da
filosofia analítica e um dos seus praticantes mais dotados. Ficou famoso com a
obra Principia Ethica (1903), na qual responsabiliza (um pouco injustamente) os
filósofos morais anteriores pela falácia naturalista, defendendo o ponto de
vista de que o bem é uma qualidade simples e insusceptível de análise, a qual,
felizmente, conhecemos por intuição. Esta intuição permite-nos ver que as
coisas boas da vida são totalidades que consistem nos prazeres da estética, do
amor e da amizade. Esta doutrina teve grande influência (de um modo que Moore
teria provavelmente lamentado) no grupo de Bloomsbury. O sucesso dos Principia
Ethica foi em parte devido à preocupação de formular os problemas com uma
precisão inédita e aos consequentes ganhos cognitivos; e foi justamente esta
força moral de Moore, assim como a sua consistência filosófica, que exerceram
uma profunda e estimulante influência em todos os que se moviam à sua volta,
entre eles Russell e Wittgenstein. As suas obras da maturidade são famosas pela
defesa do senso comum. Nesta fase, Moore acreditava que quando uma doutrina
filosófica entrava em conflito com o senso comum, era mais provável que a
argumentação que a fundamentava tivesse falhado em algum ponto do que o senso
comum (este argumento faz lembrar o argumento de Hume contra a crença em
milagres). Embora tenha tido grande influência na filosofia anglo-americana da
primeira metade do século XX, confia-se hoje em dia bastante menos no método de
análise com o qual ele é identificado. Algumas das outras obras de Moore são:
Ethics (1912), Philosophical Studies (1922), Some Main Problems of Philosophy
(1953) e Philosophical Papers (1959, publicado postumamente). (In Dicionário de
Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Thomas Nagel (n. 1937)
Filósofo político e moral
americano. Nagel nasceu na ex-Jugoslávia, e estudou em Cornell, Oxford e
Harvard. Ensinou em Princeton de 1966 a 1980, e depois disso na Universidade de
Nova Iorque. A sua obra centra-se na natureza da motivação moral e na
possibilidade de uma teoria racional da adesão moral e política, tendo
estimulado significativamente o interesse nas abordagens realistas e kantianas
a estes assuntos. Um dos ensaios mais discutidos na moderna filosofia da mente
tem sido o seu “What is it Like to Be a Bat?”, onde argumenta que na experiência
há um aspecto subjetivo irredutível que não pode ser apreendido pelos métodos
objetivos das ciências naturais, ou por filosofias do tipo do funcionalismo,
que se limitam a estes métodos. As
suas obras incluem The Possibility of Altruism (1970), Mortal Questions (1979),
The View from Nowhere (1986), What Does It All Mean? (1987, trad. Que
Quer Dizer Tudo Isto? 1995) e Equality and Partiality (1991). (In Dicionário de
Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Robert Nozick (1938-2002)
Um filósofo com interesses
espantosamente variados, cuja obra mais influente apresenta uma defesa
articulada de um liberalismo minimalista. Nozick defende que o controlo estatal
não pode ter um papel muito grande na economia e na sociedade se queremos que
os direitos liberais dos indivíduos prevaleçam. Em geral, argumenta contra
teorias finalistas do estado, como o utilitarismo ou a teoria da justiça de
Rawls, e a favor de teorias processualistas, que se concentram na correção de
cada acção, independentemente da sua contribuição para um estado de coisas
final. Nozick tem o dom de encontrar casos memoráveis para representar os seus
problemas e um estilo enérgico que puxa os leitores para o debate. Trabalhou
também em teoria da decisão, epistemologia, teoria do valor e a vida boa. Bibliografia: Robert Nozick, The
Nature of Rationality (Princeton, NJ, 1993). (In The Oxford Companion to Philosophy,
Oxford University Press, 1995.)
Martha Nussbaum (n. 1947)
Nussbaum é conhecida sobretudo
pelo seu trabalho em filosofia clássica, apesar de ter alargado recentemente os
seus escritos para áreas onde a filosofia e a literatura se intersectam e têm preocupações
idênticas, especialmente em áreas da investigação e insight moral. Depois de
preparar um texto e um comentário pormenorizado do De Motu Animalium de
Aristóteles (Princeton, NJ, 1978), a obra de Nussbaum alargou-se e passou a
tratar de temas relacionados com o significado da vida e as fontes de valor,
tais como são abordados por Platão e Aristóteles, mas também na tragédia grega.
O seu substancial livro The Fragility of Goodness (Cambridge, 1986) resulta
deste estudo. Como dissemos, o seu trabalho mais recente tem tratado da relação
entre a filosofia e a literatura. Proferiu as Gifford Lectures em 1993 sobre
temas de filosofia moral e filosofia da psicologia. (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford
University Press, 1995.)
José Ortega y Gasset
(1883–1955)
Filósofo e ensaísta espanhol.
Deixou escassa obra filosófica de carácter académico, mas exerceu uma grande
influência na modernização da vida intelectual espanhola através dos artigos
que escreveu para os jornais e através da sua docência. Nas suas Meditaciones
del Quijote (de 1914, trad. ing. Meditations on Quixote, 1961) Ortega procura
um caminho intermédio entre o idealismo, que privilegia demasiado a mente, e o
realismo, que privilegia demasiado os objetos, encontrando-o na prioridade da
vida, ou no composto hegeliano do eu-com-as-coisas. Cada vida é um ponto de
vista sobre o universo; a verdade é, portanto, plural, pois nenhum ponto de
vista esgota a verdade. Uma vida é um drama, que é escolhido à maneira
existencialista. Apesar do seu republicanismo, Ortega y Gasset não tinha muito
respeito pelo modo de pensar do vulgo, atolado num empirismo preguiçoso típico
do senso comum. Os primeiros princípios, de cariz aristocrático, de um Platão
ou de um Descartes, devem ser adoptados com entusiasmo pela sua proficuidade;
só um plebeu como Aristóteles poderia querer fundamentá-los na experiência
sensível. La Rebelión de las masas (1930, trad. A Rebelião das Massas, 1989,
trad. ing. 1931) e En torno a Galileu (1933, trad. ing. Man and Crisis, 1958)
são algumas das suas obras. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn.
Gradiva, 1997.)
Alvin Plantinga (n. 1932)
Filósofo americano conhecido pelo
modo como aplica os resultados do seu trabalho noutras áreas da filosofia
analítica a questões tradicionais da filosofia da religião. Em God and Other
Minds (1967) defende a perspectiva de que a crença noutras mentes e a crença em
Deus estão, do ponto de vista epistémico, a par: se a primeira é racional, a
segunda também o é. Em The Nature of Necessity (1974) usa lógica modal e
metafísica contemporâneas para formular um argumento ontológico válido a favor
da existência de Deus e uma defesa do livre arbítrio rigorosa da consistência
lógica entre a existência de Deus e a existência do mal. No seu trabalho mais
recente em epistemologia, Plantinga tem defendido o ponto de vista de que a
crença em Deus pode, em certas circunstâncias, ser racional e estar garantida
apesar de não se basear em dados proposicionais. Bibliografia: J. E. Tomberlin and P. van
Inwagen (orgs.), Alvin Plantinga (Dordrecht, 1985). (In The Oxford Companion to
Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Karl Popper
(1902–1994)
Filósofo da ciência. Ficou famoso
com o seu primeiro livro Logik der Forschung (1935, trad. ing. The Logic of
Scientific Discovery, 1959), no qual destrói as tentativas tradicionais de
fundamentar o método científico no apoio que a experiência proporciona às
generalizações e às teorias adequadamente construídas. Acentuando as
dificuldades que o problema da indução põe a qualquer método desse género,
Popper propõe como alternativa uma epistemologia que parte da formação arrojada
e imaginativa de hipóteses. Estas enfrentam o tribunal da experiência, que tem
o poder de as falsificar mas não de as confirmar. Uma hipótese que sobreviva a
tentativas de refutação, pode ser provisoriamente aceite como “corroborada”,
mas jamais se lhe pode atribuir uma probabilidade. Este ponto de vista
tornou-se extremamente popular entre os cientistas, que reconheceram o valor
que Popper dá à teorização imaginativa e à refutação paciente, reagindo com
satisfação à ideia redentora de que apresentar uma teoria que seja depois
refutada não é um defeito, mas uma virtude. Os filósofos têm sido mais
cautelosos, fazendo notar que algo parecido com a indução parece estar
envolvido quando depositamos confiança em teorias bem corroboradas. Ninguém faz
uma viagem de avião só porque a conjectura de que ele se sustenta no ar é
imaginativa e arrojada. Contudo, muitos pensadores aceitam, no essencial, a
solução popperiana para o problema da demarcação entre a verdadeira ciência e
as suas imitações — designadamente, que a primeira apresenta teorias
genuinamente falsificáveis, ao passo que as segundas não. Embora o conceito de
falsificação seja mais complexo do que Popper pensava no início, a sua tese
congrega as objecções que muitas pessoas têm a ideologias como a psicanálise e
o marxismo. A influente obra
The Open Society and Its Enemies (1945, trad. A Sociedade Aberta e os
seus Inimigos, 1993) e The Poverty of Historicism (1957), onde atacou o ponto
de vista de que há leis históricas fundamentais que tornam inevitável o
progresso, são algumas das obras de Popper de carácter social e histórico. Na
primeira, Popper ataca esta crença, que associa ao totalitarismo antiliberal
que encontra em Platão, Hegel e Marx, embora não seja claro que a sua leitura
destes filósofos faça justiça às rigorosas restrições éticas que eles colocam
aos sistemas políticos racionais que exploram. Popper associa a virtude
política, tal como a virtude científica, à possibilidade da livre investigação,
apenas sujeita a restrições que minimizem a possibilidade da aceitação de maus
sistemas. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Hilary Putnam (n. 1926)
Filósofo americano. Putnam é
universalmente considerado um dos filósofos mais importantes da geração
posterior a Quine, apesar de, ao contrário de Quine, não representar um sistema
ou corpo doutrinal monolítico, tendo-se mostrado, nas obras mais recentes,
generosamente disposto a mudar de ideias. As primeiras obras de Putnam
centravam-se na filosofia da ciência, mas ultimamente os seus interesses nas
ciências humanas ganharam destaque. O seu Reason, Truth and History (1981,
trad. Razão, Verdade e História, 1992) marcou uma ruptura com o realismo
científico, a favor de uma posição subtil a que ele chama realismo interno,
inicialmente relacionado com uma teoria da verdade como limite ideal. O
realismo interno parece manter algumas afinidades com o verificacionismo, mas
nas obras posteriores parece mais claramente alinhado com o minimalismo.
Ultimamente a preocupação de Putnam tem sido em grande parte negar qualquer
assimetria séria entre a verdade e o conhecimento tal como são alcançados nas
ciências naturais, na moral e até na teologia. Philosophy of Logic (1971),
Representation and Reality(1988) e Renewing Philosophy (1992) são algumas das
suas obras; Mathematics, Matter and Method (1975), Mind, Language and Reality
(1975) e Realism and Reason (1983) são algumas das escolhas de artigos seus. (In
Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
W. v. O. Quine (1908-2000)
O filósofo americano mais
influente da segunda metade do século XX. A atenção de Quine começou por
incidir sobre a lógica matemática, donde resultaram as obras A System of
Logistic (1943) Mathematical Logic (1940) e Methods of Logic (1950). Foi com a
publicação do conjunto de ensaios que formam o livro From a Logical Point of
View (1953) que a sua importância filosófica se tornou largamente reconhecida.
O seu célebre ataque à distinção analítico/sintético anunciou uma mudança
profunda nas maneiras de encarar a linguagem provenientes do positivismo lógico
e uma reapreciação das dificuldades em fornecer uma base empírica sólida para
as teses sobre a convenção, o significado e a sinonímia. A sua reputação
consolidou-se com Word and Object (1960), no qual a indeterminação da tradução
radical assume pela primeira vez o papel principal. Na teoria do conhecimento,
Quine está associado à perspectiva holista da verificação, concebendo um corpo
de conhecimento em termos de uma teia que na periferia está em contato com a
experiência, mas em que cada ponto está conectado a outros pontos por uma rede
de relações. Quine é também conhecido pela perspectiva segundo a qual a
epistemologia devia ser naturalizada, ou conduzida segundo um espírito
científico, sendo o objeto da investigação a relação existente nos seres
humanos entre os dados de entrada (inputs) da experiência e os dados de saída
(outputs) da crença. Além das
obras já citadas, a sua bibliografia inclui The Ways of Paradox and Other
Essays (1966), Ontological Relativity and Other Essays (1969), Philosophy of
Logic (1970), The Roots of Reference (1974) e The Time of My Life: An
Autobiography (1985). (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn.
Gradiva, 1997.)
John Rawls (1921-2002)
Filósofo moral e político
americano. Rawls nasceu em Baltimore e estudou em Harvard e Oxford. Após
ensinar em Princeton e Cornell, entrou para Harvard em 1959. A Theory of Justice
(1971, trad. Uma Teoria da Justiça, 1993), a sua obra principal, revitalizou o
estudo do pensamento político na filosofia anglo-americana e tem sido um ponto
de referência para todas as discussões posteriores. Nela, Rawls analisa as
instituições básicas de uma sociedade que poderiam ter sido escolhidas por
pessoas racionais sob condições que assegurassem a imparcialidade. Estas
condições são dramatizadas numa posição original, caracterizada de tal modo que
é como se os participantes efetuassem um contrato acerca de uma estrutura
social básica, por detrás de um véu de ignorância que os torna incapazes de
fazer uso de considerações egoístas ou de considerações favoráveis a
determinados tipos de pessoas. Rawls argumenta que tanto uma arquitetura básica
das liberdades como uma preocupação pelos menos favorecidos caracterizariam
qualquer sociedade que se pudesse escolher racionalmente. (In Dicionário de
Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Paul Ricoeur (1913–2005)
Existencialista, teólogo, filósofo
e crítico literário francês. Nasceu em Valence, formando-se nas tradições
existencialista e fenomenológica. Foi capturado durante a Segunda Guerra
Mundial, familiarizando-se então com a obra de Husserl, Heidegger e Jaspers. Em
1948, Ricoeur obteve o posto de professor em Estrasburgo e a partir de 1957 foi
professor na Universidade de Paris-X, de Nanterre e entre as suas viagens ao
estrangeiro conta-se uma estadia na Universidade de Chicago. Como é típico da
tradição francesa, a obra de Ricoeur é bastante abrangente e de compreensão
difícil, embora contenha uma louvável ênfase na humildade necessária à procura
da verdade. As suas obras incluem a série sob o título geral Philosophie de la
volonté: vol. i, Le Volontaire et l’involontaire (1950, trad. ing.Freedom and
Nature: The Voluntary and the Involuntary, 1966); vol. ii, Finitude et
culpabilité, parte I, L’Homme faillible (trad. ing. Fallible Man, 1965); e a parte II, La
Symbolique du mal (trad. ing. The Symbolism of Evil, 1967). (In Dicionário
de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Richard Rorty (1931-2007)
Filósofo e crítico
norte-americano. É muito conhecido como o filósofo analítico que se voltou
contra aquilo que considera as categorias tradicionais de interesse nessa
tradição — verdade, conhecimento, objetividade — substituindo-as por uma versão
pós-modernista muito própria do pragmatismo, associada a autores como Heidegger
e Gadamer, onde tais tópicos foram banidos. Tendo ultrapassado tais interesses,
o intelectual liberal assume uma atitude irónica e distanciada, mesmo em
relação às suas convicções fundamentais; a vida intelectual transforma-se numa
espécie de conversa diletante; os seus críticos acham que o quietismo político
ou os conservadorismos sugeridos por esta posição são preocupantes. Philosophy and the Mirror of Nature
(1979, trad. A Filosofia e o Espelho da Natureza, 1986) e Contingency, Irony
and Solidarity (1989, trad. Contingência, Ironia e Solidariedade, 1994),
são algumas das suas influentes obras. (In Dicionário de Filosofia, de Simon
Blackburn. Gradiva, 1997.)
Bertrand Russell (1872-1970)
Filósofo inglês. Desde cedo, e
especialmente após conhecer o matemático G. Peano (1848-1932) em 1900, os seus
interesses concentraram-se nos fundamentos da matemática. The Principles of Mathematics
foi publicado em 1902, um ano depois da descoberta do paradoxo de Russell. Após
um período de reflexão em torno do problema, Russell propôs a teoria das
descrições definidas e a teoria dos tipos, elementos centrais da sua solução do
paradoxo. De 1907 a 1910, trabalhou em colaboração com Whitehead durante dez a
doze horas por dia, oito meses por ano, nos Principia Mathematica (publicados
em três volumes, de 1910 a 1913). Durante este período, lançou as bases de uma
vida de intelectual radical, ativo e liberal, começando com uma candidatura
sufragista ao parlamento. Durante a Primeira Grande Guerra, foi preso por seis
meses por publicar uma declaração segundo a qual os soldados americanos seriam
usados na Grã-Bretanha para combater os grevistas, “uma ocupação a que estavam
habituados no seu próprio país”. Depois da guerra, Russell visitou a Rússia e
viveu durante uma temporada na China. Nos anos 20, as suas principais obras
filosóficas foram The Analysis of Mind (1921) e The Analysis of Matter (1927),
embora tivesse também publicado um grande número de obras populares e semipopulares
sobre temas morais e sociais. Fundou e dirigiu uma escola, mas de 1938 a 1944
ensinou em várias universidades americanas, entre as quais a de Chicago e a
University of California at Los Angeles. A City University de Nova Iorque
recusou dar-lhe emprego, argumentando que as suas obras eram “devassas,
libidinosas, luxuriosas, venéreas, erotomaníacas, afrodisíacas, irreverentes,
mesquinhas, falsas e destituídas de fibra moral”. Durante a Segunda Grande
Guerra, escreveu a History of Western Philosophy (1945, trad. História da
Filosofia Ocidental, 1977).Human Knowledge: its Scope and Limits (1948) é o
último livro importante de Russell em filosofia, mas nesta altura ele era já um
símbolo mundialmente famoso da filosofia e do seu potencial radical. Recebeu o
Prémio Nobel da literatura em 1950 e passou o resto da vida a lutar ativamente
pelo desarmamento nuclear como patriarca incontestado do mundo académico
progressista. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Jean-Paul Sartre (1905–80)
Filósofo, romancista e o
principal intelectual francês da sua época. A filosofia de Sartre ocupa-se
exclusivamente da natureza da vida humana e das estruturas da consciência. Em
consequência, tanto se exprime nos seus romances e peças como nas suas obras
académicas mais ortodoxas. Como antepassada imediata tem a tradição
fenomenológica dos seus mestres, e o modo mais simples de ver Sartre é dizer
que procurava rebater as críticas do idealismo à fenomenologia. O agente não é
um espectador do mundo; é antes, como tudo o que faz parte do mundo,
constituído por atos intencionais e pela consciência. O eu assim constituído
está historicamente situado, mas é apesar disso um agente cujo modo próprio de
se situar no mundo torna possíveis a responsabilidade e a emoção. A
responsabilidade é, no entanto, um peso que muitas vezes não conseguimos
suportar, resultando a má-fé da negação da autoria das nossas ações, que as vê
antes como reações forçadas a situações que não criámos. Sartre identifica,
assim, a natureza essencial da existência humana com a capacidade de escolher —
embora a escolha, sendo incompatível quer com o determinismo quer com a
existência de uma lei moral kantiana, acarrete uma síntese da consciência (o
ser para-si) com o objetivo (o ser em-si), síntese essa que será sempre
instável. A natureza instável e continuamente desintegradora do livre arbítrio
dá origem à angústia. As obras “ontológicas” de Sartre (entre elas L’Être et le
néant) tentam extrair consequências das suas teses para a natureza da
consciência e do juízo. Para Sartre, a nossa capacidade de produzir juízos
negativos é um dos enigmas fundamentais da consciência. Tal como Heidegger,
Sartre tomou a opção “ontológica” de relacionar isto com a natureza do não-ser,
opção essa que o diferencia decisivamente da tradição anglo-americana da lógica
moderna. A investigação de Sartre acerca das mentes alheias ilustra, em
contraste com isto, a força da perspectiva psicológica, visível na sua análise
detalhada de certas experiências, como a de estar sob o olhar de outra pessoa,
e no modo como as relaciona com as escolhas daí resultantes. (In Dicionário de
Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)
Roger Scruton (n. 1944)
Filósofo britânico cujo primeiro
trabalho foi sobre estética, e cujos estudos da imaginação estética e da
estética da arquitetura são obras estabelecidas da área. Scruton argumentou, no
seu primeiro livro, a favor da ideia de que a correção dos juízos estéticos
depende de uma resposta subjetiva, sendo a imaginação a noção central para
explanar este estado mental. Scruton opôs-se depois ao modernismo arquitetônico,
conectando o valor estético com considerações éticas. Os seus escritos são muitíssimos
abrangentes, incluindo também a ética, filosofia política, história da
filosofia e a filosofia da cultura. A sua defesa do conservadorismo político e
da tradição cultural está intimamente relacionada com a sua estética e ética,
tendo Scruton em ambos os casos simpatias basicamente kantianas. Desafiou
recentemente as fronteiras convencionais da filosofia analítica, sobretudo no
seu livro sobre desejo sexual. Bibliografia:
Roger Scruton, Art and Imagination (Londres, 1974). (In The Oxford Companion to
Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
John R. Searle (n. 1932)
Filósofo da mente e da linguagem
da Universidade da Califórnia em Berkeley. A mente, para Searle, é intencional
(à Brentano) no aspecto em que as percepções, memórias, imaginações, desejos e
muitos outros estados mentais tomam objetos (por exemplo, eu vejo o carro e
recordo-me da Tia Fanny). A linguagem, vista por Searle sobretudo a partir da
tradição dos atos de fala de J. L.
Austin, é também intencional, mas derivadamente. A sua teoria intencional, e a
ênfase que dá à consciência enquanto característica intrínseca da mente,
coloca-o em oposição ao behaviorismo, funcionalismo e outras teorias
materialistas da mente. Para Searle, apesar de a mente emergir do corpo, possui
um carácter subjetivo insuscetível de ser eliminado, carácter a que as
perspectivas materialistas não conseguem adequadamente responder. Relativamente
a esta afirmação, Searle usa o famoso argumento do quarto chinês para mostrar
que apesar de um “sistema” (um computador e uma pessoa) num quarto poder
manipular símbolos chineses, não opera necessariamente ao nível do significado.
Para o fazer, é necessário introduzir conceitos mentais (intencionais) no
sistema. Bibliografia: J. R.
Searle, The Rediscovery of the Mind (Cambridge, Mass., 1992). (In The Oxford
Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Peter Singer (n. 1946)
Conhecido sobretudo pelos seus
trabalhos em áreas de ética aplicada, que começaram com o seu best-seller
Animal Liberation (Londres, 1976) (trad. Libertação Animal, 2000), no qual
argumenta que a maior parte do tratamento a que os animais são sujeitos é
intolerável. Singer continuou a escrever sobre estes temas, mas usou também as
ideias e teorias da filosofia moral para fornecer análises da moralidade da eutanásia,
fertilização in vitro, a distribuição dos recursos do mundo e muitos outros
temas associados (veja-se especialmente o seu Practical Ethics (Cambridge,
1979; trad. Ética Prática, 2000)). O seu trabalho distingue-se por um forte
comprometimento com o utilitarismo e por um desejo de afastar a moralidade do
que ele se refere como a “herança judaico-cristã”. (In The Oxford Companion to Philosophy, Oxford
University Press, 1995.)
P.F. Strawson
(1919–2006)
Filósofo inglês. Estudou
inicialmente lógica e filosofia da linguagem, em profunda consonância com o
espírito da tradição da filosofia da linguagem comum, em voga na época. A este
período pertence o seu célebre ataque à teoria das descrições definidas de
Russell. Em 1959, o seu Individuals assinalou o retorno a preocupações mais
metafísicas. A sua reputação consolidou-se com The Bounds of Sense(1966), uma
magnífica viagem pela metafísica de Kant, com inúmeros artigos sobre
epistemologia, liberdade, naturalismo e cepticismo. Em geral, Strawson representa
a defesa da imagem manifesta, ou seja, do modo como vulgarmente se encara o
mundo. Mesmo quanto a questões como a do livre-arbítrio, Strawson é céptico
quanto à capacidade das teorias científicas provocarem mudanças no esquema
conceptual vulgar. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva,
1997.)
Alan Turing (1912-1954)
Matemático inglês conhecido
sobretudo graças à sua Máquina de Turing e ao Teste de Turing, dizendo ambos
respeito à relação entre a computação e a mente. O trabalho de Turing em lógica
matemática, nos finais da década de 1930, sistematizou ideias de Gödel e Church
quanto a uma descrição abstrata do que um agente finito idealizado poderia
computar. Na segunda guerra mundial Turing trabalhou na decifração dos códigos
alemães, e em particular nas máquinas de computação necessárias para essa
tarefa. Depois da guerra trabalhou nos primeiros computadores digitais e em
1950 publicou o artigo “Computing Machinery and Intelligence” na revista Mind.
Neste artigo, propõe um teste para o pensamento: uma máquina pode pensar se não
for possível distinguir as suas respostas a perguntas das respostas de um ser
humano. (In The Oxford
Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Bas C. van Fraassen
(n. 1941)
Filósofo da ciência e lógico
norte-americano que, na obra The Scientific Image (1980), desenvolve uma
alternativa empirista antirrealista bem argumentada tanto ao Positivismo Lógico
de Rudolf Carnap como ao realismo científico de Wilfrid Sellars e Hilary Putnam.
Para o realista, o objetivo de construir teorias científicas é “procurar
fornecer uma história literalmente verdadeira de como é o mundo”. Assim, a
aceitação de uma qualquer teoria científica acarreta supostamente,
automaticamente, a crença de que os termos que descrevem estruturas e processos
postulados têm implicação existencial. Van Fraassen ataca esta posição e
defende uma alternativa: a adequação empírica é o único objetivo das teorias
científicas. A crença de que a teoria se ajusta os fenómenos observáveis é a
única crença que a aceitação de uma teoria científica acarreta; o poder
explicativo não constitui um fundamento para pensar que todos os termos
teóricos referem. Em Laws and Symmetry (1989), van Fraassen argumenta contra
uma interpretação realista das leis da natureza e das necessidades naturais. Bibliografia: Paul M. Churchland e
Clifford A. Hooker (orgs.), Images of Science: Essays on Realism and
Empiricism, with a Reply from Bas C. van Fraassen (Chicago, 1985). (In The
Oxford Companion to Philosophy, Oxford University Press, 1995.)
Alfred North Whitehead
(1861-1947)
Matemático e filósofo inglês. Foi
tutor de Russell em Cambridge, onde foi membro do corpo docente do Trinity
College de 1884 a 1910, quando se mudou para Londres, ocupando depois uma
cátedra em Harvard, em 1924. Colaborou com Russell nos Principia Mathematica
(1910-13). A sua filosofia é uma tentativa de formular um sistema metafísico à
luz da lógica e da ciência modernas. Whitehead tinha ficado impressionado com o
conceito científico de fluxo ou campo de força e de energia. Recusando quer o
atomismo próprio da concepção newtoniana do mundo, quer o que resulta da
análise de Hume da experiência em percepções distintas, tentou analisar esses
átomos em termos de conjuntos de processos mais latos que se intersectam. O seu
“método da abstração vasta” consiste em definir um objeto, como por exemplo um
ponto, em termos de volumes de espaço encadeados; do mesmo modo, os
acontecimentos são vistos como processos encadeados. A ordenação geral dos
processos do mundo é a natureza primordial de Deus, representada como o
princípio de concreção através do qual os processos reais têm lugar. Enquiry
Concerning the Principles of Natural Knowledge (1919) e The Concept of Nature
(1920) são consideravelmente mais acessíveis do que o posterior Process and
Reality (1929). (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva,
1997.)
Bernard Williams (1929–2003)
Filósofo inglês. Williams é
conhecido por defender uma posição subtilmente relativista em filosofia moral,
rejeitando as promessas aristotélicas e kantianas segundo as quais a virtude
resulta do exercício das propensões racionais da mente. Também rejeita as
teorias expressivistas e projetivistas, argumentando que se, pelo contrário, a
ética se basear apenas em sensações e paixões contingentes não pode ser o que
parece. O seu argumento de que a ética kantiana e o utilitarismo põem uma
tónica não natural nos interesses puramente impessoais, ignorando os projetos
pessoais que necessariamente ocupam o horizonte próximo das vidas práticas das
pessoas, tem sido bastante influente. Descartes: the Project of Pure Inquiry (1978), Ethics and the Limits of
Philosophy (1985) e Shame and Necessity (1993) são algumas das suas obras
principais. Problems of the Self (1973) e Moral Luck (1981) são duas das
suas coletâneas de artigos. (In Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn.
Gradiva, 1997.)
Ludwig Wittgenstein (1889-1951)
Filósofo austríaco. Ficou
fascinado com a filosofia da matemática, o que o levou a visitar Frege em 1911,
que o aconselhou a estudar em Cambridge, sob a orientação de Russell. Até à
Primeira Guerra Mundial, estudou problemas acerca dos fundamentos da lógica e
da matemática como protegido e colaborador de Russell. Durante a guerra, serviu
no exército austríaco e acabou o manuscrito do que, em 1921, seria publicado
como o Tractatus Logico-Philosophicus (trad. 1987). Convencido de que tinha
resolvido definitivamente todos os problemas solúveis da filosofia, abandonou o
assunto, e voltou para a Áustria onde se tornou professor primário em escolas
de zonas rurais. Em 1929, o contato com o Círculo de Viena, com o intuicionismo
matemático e sobretudo com Ramsey, convenceram-no de que ainda havia alguma
investigação a fazer, regressando, então, a Cambridge, onde se tornou professor
em 1939. Abandonou a cátedra em 1947, morrendo de cancro em Cambridge.
Wittgenstein foi indubitavelmente a figura mais carismática da filosofia do
século XX, vivendo e escrevendo com um poder e uma intensidade que frequentemente
esmagavam e confundiam os seus contemporâneos e os seus leitores. (In
Dicionário de Filosofia, de Simon Blackburn. Gradiva, 1997.)