domingo, 13 de março de 2022

 Interação em Psicologia, 2003, 7(2), p. 81-89 1

A relação natureza e cultura:

O debate antropológico e as contribuições de Vygotski

Adriano Henrique Nuernberg

Universidade do Sul de Santa Catarina

Andréa Vieira Zanella

Universidade Federal de Santa Catarina

Resumo

Na interface da antropologia e da psicologia, a presente discussão visa reafirmar a necessidade do

diálogo interdisciplinar para a busca de novas pistas para o problema da relação natureza e cultura.

Revisando algumas das contribuições da antropologia e da psicologia histórico-cultural de Vygotski,

pretende-se dar relevo a elementos conceituais deste debate, localizando-o em relação às demandas

sociais da modernidade que encontram expressão nas ciências humanas.

Palavras-chaves: Natureza; cultura; psicologia histórico-cultural.

Abstract

The relation nature and culture: the anthropological debate and the contributions of Vygotski

In the interface of anthropology and psychology, the purpose of the present discussion is to reaffirm

the necessity of an interdisciplinary dialogue for research into new themes for the problem of relation

nature and culture. In the process of revising some of the contributions of Vygotski to anthropology

and historical-cultural psychology, it is intended to highlight conceptual elements of this debate,

placing it in relation to modern social demands that find expression in the science of human beings.

Keywords: Nature; culture; historical-cultural psychology.

Considerações Iniciais

Há debates científicos que atravessam os séculos,

tais como a questão da relação natureza e cultura.

Muita tinta foi gasta em propostas de compreensão

dessa relação, sobretudo no que tange à busca dos

fatores que produzem o que é especificamente

humano, centrando as explicações ora em

características hereditárias e instintivas ora para as

características do meio ambiente em que o sujeito se

insere e no peso da cultura na condição humana.

A própria organização sócio-política ocidental

moderna é influenciada por idéias sobre a natureza

que a opõe às noções que representam os modos de

vida considerados “civilizados”. Em autores clássicos

como Hobbes e Rousseau, representantes do

contratualismo, temos a idéia de que em nome da

superação da condição da natureza na sociedade

humana se cria a figura do Estado para garantir a

manutenção do “contrato social” (Bobbio & Bovero,

1990). A plena emancipação em relação à natureza,

vale destacar, é um elemento importante do projeto

moderno de indivíduo, cujas capacidades racionais

são enunciadas como veículos para trilhar esse

caminho que leva ao distanciamento do mundo

natural, esse considerado “selvagem” e repleto de

limitações.

Um dos casos clássicos que suscitou a polêmica

em torno dessa questão é o evento protagonizado por

Victor de Aveyron, um menino selvagem encontrado

vivendo em uma floresta e que foi encaminhado aos

cuidados do famoso médico empirista Jean Itard.

Nessa ocasião, em pleno século XVIII, propostas

inatistas e ambientalistas entraram em confronto na

análise da precária condição intelectual de Victor,

trazendo novas articulações dos argumentos

defendidos por estas diferentes perspectivas. Ou se

dizia que Victor era “imbecil” de nascença ou se

defendia que sua debilidade se devia à carência de

estímulos ambientais adequados. Tal evento tornou-se

um marco histórico do debate em questão, servindo de

referência a grande parte das reflexões posteriores

acerca da relação natureza e cultura.

Em realidade, esse debate caracteriza a história da

Ciência desde seus primórdios, expressando-se com

especial destaque nos variados campos disciplinares

das Ciências Humanas. As diversas matrizes

epistemológicas que caracterizam as linhas teóricas

desta área do conhecimento, de modo explícito ou

não, consideram a importância das condições dadas às

pessoas no momento do nascimento e/ou ao meio

ambiente na determinação dos fenômenos associados à

vida humana.

O que talvez ainda esteja a descoberto, todavia, é o

exercício de cotejar esses diferentes olhares

disciplinares, iluminando o debate em pontos ainda

pouco discutidos. Em se tratando de uma questão que

persegue toda Ciência, apresentar argumentos de

campos disciplinares distintos pode fomentar essa

insistente e relevante discussão. É com esse intuito

que aqui se destacam as reflexões de dois campos do

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saber marcados pelo debate natureza e cultura, a

Antropologia e a Psicologia.

A exposição das idéias antropológicas sobre a

temática certrar-se-á na contribuição de autores de

expressão que, desde os primórdios dessa ciência até

os dias atuais, vêm contribuindo significativamente

com o debate. No caso da psicologia, será privilegiada

a contribuição do psicólogo russo Lev S. Vygotski,

posto que analisou a psicologia do seu tempo e

procurou erigir as bases para uma compreensão não

dicotômica da relação natureza e cultura. A

importância e atualidade de suas contribuições no

campo psi, que justificam a centralidade na

apresentação de suas idéias, decorrem do fato de ter

atribuído às relações sociais o lugar de

definidoras por natureza das funções mentais

superiores,1 ou seja, da natureza humana do

homem, [o que] constitui uma ‘subversão’ do

pensamento psicológico tradicional. Vygotski

desloca definitivamente o foco da análise

psicológica do campo biológico para o campo

da cultura, ao mesmo tempo que abre o

caminho para uma discussão do que constitui a

essência do social enquanto produção humana

(Pino, 2000, p. 61 – grifos do autor).

A relação natureza e cultura na Antropologia

Embora já houvessem relatos descritivos de outras

culturas, até meados do século XIX a Antropologia

não havia se firmado como uma ciência oficialmente

reconhecida. A partir das contribuições de Darwin,

este campo de estudos inaugura uma nova fase em

seus esforços de compreensão dos diferentes modos

sociais de organização humana, fundamentando-se no

ponto de vista que propõe a cultura como via de

adaptação dos humanos na garantia e manutenção de

sua sobrevivência (Titiev, 1966). A idéia de evolução

subjacente ao darwinismo, por conseguinte, acabou

por levar os antropólogos à distinção etnocêntrica

entre sociedades “primitivas” e “avançadas”, como se

as diferenças entre elas revelassem indícios dos

progressos da espécie humana nos modos de

adaptação, através do aprimoramento da cultura

(Comissão Gulbenkian, 1990). Cumpre notar, todavia,

que atualmente tais termos não são mais empregados,

valendo apenas a distinção entre sociedades “tribais”

(ou “não complexas”) e “complexas” (Velho, 1994).

Não obstante, é preciso destacar que, ainda que a

cultura tenha, em função das idéias de Darwin,

emergido como categoria determinante da conduta

humana e das trocas sociais dos grupos investigados

pelos etnólogos, ela permanece sendo tomada por uma

parte dos antropólogos como uma decorrência de

necessidades naturais. Ora tomada como produto da

evidencia de sua praticidade (como em Lewis Henry

Morgam), ora por sua utilidade (como em Franz

Boas), a cultura é constantemente reduzida a algo

subordinado ao biológico. Mesmo em antropólogos

como Bronislaw Malinowski, o interesse por

comunidades tribais exóticas revela a busca pelo

universal como modo de confirmar a existência de

uma pauta de dados naturais dos quais todos os grupos

sociais humanos compartilhem. Assim, rimando o

universal com o natural, tais autores acabam por

restringir conceitualmente a cultura a uma espécie de

epifenômeno da natureza (Sahlins, 1995).

Uma reação importante às teorias antropológicas

influenciadas pela teoria evolucionista foi o trabalho

etnográfico de Margareth Mead (1988). Precursora

dos estudos de gênero, Mead a princípio acreditava

haver certa correspondência entre “sexo” e

“temperamento”, como se os comportamentos

evidenciassem sua origem no dado natural de sexo.

No entanto, ao iniciar sua etnografia em grupos

habitantes da Nova Guiné, acabou por refutar sua

crença inicial, demonstrando a extrema relatividade

desta tese. Seus argumentos acabaram por enunciar

uma responsabilidade muito maior da cultura sobre os

comportamentos ligados aos sexos, abalando as teses

naturalistas em pleno vigor na década de 30.

Em contraposição às teorias da utilidade e

praticidade da cultura, a perspectiva estruturalista do

antropólogo Claude Lévi-Strauss também representa a

possibilidade de proporcionar um status maior à

cultura, considerando-a em certa autonomia em

relação à natureza. Em sua busca de elementos que

pautam a distinção entre o que é cultural e biológico,

Lévi-Strauss (1976) propõe que aquilo que se mostra

constante na análise da diversidade cultural é critério

para definir o natural. Por outro lado, aquilo que

constitui uma regra reguladora dos comportamentos

revela-se como fator cultural. Nesse sentido, propõe

que o dado por excelência que permanece, ao mesmo

tempo, invariante e portador do caráter de regra social,

é a proibição do incesto. A universalidade do tabu do

incesto, para o autor, é o elemento pelo qual deve se

iniciar toda tentativa de elucidar a questão proposta,

pelo fato de se configurar enquanto um fenômeno de

propriedades concomitantemente próximas às

tendências instintivas e culturais. Trata-se, portanto,

de um processo que possui tanto o caráter de

expressão da natureza quanto o caráter de regra social

inviolável.

Nesse ponto de vista, salienta-se o valor que a

ordem simbólica possui para o estabelecimento e

manutenção das trocas sociais. A cultura é mais a

expressão de uma economia de valores simbólicos do

que um instrumento de garantia de melhores

condições de sobrevivência da espécie. O dado

universal, como o tabu do incesto, nesse caso, serve

aos propósitos da promoção da sociabilidade, não

coincidindo apenas com o natural e nem

correspondendo exclusivamente às respostas

instintivas. Ao se proibir os casamentos endogâmicos,

são promovidos os casamentos exogâmicos, de modo

a estabelecer as trocas sociais entre grupos

consangüíneos distintos. Assim, as variadas formas de

organização social e parentesco das diferentes culturas

são vistas como maneiras de distribuição e

classificação dos indivíduos na ordem simbólica, no

sentido de constituírem as relações de reciprocidade

que permitem a existência da sociedade.

Reserva-se à natureza, nessa perspectiva, o papel

de mediadora para tais processos, de modo que a

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cultura busca na natureza as categorias sobre as quais

se assenta para organizar o espectro social. As

diferentes formas de totemismo, por exemplo,

medeiam a classificação dos indivíduos na ordem

simbólica, de modo a estabelecer os interditos e

valores que pautam as trocas sociais. Na

argumentação da antropologia estruturalista francesa,

mesmo as categorias do pensamento têm como

inspiração a natureza. O pensamento é, portanto,

estruturado a partir do modelo que a natureza lhe

fornece, de tal modo que operamos mentalmente com

base em categorias sustentadas em dados naturais. A

escolha dos animais totêmicos, inclusive, deve-se às

analogias que evocam ao pensamento, e não, como

argumenta Malinowski, à importância que estes

possuem às práticas alimentares das culturas. Como

diz Lévi-Strauss, a natureza é “boa para pensar”,

sendo utilizada no totem como recurso para elaborar

cognitivamente a diversidade humana (Lévi-Strauss,

1975, p. 94).

Tal tese permite, por conseguinte, aproximar o

pensamento “primitivo” do “civilizado”, através da

análise daquilo que lhes é comum. O pensamento

científico, assim, corresponde apenas ao refinamento

das estruturas de pensamento compartilhadas com os

considerados primitivos, posto que opera seguindo a

mesma lógica do totem, o que nos permite, por sua

vez, codificar os símbolos de uma cultura para outra.

Para Lévi-Strauss, mesmo as criações mais

aprimoradas do pensamento racional expressam as

categorias sensíveis baseadas na natureza. Tal

pressuposto, por sua vez, nega a tese evolucionista

que compreende o avanço das estruturas mentais

através da história.

Cumpre apontar também o grande impacto do

trabalho de Geertz (1991) às teorias naturalistas, cujas

teses não só introduziram um novo modo de conceber

a cultura, como também enfocaram a delicada

problemática da influência da subjetividade do

etnógrafo na interpretação das culturas. Para esse

autor, a cultura é essencialmente semiótica, sendo o

homem “um animal amarrado a teias de significados

que ele mesmo teceu” (Geertz, 1991, p. 15). Em razão

desse ponto de vista, Geertz promoveu um relativo

afastamento da antropologia em relação ao método

experimental, levando esta ciência a uma ênfase maior

no caráter interpretativo do trabalho etnográfico.

Há ainda a destacada importância de autores

pertinentes às demais ciências sociais, como Émile

Durkheim. Conforme Alexander R. Luria (1990), a

divulgação e aceitação das idéias de Durkheim

representou a rejeição às teses evolucionistas sobre os

processos humanos. Para Durkheim, a compreensão

destes processos deve ser buscada nos modos de

organização da sociedade, especificamente nas

representações coletivas dispostas nesse contexto e

que agem sobre os indivíduos. Tais teses

fundamentaram a teoria do antropólogo francês

Lucien Lévy-Bruhl que, por sua vez vai influenciar

grande parte dos pesquisadores das ciências humanas

na década de 20 do século passado.

Verifica-se nas teorias do antropólogo Lévy-Bruhl

um outro ponto de vista sobre a relação natureza e

cultura. Neste caso, o cerne do debate se localiza na

comparação das diferentes formas de configuração da

cognição humana no interior das culturas, opondo

formas primitivas de pensamento às formas científicas

de interpretação da realidade. Esse confronto pode ser

resumido na diferença de eleição dos fatores que

constituem a realidade e produzem os fenômenos da

natureza: enquanto nas formas consideradas

“primitivas” predominam idéias de “participação”,

onde tudo está vinculado a tudo, nas formas

consideradas “científicas”, próprias da cultura

ocidental contemporânea, predomina a leitura lógicocausal

dos acontecimentos. Se para as primeiras as

idéias mágicas têm ampla aceitação, nas demais, todo

tipo de explicação que foge às leis da lógica é

rejeitada.

Cumpre esclarecer, no entanto, que para Lévy-

Bruhl as diferenças qualitativas do pensamento entre

as culturas não têm origem na seleção natural, como

entendem os evolucionistas, mas no desenvolvimento

sócio-histórico (Luria, 1990). Do mesmo modo, as

formas primitivas de pensamento não representam

modos rudimentares da lógica formal. Tratam-se de

modos diferentes de articulação das funções

cognitivas, em razão do instrumental psicológico

disponível num dado contexto social (Vygotski &

Luria, 1996).

Outra das contribuições mais significativas da

antropologia ao debate é a relativização dos modos de

pensar a relação natureza e cultura no ocidente,

sobretudo no contexto da produção científica

especializada. De maneira geral, pensamos que a

natureza é um dado estável, a ponto de se considerar a

universalidade desta dimensão. Nesse sentido, o que

nos diferenciaria é a cultura, a dimensão responsável

por nos singularizar enquanto seres humanos.

O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro (1996)

argumenta, com base em sua etnografia de grupos

indígenas amazônicos, que esta é apenas uma das

possibilidades de compreensão dos atributos

específicos da natureza e da cultura. Conforme

demonstra em seu estudo, alguns povos ameríndios da

região amazônica compreendem que todo ser vivo

dispõe de um mesmo ponto de vista, de modo que

todas as espécies compartilham das mesmas

categorias de interpretação da realidade. No entanto,

nessa ordem simbólica específica, as espécies

consideram a si mesmas como seres diferentes das

outras espécies, pelo fato de possuírem corpos

diferenciados, o que caracteriza um modo de

perspectivismo.

Para Viveiros de Castro, o perspectivismo

ameríndio é uma possibilidade racional da relação

cultura e natureza, sendo tão exótico quanto nosso

pensamento científico. Assim, não se apresenta um

abismo entre o pensamento ameríndio e o esforço

positivista de eliminar qualquer alteridade do que se

investiga. Trata-se de formas diferenciadas de

distribuir as mesmas categorias de interpretação da

relação cultura e natureza. Em realidade, o

perspectivismo inverte a oposição natureza e cultura

da racionalidade ocidental: se para nós a natureza é

universal e a cultura é particular, para o

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perspectivismo do pensamento ameríndio a cultura é

que é universal. Nesse último caso, a particularidade é

dada pelas diferentes naturezas, de modo que o que

singulariza é o corpo. Ironicamente, temos de um lado

o multiculturalismo, do outro o multinaturalismo, sem

que se possa dizer a validade maior de uma e de outra

possibilidade lógica das noções de cultura e natureza.

Há ainda outros pressupostos defendidos implícita

ou explicitamente pela Ciência que merecem uma

análise mais detida, à luz da Antropologia. Na maior

parte das vezes, considera-se a humanidade como

oposta à animalidade, sendo a natureza um outro lugar

simbólico do qual nos distinguimos em razão da

cultura (Ellen, 1996). Por outro lado, ora tratamos a

humanidade como uma condição, ora como o

conjunto dos seres vivos que caracterizam a espécie

humana, sem muito cuidado em fazer notar as

implicações destas noções.

Conforme o antropólogo Tim Ingold (1995),

atingir uma maior precisão dos conceitos de

humanidade e animalidade passa por distinguir três

tópicos da relação entre essas noções: o aspecto

conceitual, o epistemológico e o moral. No primeiro,

há que se considerar o conceito de espécie humana, o

qual engloba um espectro de diferentes

manifestações/variações físicas, constituindo a

chamada humanidade, como uma espécie entre outras,

embora com uma distância relativa entre estas. Já o

segundo diz respeito ao aspecto epistemológico,

através do qual o autor problematiza a humanidade em

dois modelos: como condição e como espécie. Tratase

de uma relevante distinção, pois considerar que a

humanidade é uma condição é supor que existem dois

tipos de ciência: as naturais e as humanas. Em

contrapartida, se consideramos a humanidade como

espécie, então só há uma ciência que abrange os ditos

fenômenos naturais e humanos. Vale dizer que no

primeiro caso - da humanidade como condição - há

uma clara correspondência com os modos ocidentais

de pensamento, que tendem a dicotomizar e opor os

fenômenos como modo de classifica-los para

compreendê-los. Como último aspecto, da relação

humanidade e animalidade, destaca-se a dimensão

moral destas categorias. A “cilada” deste aspecto é

que, de acordo com o modo de compreensão da

humanidade, ora se produz o etnocentrismo, ora o

antropocentrismo. Se tomarmos o evolucionismo, por

exemplo, distinguindo graus entre as diferentes

espécies onde a humanidade se localiza no mais

elevado patamar, então tal disposição hierárquica

constitui uma postura etnocêntrica. Por outro lado, se

propomos uma relação de equivalência entre a

humanidade e os animais então afirmamos um tipo de

postura antropocêntrica, onde o modelo de

comparação por excelência é o humano.

As contribuições de Vygotski ao debate sobre a

relação natureza e cultura

Desde o século XIX a Psicologia vive a

intensificação de uma crise2 que há muito tempo a

divide entre dois modos distintos de conceber e

investigar o psiquismo humano (Vygotski, 1996). No

cerne desta divisão está a diferença no valor atribuído

aos fatores orgânicos na constituição das

características especificamente humanas de

funcionamento psicológico ou, em outras palavras, à

inter-relação de condições hereditárias com fatores do

meio ambiente. Se por um lado as tendências

idealistas acreditam haver certa autonomia das

processos psicológicos em relação à base orgânica, as

tendências materialistas enfatizam justamente os

determinantes biológicos e a realidade objetiva na

análise do comportamento humano.

Nas psicologias idealistas, segundo Lev S.

Vygotski, valoriza-se tudo aquilo que é

desconsiderado pela tendência materialista,

enfocando-se os fatores subjetivos como pauta

principal de investigação. A fenomenologia de

Edmund Husserl e o introspeccionismo de Guerrgui I.

Tchelpanov e Wilhelm Wundt são as tendências que

melhor representam, no início da psicologia, esse

grupo, cuja característica fundamental é defender a

autonomia dos processos psicológicos

especificamente humanos em relação à base orgânica

e ao ambiente. O psiquismo é, assim, compreendido

como algo independente e que possui uma existência

relativamente autônoma da realidade.

Por outro lado, às psicologias materialistas

pertencem as propostas que utilizam o modelo de

investigação típico das ciências naturais, valorizando

os fatores orgânicos e ambientais na compreensão do

comportamento humano. A Reflexologia, a Gestaltpsico-

logia3 e o Behaviorismo são as três grandes

tendências que representam esse grupo, sendo que

estas enfatizam os fatores objetivos em detrimento dos

fatores subjetivos em suas teses psicológicas. Para

esse grupo a Psicologia é uma ciência natural, tal

como a biologia e a física, devendo esta ciência

afastar-se de toda análise que parta de fenômenos não

diretamente observáveis ou pouco verificáveis

empiricamente.

Aparentemente arbitrária, essa divisão corresponde

à análise que Vygotski (1996) realiza sobre o

significado histórico da crise na Psicologia, cuja

atualidade tem sido defendida por diferentes

pesquisadores (Blanck, 1987; Rivière, 1985). Para ele,

o núcleo desta crise é a divisão da psicologia em duas

correntes, de acordo com o ponto de vista

metodológico que as caracteriza. Nesse caso, o

‘divisor das águas’ é o método das ciências naturais,

de um lado visto como o único que concederia à

Psicologia o caráter de Ciência e, por outro, posto de

lado para preservar a relevância da subjetividade. Vale

dizer que, para Vygotski, foi a emergência da

psicologia aplicada que gerou demandas práticas das

quais a psicologia idealista não deu conta, o que levou

à valorização do método científico-experimental como

possibilidade concreta de atender às necessidades

pragmáticas voltadas ao conhecimento psicológico.

Resgatando as análises de Ingold (1995) sobre as

diferentes noções de humanidade, podemos

acrescentar um elemento na compreensão dos

aspectos epistemológicos desta crise. Ao tomar o

modelo das ciências naturais, a vertente materialista

nada mais está afirmando que a humanidade é uma

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espécie entre outras e que os fenômenos humanos

devem ser estudados do mesmo modo que todos os

fenômenos naturais. Por outro lado, ao afirmar a

autonomia dos processos humanos em relação à base

orgânica e à realidade material, subentende-se que os

idealistas concebem a humanidade como uma

condição, cujo caráter afasta os humanos das demais

espécies de seres vivos.

Essa separação, já anunciada por Wundt quando da

emergência da Psicologia enquanto ciência

independente, ainda hoje se mantém e aparece nas

categorizações das áreas de conhecimento das

agências de fomento, como CAPES e CNPq, ou no

modo como se insere no âmbito dos cursos

universitários. Enquanto em algumas universidades o

Curso de Psicologia pertence ao Centro de Ciências

Biológicas, em outras está alocado no Centro de

Ciências Humanas. Ou seja, a própria estrutura

organizacional das universidades reflete esse dilema

dos conceitos em torno da relação natureza e cultura

na compreensão das especificidades humanas.

Algumas teorias psicológicas cunhadas no decorrer

do século XX desenvolveram caminhos intermediários

que servem de alternativa a esse dualismo que

caracteriza o pensamento ocidental sobre a relação

natureza e cultura na explicação do psiquismo

humano. Jean Piaget, o mais famoso representante da

vertente construtivista, contempla em sua

epistemologia genética a relevância tanto dos

processos biológicos quanto dos processos ambientais

que determinam a condição humana. No entanto, ao

considerar os processos de conhecer e a linguagem

como epifenômenos na garantia da adaptação dos

seres humanos, esse autor tende para a maior

aceitação da humanidade enquanto espécie,

aproximando-se da perspectiva que caracteriza a

Psicologia como ciência natural (Palangana, 1994).

Ao elaborar o projeto de uma Psicologia que

representasse a síntese dialética das posições que

caracterizavam a crise nesta ciência, Vygotski,

contrapondo-se às diversas correntes psicológicas de

seu tempo, dedica-se à tarefa de superar as

contradições entre as noções de espécie e condição

humana. Em se tratando de um projeto inspirado na

teoria marxista, a perspectiva histórica na explicação

da constituição das características especificamente

humanas é fundante de todo o seu arcabouço teórico,

pois “... a história da psique humana é a história social

de sua constituição... Assim como a psique não é algo

imutável e invariável no curso do desenvolvimento

histórico da sociedade, não é tampouco no curso do

desenvolvimento individual; as transformações que

experimenta são tanto estruturais quanto funcionais”

(Shuare, 1990, p. 61).

A abordagem histórica delineada pelo psicólogo

russo abrange três conjuntos de aspectos entrelaçados,

dos quais os dois primeiros dizem respeito à noção de

humanidade como espécie e o último representa a

noção de humanidade enquanto condição (Leontiev,

1991). São os seguintes:

1) A maior parte dos autores concorda que os

fatores biológicos atuam no desenvolvimento e

funcionamento do psiquismo humano. Neste caso, não

se está falando dos processos que nos distinguem dos

animais, afinal, as demais espécies de seres vivos

também sofrem a influência de sua base orgânica em

seu desenvolvimento e funcionamento psíquico

elementar.

2) Como segundo conjunto de fatores, destacam-se

os que se constituem a partir da ontogênese, onde as

condições ambientais atuam na experiência de cada

ser vivo transformando a base hereditária e

estabelecendo comportamentos fundamentais à

manutenção da própria existência. No caso dos seres

humanos, tais processos são representados pelas

capacidades que envolvem a garantia de condições

adequadas à sobrevivência frente às constantes

mudanças ambientais. Vale dizer que ainda se está

tratando de questões comuns entre animais e seres

humanos e, portanto, depurando a noção de

humanidade como espécie homo sapiens.

3) Há, contudo, um terceiro conjunto de fatores

que representam os processos que determinam o

aparecimento e a formação das capacidades

exclusivamente humanas. Tais processos não se

produzem nem como resultado da atuação de fatores

endógenos nem são estritamente o produto da

experiência individual. Em realidade, esses processos

são o resultado da apropriação, por parte dos sujeitos,

das conquistas culturais da humanidade por diferentes

gerações e que constituem tudo o que diz respeito à

condição humana.

A característica fundante dos seres humanos,

portanto, é o fato de não se adaptarem à realidade,

como o fazem os animais, mas dela se apropriarem

ativamente, de torná-la própria. Isso é possível porque

desde que nasce a criança está imersa em um universo

de objetos humanizados, isto é, significados. Toda

relação que estabelece com a realidade é mediada

pelos outros com os quais convive, sendo que estas

relações são eminentemente comunicativas.

Vygotski destaca que os processos psicológicos

superiores,4 que constituem as faculdades conscientes

dos seres humanos, são o produto dessas relações em

que as pessoas desde muito cedo participam em sua

vida. Nesse sentido, parte da tese de que o plano

intrapsicológico se constitui

...na conversão,5 na esfera privada, da

significação que as posições sociais têm na

esfera pública. O que nos conduz a afirmar que

as funções psicológicas constituem a projeção

na esfera privada (plano da pessoa ou da

subjetividade) do drama das relações sociais

em que cada um está inserido. Ou, em outros

termos, as funções psicológicas são função da

significação que as múltiplas relações sociais

tem para cada um dos envolvidos nelas, com

todas as contradições e conflitos que elas

envolvem em determinadas condições sociais

(Pino, 2000, p. 72 – grifos do autor).

Tal tese sobre o desenvolvimento psicológico

aponta as tramas sociais como constitutivas do sujeito,

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de suas características singulares que expressam

possibilidades e impedimentos sociais, limites e

perspectivas. Isso implica afirmar que todo o substrato

cultural que transita no contexto do qual participa

ativamente o sujeito é dele constitutivo, pois este tece

as rendas que o tecem na medida em que este torna

seu o que é coletivamente produzido (Zanella, 1999).

Retoma-se assim a temática da relação natureza e

cultura. Na perspectiva de Vygotski, a cultura e a

natureza se expressam através de processos que são ao

mesmo tempo autônomos e mutuamente constitutivos:

se a natureza, essencialmente histórica para os seres

humanos, fornece a base para o desenvolvimento

cultural, este último redimensiona as faculdades

herdadas, tornando-as conscientes. Nessa perspectiva,

as duas noções de humanidade - como espécie e

condição – estão dialeticamente relacionadas.

Essa síntese dialética objetiva-se na psique

humana, a qual “(...) não deve ser considerada como

uma série de processos especiais que existem em

algum lugar na qualidade de complementos acima e

aparte dos cerebrais, mas como expressão subjetiva

desses mesmos processos, como uma faceta especial,

uma característica qualitativa especial das funções

superiores do cérebro” (Vygotski, 1991, p. 100)6.

A tese da unidade dos processos fisiológicos e

psicológicos, sustentada por Vygotski, aponta para a

necessidade de se considerar, nos estudos

psicológicos, os aspectos subjetivos e objetivos, posto

que todo ser humano é expressão e fundamento de um

tempo histórico, de uma herança filogenética, de uma

cultura que imprime marcas no seu próprio corpo e

que, ao mesmo tempo em que é apropriada, é

constantemente transformada.

Essa tarefa implica, por sua vez, uma racionalidade

que supere dicotomias e reconheça a unidade na

diversidade. Para o autor,

A profunda diferença entre os processos

psíquicos e fisiológicos resulta totalmente

insuperável para o pensamento metafísico,

sendo que a irredutibilidade de uns a outros

não constitui obstáculo algum para o

pensamento dialético, acostumado a analisar

os processos de desenvolvimento por um lado

como processos contínuos e, por outro, como

processos que vão acompanhados de saltos, do

aparecimento de novas qualidades (Vygotski,

1991, p. 99).

Esses saltos e novas qualidades resultam

justamente da apropriação, na trama das relações

sociais, de novas formas de mediação, ou então da

transição para uma versão mais avançada de uma

forma de mediação já existente (Wertsch, 1988), o que

aponta para o lugar fundamental da cultura no

processo de humanização, pois “...a cultura cria

formas especiais de conduta, muda o tipo da atividade

das funções psíquicas” (Vygotski, 1987, p. 38).

Reorganiza-se, portanto, com a apropriação da

cultura, todo o conjunto de processos psicológicos

superiores, pois ainda que se faça referência aos

mesmos separadamente, na atividade humana

objetivam-se como um todo integral, assim como o

sujeito da atividade apresenta-se sempre e

necessariamente como cognitivo, afetivo, corpóreo,

com características de gênero, geração, classe social e

etnia, entre outras categorias sociais. Enfim, como

sujeito social e histórico.

Considerações Finais

O debate sobre a relação natureza e cultura é, a

partir do que aqui foi exposto, complexo, sendo sua

atualidade marcada pelos fatores históricos que

demandaram à ciência encontrar as respostas sobre o

que define as especificidades humanas, o que nos leva

à questão da constituição do indivíduo ocidental no

bojo da modernidade. Nesse sentido, cabe aqui

destacar dois argumentos:

1) Desde o início da modernidade, o processo

civilizador leva ao constante exercício de negação da

dimensão instintiva da vida humana, através da

emergência da necessidade de autocontrole como

meio eficaz de regulação da vida social (Elias, 1990).

À medida que a natureza foi impregnada dos sentidos

que a tomam como campo de desordem, coube à

razão, como atributo exclusivo humano, a tarefa de

garantir a emancipação dos humanos em relação a

suas características consideradas próximas aos

animais.

2) O indivíduo, como argumentam Sennett (1988)

e Velho (1994), é uma abstração que representa a

busca de autonomia e de autenticidade, cada vez mais

presente nos modos de vida ocidentais. Assim, ao

descobrir o que lhe é específico, o indivíduo das

sociedades ocidentais moderno-contemporâneas

consegue ter em mãos a garantia de estar além dos

limites naturais, projetando-se como um ser autêntico

e singular.

A investigação da emergência e características

dessa singularidade mobiliza diversos campos

disciplinares, entre os quais a Antropologia e a

Psicologia, que se distinguem em razão da

especificidade de seus objetos de estudo e dos

métodos de investigação empregados. Ainda assim, é

possível tecer um profícuo diálogo na medida em que

as aproximações e distanciamentos trazem luz a um

debate atual que está longe de ser encerrado, ou seja,

sobre a relação natureza e cultura.

Tentativas no sentido de superar divergências vêm

de longa data, marcadas muitas vezes pelo discurso

que nega a crise das ou que busca resolvê-la via

afirmação hegemônica de uma perspectiva. Algumas

propostas têm sido defendidas em outra direção, tais

como a de Edgar Morin (1973). Para esse autor, não

há oposição inconciliável entre natureza e cultura, de

modo que se verifica a necessidade de se buscar uma

Antropologia Fundamental como base da integração

das ciências naturais e humanas. Argumenta Morin

que é preciso superar a “noção insular do homem”

(Morin, 1973, p. 193) e a idéia de ser humano como

ser distanciado da (própria) natureza. Para o autor, a

Antropologia Fundamental a ser criada “deve rejeitar

A relação natureza e cultura

Interação em Psicologia, jul./dez. 2003, (7)2, p. 81-89

7

toda a definição que faça do homem uma entidade,

tanto supre animal (...) como estritamente animal”

(Morin, 1973, p. 193). Para tanto, sua lógica deve ser

pautada nos princípios da complexidade e da autoorganização,

de modo a não reduzir o ser humano a

nenhuma das dimensões que o constituem.

Na mesma direção, muitas décadas atrás, Vygotski

defendia a construção de uma Psicologia “básica ou

central”, de uma Psicologia Dialética definida como

a ciência das formas mais gerais do devir tal

como se manifesta no comportamento e nos

processos de conhecimento, isto é, assim como

a dialética da ciência natural é, ao mesmo

tempo, a dialética da natureza, a dialética da

psicologia é, por sua vez, a dialética do homem

como objeto da psicologia (Vygotski, 1996, p.

247).

Ainda que Vygotski tenha se debruçado, ao falar

do sujeito, sobre a relação entre fisiológico e

psicológico e a constituição do psiquismo humano,

debate este que na sua época mobilizava teóricos de

diferentes tendências epistemológicas, apresentou

aspectos centrais que apontam para a necessidade de

considerar o sujeito como um todo e sua complexa

relação com a cultura. Ao destacar que “(...) cada

pessoa é, em maior ou menor grau, o modelo da

sociedade, ou melhor, da classe a que pertence, já que

nela se reflete a totalidade das relações sociais”

(Vygotski, 1996, p. 368), Vygotski sinaliza a

necessidade do diálogo entre psicologia e sociologia,

psicologia e antropologia, psicologia e história, e

muitos outros campos das chamadas ciências humanas

e sociais. Sinaliza igualmente para o diálogo entre

ciências humanas e naturais, fundado no

reconhecimento das especificidades e das

contribuições de ambas para a explicação da gênese

social da condição humana.

O debate, portanto, aqui apresentado a partir das

contribuições da antropologia e da psicologia,

pertence na verdade a todas as ciências que

investigam o humano e à Filosofia, as quais ainda não

encontraram solução possível na tarefa de

Reconciliar a continuidade do processo

evolutivo com a consciência de que vivermos

uma vida que se coloca além do “meramente

animal”. Isso não pode ser realizado pela

redução do estudo da humanidade seja a uma

pesquisa da natureza e evolução da espécie

homo sapiens, seja a uma investigação

da condição humana conforme manifestada na

cultura e na História. Nossa meta deveria ser

transcender a oposição entre essas concepções

que têm se mantido tradicionalmente como

territórios exclusivos da ciência natural e das

humanidades. Em outras palavras, precisamos

estudar a relação entre a espécie e a condição,

entre seres humanos e ser humano (Ingold,

1995, p. 52).

Pelo exposto, os dilemas aqui analisados são o

resultado da tentativa humana de encontrar seu lugar

no mundo, seja como mais um animal ou como um ser

distinto de todas as espécies em razão de suas

peculiaridades. Se o desenrolar dessa tentativa resulta

em crises por parte das ciências, então não se pode vêlas

a não ser como momentos necessários da

problematização da condição humana.

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Aceito: 05.12.2003

A relação natureza e cultura

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Notas:

1

Assim como o faz com vários outros termos, Vygotski utiliza indiscriminadamente as expressões “funções psicológicas

superiores”, “funções superiores da conduta”, “processos mentais superiores”, para se referir à especificidade da atividade

psicológica do ser humano. Não há, no entanto, qualquer aproximação com as teorias funcionalistas, pois “ao conceber o

psiquismo como um conjunto de funções e estas como sendo de natureza cultural, não biológica, Vygotski se distancia tanto das

teorias funcionalistas e estruturalistas quanto das concepções biologizantes e mecanicistas” (Pino, 2000, p. 69). Reconhecendo a

imprecisão do termo e na tentativa de sermos mais fiéis ao pensamento do autor, utilizaremos no decorrer deste texto a expressão

processos psicológicos superiores, mantendo outras expressões em caso de citações literais, como a que deu origem a esta nota de

rodapé.

2 A idéia da crise da psicologia já tem um século de existência, sendo tematizada por uma série de autores como Langue, Frank,

Vygotski e, mais recentemente, por Figueiredo (1991). Em suma, trata-se do confronto entre matrizes idiocráticas e nomotéticas,

ou seja, entre aquelas que enfatizam a dimensão subjetiva e aquelas que salientam os determinantes objetivos do comportamento

humano.

3 Importante destacar que Vygotski (1996) analisou as contribuições de teóricos da Gestalt no início do século XX, que nada mais

estavam propondo que a localização da Psicologia como uma ciência natural, à medida que a noção de estrutura aparece como

um fenômeno que possui um caráter psicofísico. Nesse sentido, o psíquico e o físico fazem parte de um mesmo todo homogêneo

e, por essa razão, a Gestalt se enquadraria numa classificação de psicologia materialista. Entretanto, a psicologia da Gestalt

modificou-se consideravelmente, principalmente com o desenvolvimento da Gestalt Terapia que realiza a leitura desta proposta a

partir dos pressupostos da fenomenologia.

4 “...esse conceito está constituído pelos processos de domínio dos meios externos do desenvolvimento cultural e do pensamento:

o idioma, a escrita, o cálculo, o desenho; em segundo lugar, está constituído pelos processos de desenvolvimento das funções

psíquicas superiores especiais, não limitadas nem determinadas de nenhuma forma precisa e que tem sido denominadas pela

psicologia tradicional com os nomes de atenção voluntária, memória lógica, formação de conceitos, etc.” (Vygotski, 1987, p. 32).

5 O termo conversão (Molon, 1999) é bastante fiel aos pressupostos de Vygotski à medida que permite dar o sentido de um

processo que acompanha a mudança de estado (inter para intrasubjetivo) e a mudança de sentido (eu-outro) para (eu-eu mesmo).

6 Sobre o processo de formação de sistemas cerebrais, consultar Alexis Leontiév, 1978.

Sobre os autores:

Adriano Henrique Nuernberg: Mestre em Psicologia pela UFSC, aluno do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em

Ciências Humanas / Doutorado da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), professor da UNISUL. E-mail:

adrianoh@cfh.ufsc.br.

Andréa Vieira Zanella: Doutora em Psicologia pela PUC/SP, professora do Curso de graduação em Psicologia e do Programa

de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: andreavz@uol.com.br – Endereço

para correspondência: Manoel Luís Duarte, 235 – Lagoa da Conceição – 88062-415 Florianópolis - SC

O Poder pelo olhar da Sociologia 

A palavra poder vem do latim potere, e seu significado remete-nos à posse de capacidade ou faculdade de fazer algo, bem como à posse do mando e da imposição da vontade. A sociologia e a filosofia discutem formas e teorias sobre o poder, apresentando distintas definições, ao longo de séculos, de acordo com o cenário histórico, político e social de cada época.

Leia também: Totalitarismo: regime político que centraliza as figuras de poder      

O que é poder?

Para além de ter a autoridade, o comando ou simplesmente a faculdade de ser capaz de algo, por atributos físicos ou intelectuais, o poder é uma força que permeia as relações sociais desde o início da sociedade humana. O poder expressa-se pelo embate de forças, mas, antes disso, ele existe em si enquanto uma força.

Em Microfísica do poder,  Foucault discute a inserção do poder em instituições sociais que querem controlar os nossos corpos e comportamentos. [1]
Em Microfísica do poder,  Foucault discute a inserção do poder em instituições sociais que querem controlar os nossos corpos e comportamentos. [1]

Diante de tantas épocas históricas que encararam o poder de diferentes maneiras, vários pensadores desenvolveram diversas teorias sobre o assunto. Nesse sentido, talvez a teoria mais complexa e que explique de maneira mais minuciosa a época contemporânea seja a do filósofo francês Michel Foucault, que entendeu que a sociedade é um complexo de microrrelações de poderes disciplinares que visam controlar os corpos das pessoas via imposição da disciplina.

Teorias do poder

Para o sociólogo alemão Max Weber, poder é a imposição da vontade de uma pessoa ou instituição sobre os indivíduos. Essa imposição é direta e deliberada e pode ter aceitação como força de ordem ou não. Quando as pessoas submetidas ao poder de alguém aceitam a ordem, há uma transição de forças do âmbito do poder para o âmbito da dominação, ou seja, a pessoa que aceita a imposição de ordem submete-se à autoridade da outra.

Para o filósofo, sociólogo e economista alemão Karl Marx, o poder reside naquele que possui os meios materiais de produção de capital, o que, em sua época, eram as fábricas e as terras. Por meio da posse dos meios de produção, o proprietário submete seus empregados ao seu poder. Isso, para Marx, causa injustiças sociais, pois o patrão apropria-se do trabalho de seu empregado para obter o capital todo para si.

A proposta de Marx seria uma revolta do proletariado contra a burguesia que tomaria os meios de produção, distribuindo-os aos trabalhadores e dissolvendo o poder entre a população. No entanto, haveria a necessidade, para Marx, da criação de uma espécie de poder central, o Estado socialista, que cuidaria da gestão da propriedade.

Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu, o poder é compreendido em uma esfera social e coletiva permeada pelo o que ele chamou de habitus. O habitus é um conjunto de valores, normas, regras, gostos e elementos culturais, como religião, arte etc., que moldam a sociedade e têm a capacidade de juntar e de separar as pessoas. O habitus é completamente inconsciente, e a sua assimilação dá-se por meio das representações culturais a que somos submetidos e da interiorização e imitação dessas representações.

Para Bourdieu, há um poder por trás disso tudo que faz com que as pessoas, inconscientemente, busquem consumir, gostar, adequar-se a certos elementos em detrimento de outros. O comando coletivo e inconsciente dessas preferências confere a certos atores um poder econômico ou social, no sentido em que criam representações simbólicas a serem seguidas por outras pessoas.

Michel Foucault, filósofo francês contemporâneo, fez em sua obra uma minuciosa análise do poder e chegou à conclusão de que o poder na contemporaneidade não se encontra centralizado, mas dissolvido na sociedade. Segundo Foucault, houve um marco na sociedade que foi a Revolução Industrial e o advento do capitalismo liberal. Antes desses eventos, as antigas monarquias concentravam o poder nas mãos do rei, o que nos leva à ideia de um poder que Foucault denominou macrofísico, aquele que é grande e concentrado.

Após o nascimento do capitalismo industrial liberal, o poder passou a dissolver-se em várias instituições de controle diferentes. Se antes o controle era instituído pelo rei, agora ele é feito pela escola, pela indústria, pelos quartéis, pelas prisões, pelos hospitais e pelos hospícios.

Todas essas instituições são casas de confinamento que moldam o comportamento dos indivíduos (escola e quartel), controlam-nos para que sejam produtivos (fábrica), e corrigem aqueles que não se enquadram às normas sociais (cadeia e hospício) ou cujos corpos não aguentam a alta produção devido a doenças (hospitais).

Formas de poder

Para o filósofo italiano contemporâneo Norberto Bobbio, existem formas de poder que classificam os diferentes meios de obtê-lo e exercê-lo na sociedade. Partindo de uma leitura do cenário político com inspirações marxistas, Bobbio identificou três formas de poder. São elas:

  • Poder econômico: exercido por quem tem posse dos bens materiais e do dinheiro. É essa forma de poder que faz com que as pessoas que não têm posse dos recursos mantenham certo comportamento e sujeitem-se a certos tipos de trabalho. É o poder econômico que mantém o funcionamento do sistema capitalista e que faz com que os trabalhadores sujeitem-se ao poder do patrão.
  • Poder ideológico: exercido por quem tem a capacidade de criar ideias e ideologias e, com isso, influenciar os outros. Esse tipo de poder mantém toda uma estrutura social em pleno funcionamento, pois faz com que os sujeitados aceitem o poder contra eles investido.
  • Poder político: poder oficial que controla o Estado e detém o direito de uso da força física contra os membros de uma comunidade política. O poder político é legítimo, desde que vise alcançar os fins de uma comunidade política.

Normalmente, essas três formas de poder são exercidas pelos mesmos grupos dentro de uma sociedade, sendo que o poder burocrático estatal tende a ser controlado por quem tem o poder econômico e o poder ideológico.

Leia mais: Anarquismo – teoria política que visa à supressão do Estado e das instituições de poder

Poder social

Hoje denominamos poder social a capacidade que certos indivíduos têm de influenciar a sociedade, por meio do discurso, de seu carisma ou pela posse de meios que permitam a grande difusão de suas ideias. Nesse sentido, detém poder social aquele que consegue mobilizar a sociedade ou grupos sociais em torno de um projeto comum, influenciando a formação de ideias e opiniões.

Exemplos de poder

Na teoria foucaultiana, podemos tomar como exemplo de poder o controle disciplinar exercido por relações sociais microfísicas dentro de instituições de confinamento. São exemplos dessas relações: a relação entre aluno e professor, patrão e empregado, paciente e médico ou prisioneiro e carcereiro.

Para Bobbio, o poder econômico pode ser exemplificado pela relação entre o patrão e o empregado; o poder ideológico, pela relação entre a mídia (meios de comunicação) e as pessoas; e o poder político, pela relação entre os atores políticos (governantes) e os cidadãos. 

Crédito de imagem

[1] Grupo Editorial Record (Reprodução)

 

Por Francisco Porfírio
Professor de Sociologia

Gostaria de fazer a referência deste texto em um trabalho escolar ou acadêmico? Veja:

PORFíRIO, Francisco. "Poder"; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/poder.htm. Acesso em 13 de março de 2022.

 

O ODS 5 fala sobre a igualdade de gênero e o “empoderamento de todas as meninas e mulheres”. Vamos entender a importância deste Objetivo de Desenvolvimento Sustentável  para que o mundo seja mais igualitário em todos os sentidos?

Uma mulher vivendo, hoje, em um país em desenvolvimento, certamente tem um futuro com mais oportunidades do que tiveram sua mãe e sua avó. Afinal, vários são os aspectos que estão melhores para as mulheres no século XXI. Mais garotas estão na escola do que nunca antes. A população está um pouco mais longe da miséria: entre 1995 e 2015, a porcentagem de pessoas vivendo em extrema pobreza caiu 26% no mundo. Neste mesmo período, a proporção de mulheres que se casaram quando crianças diminuiu 15%, de uma em cada quatro para aproximadamente uma em cada cinco. E a taxa global de mortalidade materna caiu 38% entre 2000 e 2017.

Ainda assim, quase meio bilhão de mulheres e meninas com 15 anos ou mais de idade são analfabetas. E mais meninas do que meninos estão fora da escola. A pobreza também tem rosto de mulher: entre os 25 e 34 anos, as mulheres têm 25% a mais de chance de viver em extrema pobreza do que os homens. Quanto ao casamento infantil, cerca de 12 milhões de meninas se casam antes dos 18 anos anualmente no mundo.

Ou seja, há bastante chão a ser trilhado no caminho para uma sociedade em que as disparidades de gênero deixem de existir. Uma sociedade em que mulheres e meninas – metade da população do mundo – não sejam mais deixadas para trás. 

“Apenas metade é uma parte igual, e apenas igual é suficiente.”

Phumzile Mlambo-Ngcuka, diretora executiva da ONU Mulheres

Mas os fatores que contribuem para que as mulheres sigam em desvantagem não podem ser vistos de forma isolada. A discriminação baseada no gênero é constantemente atravessada por outras, principalmente envolvendo raça e classe. As relações entre as diferentes formas de opressão compõem o que chamamos de interseccionalidade. Por este motivo, o ODS 5 – que aborda a igualdade de gênero – é central para a Agenda 2030

Você pode entender melhor do que trata a Agenda 2030 e quais são os objetivos propostos por ela em nosso texto ODS: o que esta sigla significa e como ela impacta o mundo hoje

Igualdade de gênero não é apenas um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável propostos, mas também um pilar para que todos os outros sejam alcançados. A perspectiva de gênero na implementação e no monitoramento da agenda não é, desta forma, somente um objetivo, mas uma forma de abordar todas as desigualdades, já que mulheres e meninas são desproporcionalmente e sistematicamente afetadas por elas.

Sobre o ODS 5 e o caminho para a igualdade de gênero

“Alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”, assim o ODS 5 se apresenta. Mas como dar conta deste propósito, considerando as complexidades e transversalidades que existem quando o assunto é disparidade de gênero?

As nove metas nas quais o ODS 5 se desdobra procuram envolver as dimensões mais relevantes desta questão, passando por temas como como violência, discriminação, reconhecimento do trabalho doméstico não remunerado, políticas de redução das desigualdades de gênero, entre outros.

Vamos conhecê-las?

  • Acabar com todas as formas de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte;
  • Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e meninas nas esferas públicas e privadas;
  • Eliminar todas as práticas nocivas, como os casamentos prematuros;
  • Reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e doméstico não remunerado;
  • Garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança;
  • Assegurar o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos;
  • Realizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos recursos econômicos, bem como o acesso à propriedade e controle sobre a terra;
  • Aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres;
  • Adotar e fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igualdade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas.

Para uma leitura completa das metas relacionadas a este objetivo, acesse a página do ODS 5 no site da ONU!

Muitas destas questões tiveram sua importância demarcada dez anos antes da criação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, na Declaração e Plataforma de Ação de Pequim. Este documento, considerado o marco normativo mais avançado e progressista com relação aos direitos das mulheres, foi resultado da IV Conferência Mundial Sobre a Mulher, que aconteceu em 1995, na cidade de Pequim, na China. Adotada por 189 países, a declaração identifica 12 áreas prioritárias de preocupação:

  1. Crescente proporção de mulheres em situação de pobreza;
  2. Desigualdade no acesso à educação e à capacitação
  3. Desigualdade no acesso aos serviços de saúde
  4. Violência contra a mulher; 
  5. Efeitos dos conflitos armados sobre a mulher; 
  6. Desigualdade quanto à participação nas estruturas econômicas, nas atividades produtivas e no acesso a recursos; 
  7. Desigualdade em relação à participação no poder político e nas instâncias decisórias
  8. Insuficiência de mecanismos institucionais para a promoção do avanço da mulher;
  9. Deficiências na promoção e proteção dos direitos da mulher
  10. Tratamento estereotipado dos temas relativos à mulher nos meios de comunicação e a desigualdade de acesso a esses meios; 
  11. Desigualdade de participação nas decisões sobre o manejo dos recursos naturais e a proteção do meio ambiente; 
  12. Necessidade de proteção e promoção voltadas especificamente para os direitos da menina.

Em 2020, a Declaração de Pequim completa 25 anos. E os ODS completam cinco. Entramos na Década da Ação, um movimento global lançado na Cúpula dos ODS para impulsionar medidas que ajudem a tornar a Agenda 2030 e todos os seus objetivos uma realidade nos próximos dez anos. Mas que progressos precisam acontecer quando o assunto é gênero?

Desigualdade de gênero e ODS 5 em revisão

A ONU Mulheres colocou a questão de gênero em perspectiva no relatório Gender equality: women’s rights in review 25 years after Beijing, lançado neste ano. São os dados atualizados deste relatório que utilizamos para embasar todo este texto. 

Traduzimos um trecho desse documento – disponível em inglês, espanhol e francês – para que você possa entender o que ainda precisa mudar no mundo para que uma garota que hoje tem 15 anos seja uma mulher com seus direitos garantidos quando chegarmos em 2030.

Para que ela tenha direitos iguais no casamento

Hoje, mulheres de 19 países são obrigadas por lei a obedecerem seus maridos. E em 111 países o estupro conjugal não é explicitamente criminalizado.

Para que ela tenha a educação e o acesso a oportunidades de emprego que desejar

Hoje, 31% de todas as jovens ao redor do mundo não estão empregadas, estudando ou em treinamento. Entre os homens, essa taxa é de 14%.

Para que ela tenha as mesmas oportunidades de um homem para equilibrar trabalho remunerado e tempo dedicado a cuidados

Hoje, as mulheres realizam muito mais serviços de assistência não remunerada do que os homens. E isto limita suas oportunidades de trabalho remunerado: 58% das mulheres de 25 a 29 anos fazem parte do mercado de trabalho, em comparação com 90% dos homens.

Para que ela tenha uma renda própria e uma vida livre de pobreza 

Hoje, mais mulheres do que homens estão em situação de pobreza extrema. Dados de 91 países mostram que 50 milhões de mulheres com idade entre 25 e 34 anos vivem nas famílias mais pobres do mundo, em comparação com 40 milhões de homens da mesma idade.

Como entendemos a igualdade de gênero e trabalhamos por ela

Existem dois termos que podem gerar algumas confusões quando o assunto é disparidade de gênero: a igualdade e a equidade. Você sabe diferenciá-los? 

De acordo com o Gender in Humanitarian Action Handbook (Manual de Gênero em Ações Humanitárias), produzido pelo IASC e publicado no site internacional da ONU Mulheres, ambos conceitos fazem parte do mesmo processo:

Igualdade de gênero

É um conceito que se refere ao igual usufruto de direitos, oportunidades e recursos, independente do gênero. Não significa que mulheres, homens, meninas ou meninos são iguais, mas que o gênero não pode ser um fator limitante em suas vidas.

Equidade de gênero

É considerada parte do processo para que alcancemos a igualdade. Refere-se à justa distribuição de benefícios ou de responsabilidades entre homens e mulheres, de acordo com suas diferenças e respectivas necessidades.

ODS 5 na prática do Instituto Aurora

O segundo artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos nos diz: “todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie […]”. Entendemos que, para isso, é preciso acabar com todas as formas de discriminação e todas as formas de violência contra mulheres e meninas, como escrito nas primeiras metas do ODS 5.

No ano passado, abrimos os 21 Dias de Ativismo – movimento que tem como foco combater a violência contra a mulher – com uma ação que tinha como missão conversar com 650 estudantes sobre este tema. Para fazer isso utilizamos duas ferramentas que têm um grande potencial de transformação: a literatura e a arte. Foram 15 voluntárias e voluntários envolvidos, uma contadora de histórias e seis horas de atividades na Escola Estadual Maria Gal Grendel. 

Ações como esta fazem parte do nosso trabalho e da nossa contribuição para alcançarmos o ODS 5.

Todos os dados apresentados neste artigo têm como fonte o relatório Gender equality: women’s rights in review 25 years after Beijing

Quer conhecer melhor o nosso trabalho com educação em direitos humanos? Navegue pela seção Quem Somos aqui do site!

(Foto: Carol Castanho)