segunda-feira, 4 de junho de 2018

Materialismo histórico e materialismo dialético

"Aquilo que hoje parece uma espécie de lei natural - o crescimento econômico medido pelo PIB - é radicalmente questionado pela economia ecológica. Nem sempre o crescimento é mais benéfico que custoso para a sociedade. A partir de certo ponto, o aumento da produção e do consumo pode ser antieconômico."  -  José Eli da Veiga  -  Mundo em transe - Do aquecimento global ao ecodesenvolvimento
Ao longo de seus debates com os membros da “esquerda hegeliana” e através de suas pesquisas de economia, Marx havia chegado à conclusão de que “não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas, ao contrário, o seu ser social que determina a sua consciência”. Ou seja, são as condições econômicas, as relações de produção, que determinam os aspectos espirituais de uma sociedade, as idéias e as instituições; a síntese do materialismo histórico. Escreve Marx no prefácio à Para a Crítica da Economia Política:
O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtido, serviu-me de fio condutor aos meus estudos, pode ser formulado em poucas palavras: na produção social da própria vida, os homens contraem relações determinadas, necessárias e independentes de sua vontade, relações de produção estas que correspondem a uma etapa determinada de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade destas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta uma superestrutura jurídica e política, e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo em geral da vida social, político e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser, mas ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência.” (Marx, 1974, p. 136).
A descoberta de que as condições materiais de uma sociedade condicionavam a superestrutura – a cultura, a religião, as leis, os costumes, a ciência e a tecnologia, entre outros fatores – foi muito importante nos estudos posteriores de Marx. A conclusão seguinte à qual chegou Marx é que aqueles que dominavam os meios de produção – a classe dominante – sejam patrícios romanos, nobres feudais, burgueses comerciantes ou industriais, ditavam a superestrutura, utilizando-a para perpetuar sua situação de dominação. Em outras palavras, a superestrutura é uma reprodução, sob certos aspectos, da infraestrutura.
Sobre esta análise dos aspectos materiais e espirituiais da sociedade, escreve Stalin: “O ser da sociedade, as condições da vida material da sociedade, eis o que determina as suas idéias, as suas teorias, as suas opiniões políticas, as suas instituições políticas.” (Stalin, s/d, p. 29).
Com o desenvolvimento do capitalismo, principalmente depois da 2ª Guerra Mundial, a complexidade das relações econômicas e sociais fez com que ficasse cada vez mais difícil este tipo de análise. Na década de 1960 Louis Althusser, filósofo marxista francês, ainda tentou explicar através de sua obra Aparelhos Ideológicos de Estado a maneira como a superestrutura – os aparelhos ideológicos de Estado: a família, a escola, a estrutura jurídica, a organização sindical, a cultura, entre outros – era manipulada pela classe dominante.
Hoje, no entanto a superestrutura se tornou ainda mais complexa. Em nossa moderna sociedade de consumo, baseada nas telecomunicações e na informática, como determinar qual será a influência destes instrumentos – a linguagem e as imagens digitais – sobre a superestrutura? Será que efetivamente a “classe dominante” tem real controle sobre estes meios, sobre esta superestrutura? Ainda quanto a isso, o que nos mostraram as recentes revoluções no mundo árabe?
 O materialismo dialético de Marx é baseado na dialética de Hegel. Para este, todo o processo do “ser” continha três “momentos”, que Marx transformou em três “fases” do processo de perpétuo desenvolvimento da matéria e do desenrolar histórico: a tese, a antítese e a síntese. Marx por assim dizer inverteu a dialética hegeliana e a apontou para o mundo material, histórico. A dialética materialista não é um processo mental (do espírito), idealista, como o via Hegel, mas um processo inerente à natureza e ao devir histórico. Sobre este ponto escreve Henri Lefebvre:
“O método é assim a expressão do devir em geral e das leis universais de todo o desenvolvimento: essas leis são abstractas em si mesmas, mas reecontram-se sob formas específicas em todos os conteúdos concretos. O método parte do encadeamento lógico das categorias fundamentais, encadeamento pelo qual se encontra o devir de que elas são a expressão concentrada.” (Lefebvre, s/d, p. 95)
Materialista, Marx não seguia o “materialismo vulgar” (como o chamava Engels); o materialismo mecanicista e metafísico dos iluministas franceses, da esquerda hegeliana ou de Feuerbach, entre outros. Marx havia descoberto uma dinâmica, que se aplica aos fatos históricos e à natureza.
O materialismo dialético foi fortemente propagado por Friedrich Engels, em obras como Anti-Dühring (1877) A dialética da natureza (1870), onde deu ao materialismo dialético um caráter filosófico, aplicando-o às várias ciências e quase o transformando em uma metafísica disfarçada. Depois da Revolução Russa, na União Soviética, o materialismo dialético acabou transformando-se no “Diamat”, instrumento de análise e de verificação da ortodoxia marxista nas ciências sociais e naturais.
Atualmente a maioria dos filósofos não-marxistas considera o materialismo histórico e o materialismo dialético como idéias filosóficas, com pouco ou nenhuma fundamentação científica, comparáveis às teorias psicanalíticas de Freud.
Bibliografia:
LEFEBVRE, HENRI. O materialismo dialético. Alfragide (Portugal). Edições Acrópole: s/d, 160 p.
MARX, KARL. Manuscritos Econômico-Filosóficos e outros textos escolhidos in Os Pensadores. São Paulo. Abril Cultural: 1974, 413 p.
REALE, GIOVANNI, ANTISERI, DARIO. História da Filosofia Vol. III. São Paulo. Paulus Editora: 1991, 1113 p.
STALIN, JOSEPH. Materialismo dialético e materialismo histórico. São Paulo. Global Editora: s/d, 63 p.
(Imagens: fotografias de Jindrich Styrsky)

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