Porque o sapo não lava
o pé, segundo vários intelectuais
Quando eu li o título deste texto em minha caixa de e-mails,
achei que fosse mais um spam e quase o apaguei. Mas, por algum motivo, fui ler
um trecho e percebi que era algo muito engraçado e criativo. Uma espécie de
piada cult (e para poucos, é verdade! ). Alguns
trechos poderiam ser usados em sala de aula, como atividade. Mas vale
mesmo como descontração…
POR QUE O SAPO NÃO LAVA O PÉ?
Explicações de vário estudiosos…
Olavo de Carvalho: O sapo não lava o pé. Não lava porque não
quer. Ele mora lá na lagoa, não lava o pé porque não quer e ainda culpa o
sistema, quando a culpa é da PREGUIÇA. Este tipo de atitude é que infesta o
Brasil e o Mundo, um tipo de atitude oriundo de uma complexa conspiração
moscovita contra a livre-iniciativa e os valores humanos da educação e da
higiene!
Karl Marx: A lavagem do pé, enquanto atividade vital do
anfíbio, encontra-se profundamente alterada no panorama capitalista. O sapo,
obviamente um proletário, tendo que vender sua força de trabalho para um
sistema de produção baseado na detenção da propriedade privada pelas classes
dominantes, gasta em atividade produtiva alienada o tempo que deveria ter para
si próprio. Em conseqüência, a miséria domina os campos, e o sapo não tem
acesso à própria lagoa, que em tempos imemoriais fazia parte do sistema comum
de produção.
Friedrich Engels: isso mesmo.
Michael Foucault: Em primeiro lugar, creio que deveríamos
começar a análise do poder a partir de suas extremidades menos visíveis, a
partir dos discursos médicos de saúde, por exemplo. Por que deveria o sapo
lavar o pé? Se analisarmos os hábitos higiênicos e sanitários da Europa no
século XII, veremos que os sapos possuíam uma menor preocupação em relação à
higiene do pé – bem como de outras áreas do corpo. Somente com a preocupação
burguesa em relação às disciplinas – domesticação do corpo do indivíduo, sem a
qual o sistema capitalista jamais seria possível – é que surge a preocupação
com a lavagem do pé. Portanto, temos o discurso da lavagem do pé como sinal
sintomático da sociedade disciplinar.
Max Weber: A conduta do sapo só poderá ser compreendida em
termos de ação social racional orientada por valores. A crescente
racionalização e o desencantamento do mundo provocaram, no pensamento
ocidental, uma preocupação excessiva na orientação racional com relação a fins.
Eis que, portanto, parece absurdo à maior parte das pessoas o sapo não lavar o
pé. Entretanto, é fundamental que seja compreendido que, se o sapo não lava o
pé, é porque tal atitude encontra-se perfeitamente coerente com seu sistema
valorativo – a vida na lagoa.
Friedrich Nietzsche: Um espírito astucioso e camuflado, um
gosto anfíbio pela dissimulação – herança de povos mediterrâneos, certamente –
uma incisividade de espírito ainda não encontrada nas mais ermas redondezas de
quaisquer lagoas do mundo dito civilizado. Um animal que, livrando-se de
qualquer metafísica, e que, aprimorando seu instinto de realidade, com a
dolcezza audaciosa já perdida pelo europeu moderno, nega o ato supremo, o ato
cuja negação configura a mais nítida – e difícil – fronteira entre o Sapo e
aquele que está por vir, o Além- do-Sapo: a lavagem do pé.
John Locke: Em primeiro lugar, faz-se mister refutar a tese
de Filmer sobre a lavagem bíblica dos pés. Se fosse assim, eu próprio seria
obrigado a lavar meus pés na lagoa, o que, sustento, não é o caso. Cada súdito
contrata com o Soberano para proteger sua propriedade, e entendo contido nesse
ideal o conceito de liberdade. Se o sapo não quer lavar o pé, o Soberano não
pode obrigá-lo, tampouco recriminá-lo pelo chulé. E ainda afirmo: caso o
Soberano queira, incorrendo em erro, obrigá-lo, o sapo possuirá legítimo
direito de resistência contra esta reconhecida injustiça e opressão.
Immanuel Kant: O sapo age moralmente, pois, ao deixar de
lavar seu pé, nada faz além de agir segundo sua lei moral universal
apriorística, que prescreve atitudes consoantes com o que o sujeito cognoscente
possa querer que se torne uma ação universal.
Nota de Freud: Kant jamais lavou seus pés.
Sigmund Freud: Um superego exacerbado pode ser a causa da
falta de higiene do sapo. Quando analisava o caso de Dora, há vinte anos, pude
perceber alguns dos traços deste problema. De fato, em meus numerosos estudos
posteriores, pude constatar que a aversão pela limpeza, do mesmo modo que a
obsessão por ela, podem constituir-se num desejo de autopunição. A causa disso
encontra-se, sem dúvida, na construção do superego a partir das figuras
perdidas dos pais, que antes representavam a fonte de todo conteúdo moral do
girino.
Carl Jung: O mito do sapo do deserto, presente no imaginário
semita, vem a calhar para a compreensão do fenômeno. O inconsciente coletivo do
sapo, em outras épocas desenvolvido, guardou em sua composição mais íntima a
idéia da seca, da privação, da necessidade. Por isso, mesmo quando colocado
frente a uma lagoa, em época de abundância, o sapo não lava o pé.
Soren Kierkegaard: O sapo lavando o pé ou não, o que importa
é a existência.
George Hegel: podemos observar na lavagem do pé a
manifestação da Dialética. Observando a História, constatamos uma evolução
gradativa da ignorância absoluta do sapo – em relação à higiene – para uma
preocupação maior em relação a esta. Ao longo da evolução do Espírito da
História, vemos os sapos se aproximando cada vez mais das lagoas, cada vez mais
comprando esponjas e sabões. O que falta agora é, tão somente, lavar o pé,
coisa que, quando concluída, representará o fim da História e o ápice do
progresso.
Auguste Comte: O sapo deve lavar o pé, posto que a higiene é
imprescindível. A lavagem do pé deve ser submetida a procedimentos científicos
universal e atemporalmente válidos. Só assim poder-se-á obter um conhecimento
verdadeiro a respeito.
Arthur Schopenhauer: O sapo cujo pé vejo lavar é nada mais
que uma representação, um fenômeno, oriundo da ilusão fundamental que é o meu
princípio de razão, parte componente do principio individuationis, a que a
sabedoria vedanta chamou “véu de Maya”. A Vontade, que o velho e grande
filósofo de Königsberg chamou de Coisa-em si, e que Platão localizava no mundo
das idéias, essa força cega que está por trás de qualquer fenômeno, jamais
poderá ser capturada por nós, seres individuados, através do princípio da
razão, conforme já demonstrado por mim em uma série de trabalhos, entre os
quais o que considero o maior livro de filosofia já escrito no passado, no
presente e no futuro: “O mundo como vontade e representação”.
Aristóteles. O [sapo] lava de acordo com sua natureza! Se
imitasse, estaria fazendo arte . Como [a arte] é digna somente do homem, é
forçoso reconhecer que o sapo lava segundo sua natureza de sapo, passando da
potência ao ato. O sapo que não lava o pé é o ser que não consegue realizar
[essa] transição da potência ao ato.
Platão:
Górgias: Por Zeus, Sócrates, os sapos não lavam os seus pés
porque não gostam da água!
Sócrates: Pensemos um pouco, ó Górgias. Tu assumiste, quando há
pouco dialogava com Filebo, que o sapo é um ser vivo, correto?
Górgias: Sou forçado a admitir que sim.
Sócrates: Pois bem, e se o sapo é um ser vivo, deve
forçosamente fazer parte de uma categoria determinada de seres vivos, posto que
estes dividem-se em categorias segundo seu modo de vida e sua forma corporal;
os cavalos são diferentes das hidras e estas dos falcões, e assim por diante,
correto?
Górgias: Sim, tu estás novamente correto.
Sócrates: A característica dos sapos é a de ser habitante da
água e da terra, pois é isso que os antigos queriam dizer quando afirmaram que
este animal era anfíbio, como, aliás, Homero e Hesíodo já nos atestam. Tu
pensas que seria possível um sapo viver somente no deserto, tendo ele
necessidade de duas vidas por natureza,ó Górgias?
Górgias: Jamais ouvi qualquer notícia a respeito.
Sócrates: Pois isto se dá porque os sapos vivem nas lagoas,
nos lagos e nas poças, vistos que são animais, pertencem e uma categoria, e
esta categoria é dada segundo a característica dos sapos serem anfíbios.
Górgias: É verdade.
Sócrates: precisando da lagoa, ó Górgias meu caro, tu achas
que seria o sapo insano o suficiente para não gostar de água?
Górgias: não, não, não, mil vezes não, Ó Sócrates!
Sócrates: Então somos forçados a concluir que o sapo não lava
o pé por outro motivo, que não a repulsa à água
Górgias: de acordo
Parmênides de Eléia: Como poderia o sapo lavar os pés, ó
deuses, se o movimento não existe?
Heráclito de Éfeso: Quando o sapo lava o pé, nem ele nem o pé
são mais os mesmos, pois ambos se modificam na lavagem, devido à impermanência
das coisas.
Epicuro: O sapo deve alcançar o prazer, que é o Bem supremo,
mas sem excessos. Que lave ou não o pé, decida-se de acordo com a
circunstância. O vital é que mantenha a serenidade de espírito e fuja da dor.
Estóicos: O sapo deve lavar seu pé de acordo com as estações
do ano. No inverno, mantenha-o sujo, que é de acordo com a natureza. No verão,
lave-o delicadamente à beira das fontes, mas sem exageros. E que pare de comer
tantas moscas, a comida só serve para o sustento do corpo.
Descartes: nada distingo na lavagem do pé senão figura,
movimento e extensão. O sapo é nada mais que um autômato, um mecanismo. Deve
lavar seus pés para promover a autoconservação, como um relógio precisa de
corda.
Nicolau Maquiavel: A lavagem do pé deve ser exigida sem rigor
excessivo, o que poderia causar ódio ao Príncipe, mas com força tal que traga a
este o respeito e o temor dos súditos. Luís da França, ao imperar na Itália,
atraído pela ambição dos venezianos, mal agiu ao exigir que os sapos da
Lombardia tivessem os pés cortados e os lagos tomados caso não aquiescessem à
sua vontade. Como se vê, pagou integralmente o preço de tal crueldade, pois os
sapos esquecem mais facilmente um pai assassinado que um pé cortado e uma lagoa
confiscada.
Jacques Rousseau: Os sapos nascem livres, mas em toda parte
coaxam agrilhoados; são presos, é certo, pela própria ganância dos seus
semelhantes, que impedem uns aos outros de lavarem os pés à beira da lagoa.
Somente com a alienação de cada qual de seu ramo ou touceira de capim, e mesmo
de sua própria pessoa, poder-se-á firmar um contrato justo, no qual a liberdade
do estado de natureza é substituída pela liberdade civil.
Max Horkheimer e Theoror Adorno: A cultura popular
diferencia-se da cultura de massas, filha bastarda da indústria cultural. Para
a primeira, a lavagem do pé é algo ritual e sazonal, inerente ao grupamento
societário; para a segunda, a ação impetuosa da razão instrumental, em sua
irracionalidade galopante, transforma em mercadoria e modismo a lavagem do pé,
exterminando antigas tradições e obrigando os sapos a um procedimento diário de
higienização.
Antonio Gramsci: O sapo, e além dele, todos os sapos, só
poderão lavar seus pés a partir do momento em que, devido à ação dos
intelectuais orgânicos, uma consciência coletiva principiar a se desenvolver
gradativamente na classe batráquia. Consciência de sua importância e função
social no modo de produção da vida. Com a guerra de posições – representada
pela progressiva formação, através do aparato ideológico da sociedade civil, de
consensos favoráveis – serão criadas possibilidades para uma nova hegemonia,
dessa vez sob a direção das classes anteriormente subordinadas.
Norberto Bobbio: existem três tipos de teoria sobre o sapo
não lavar o pé. O primeiro tipo aceita a não-lavagem do pé como natural, nada
existindo a reprovar nesse ato. O segundo tipo acredita que ela seja moral ou
axiologicamente errada. A terceira espécie limita-se a descrever o fenômeno,
procurando uma certa neutralidade.
Liberal de Orkut (esse indivíduo cada vez mais anônimo): o
sapo não lava o pé por ser um indivíduo liberto da opressão estatal. Mas
qualquer coisa é só arrumar um emprego público e utilizar o lavado do Leviatã!
SOBRE SEU AUTOR:
Depois de que este texto foi publicado neste
blog, uma leitora nos revelou, finalmente, quem é
o autor deste texto. Como disse na apresentação, eu o recebi por e-mail e na
época estava assinado como “autor desconhecido”. Agora sei que esse texto é de
Carlos Frederico Pereira da Silva Gama e foi publicado pela primeira vez no
site Usina de Letras. Agradeço a contribuição da leitora Luciana.
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