Aula de Filosofia 1º Ano Ens. Médio-M,T,N.
Conflito
entre Razão e Fé
A filosofia inicia o conflito entre razão e fé quando tenta
deixar para trás a fé cega nos mitos, explicando racionalmente tais fenômenos.
Tradicionalmente, o
capítulo da História da humanidade relativo ao tema “conflito entre razão e fé”
é atribuído a um período medieval em que se travava um confronto entre os
adeptos da boa nova, isto é, a religião cristã, e seus adversários moralistas
gregos e romanos, na tentativa de imporem seus pontos de vistas. Para estes, o
mundo natural ou cosmos era a fonte da lei, da ordem e da harmonia, entendendo
com isso que o homem faz parte de uma organização determinada sem a qual ele
não se reconhece e é através do lógos que se dá tal reconhecimento. Já para os
cristãos, a verdade revelada é a fonte da compreensão do que é o homem, qual é
sua origem e qual o seu destino, sendo ele semelhante a Deus-pai, devendo-lhe
obediência enquanto sua liberdade consiste em seguir o testamento (aliança).
Desse debate, surgem
as formas clássicas de combinação dos padres medievais: aqueles que separam os
domínios da razão e da fé, mas acreditam numa conciliação entre elas; aqueles
que pensam que a fé deveria submeter a razão à verdade revelada; e ainda
aqueles que as veem como distintas e irreconciliáveis. Esse período é conhecido
como Patrística (filosofia dos padres da Igreja).
No entanto, pode-se
levantar a questão de que esse conflito entre fé e razão representa apenas um momento
localizado na história. A filosofia, tendo como característica a radicalidade,
a insubordinação, a luta para superar pré-conceitos e estabelecer conceitos
cada vez mais racionais através da história, mostra que, desde seu início, esta
relação tem seus momentos de estranhamento e reconciliação. Por exemplo, na
Grécia antiga, o próprio surgimento da filosofia se deu como tentativa de
superar obstáculos oriundos de uma fé cega nas narrativas dos poetas Homero e
Hesíodo, os educadores da Hélade. A tentativa de explicar os fenômenos a partir
de causas racionais já evidenciava o confronto com as formas de pensar e agir
(fé) do povo grego que pautava sua conduta pelos mitos. O próprio Sócrates,
patrono da filosofia, foi condenado por investigar a natureza e isso lhe rendeu
a acusação de impiedade. Mais tarde, a filosofia cristã se degladiou para
fundamentar seu domínio ideológico, debatendo sobre os temas supracitados. Na
era moderna, com encrudescimento da inquisição, surge o renascimento que apela
à razão humana contra a tirania da Igreja. Basta olhar os exemplos de Galileu,
Bruno e Descartes, que reinventaram o pensamento contra a fé cega que mantinha
os homens na ignorância das trevas e reclamava o direito à luz natural da
razão. A expressão máxima desse movimento foi o Iluminismo que compreendia a
superação total das crenças e superstições infundadas e prometia ao gênero
humano dias melhores a partir da evolução e do progresso.
Hoje, essa promessa
não se cumpre devidamente. O homem dominou a natureza, mas não consegue dominar
as suas paixões e interesses particulares. Declarado como expropriado dos meios
de produção e forçado a sobreviver, eis que o homem se aliena do processo
produtivo e se mantém em um domínio cego, numa crença inconsciente de si e do outro
(ideologia). O irracionalismo cresce à medida que se promete liberdade aos
seres humanos a partir de outra fé: o trabalho. O homem explora e devasta o
mundo em que vive e não tem consciência disso. E tudo isso para enriquecer uma
classe dominante, constatando o interesse egoísta e classista.
Parece, pois, que a
luta entre razão e fé não é apenas localizada, mas contínua, já que sempre há
esclarecidos, esclarecimentos e resistência a esses esclarecimentos. A razão se
rebela com o estabelecido e quando se impõe, torna-se um dogma incutido nos
homens de cada tempo. Numa linguagem hegeliana, uma tese que se torna antítese
e necessita já de uma síntese para que a razão desdobre a si mesma.
Por João Francisco P. Cabral
Colaborador Brasil Escola
Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Uberlândia - UFU
Mestrando em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
Nenhum comentário:
Postar um comentário