quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Hannah Arendt, pensadora da política e da liberdade.

A autora de origem judia, perseguida pelo regime de Adolf Hitler, construiu uma obra fundamental para a compreensão da política e da condição humana.


Hannah Arendt não gostava muito de ser tratada como filósofa, preferindo a denominação de cientista política. Da mesma forma, costumava referir-se a seus textos como "de teoria" ou simplesmente "escritos", não lhe satisfazendo igualmente a classificação de "filosofia política". Em virtude de suas abalizadas análises políticas, ela recebeu importantes distinções como o Prêmio Lessing de 1959 e o Sonning de 1975, este concedido pela Universidade de Copenhague, uma tradicional instituição de ensino dinamarquesa fundada em 1479. Arendt foi agraciada em reconhecimento ao seu mérito em favor do desenvolvimento da cultura europeia. Entre os ganhadores do Prêmio Sonning, concedido a cada dois anos, figuram os nomes da filósofa húngara Ágnes Heller, do filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas, do cineasta sueco Ingmar Bergman, do dramaturgo italiano Dario Fo e da filósofa, teórica do feminismo e escritora francesa Simone de Beauvoir.
O pluralismo político era um dos conceitos básicos pregados por Hannah Arendt, na vigência do qual a igualdade política e a liberdade se manifestariam naturalmente entre as pessoas, com tolerância e respeito às diferenças, numa perspectiva de inclusão. Agentes com disposição e capacidade específica devem ter atuação prática em leis, convênios e acordos de natureza política. Em consequência desse tipo de ideia, ela privilegiava a democracia direta ou um sistema de conselhos em detrimento de formas de democracia representativa, em relação às quais adotava uma postura claramente crítica.
Algumas Ideias de Hannah Arendt (trechos selecionados)
"A esperança que inspirou Marx e os melhores homens dos diversos movimentos operários - a esperança de que o tempo livre eventualmente emancipará os homens da necessidade (...) - repousa sobre a ilusão de uma filosofia mecanicista que assume que a força despendida no trabalho, como qualquer outra, nunca se perde, de modo que, se ela não for gasta e exaurida no trabalho duro de ganhar a vida, ela automaticamente alimentará outras e 'mais elevadas ' atividades. O modelo que guiou a esperança de Marx quanto a isso foi sem dúvida a Atenas de Péricles, a qual, no futuro, com a ajuda do enorme aumento da produtividade do trabalho humano, não mais precisaria de escravos para se sustentar e, assim, poderia tornar-se real idade para todos. Cem anos depois de Marx, sabemos da falácia do seu raciocínio; o tempo livre do animal laborans (animal trabalhador) nunca é gasto em nada a não ser no consumo e, quanto mais tempo ele adquire, mais gananciosos e vorazes se tornam seus apetites."
Apesar de, ao longo de sua vida, ter sido avessa ao rótulo de "filósofa", Arendt segue sendo estudada como filósofa influente, em decorrência também de suas discussões críticas de pensadores clássicos da Filosofia, tais como Platão, Aristóteles, Sócrates e Santo Agostinho, sem falar em importantes representantes da filosofia moderna, como Immanuel Kant, a Martin Heidegger, Nicolau Maquiavel, Charles de Montesquieu e Karl Jaspers. Foi precisamente devido a sua independência de pensamento, seus estudos no campo da filosofia existencial, sua abrangente teoria sobre o surgimento do totalitarismo e sua decidida atuação em favor da liberdade no âmbito da discussão política, que Arendt assegurou a posição central que ocupa nos debates contemporâneos.
Quem foi Hannah Arendt
Nascida em Hannover, na Alemanha, em 14 de outubro de 1906, de origem judaica, foi batizada como Johanna Arendt. Tendo perdido o pai com sete anos incompletos, mostrou-se precoce ao tentar consolar sua mãe, Martha Arendt: "Pense - isso acontece com muitas mulheres", teria dito a menina, para espanto da viúva. Recebeu da mãe, que tinha simpatia por ideias da social-democracia, uma educação marcadamente liberal. Ainda na adolescência, teve contato com a obra de Kant. Aos dezessete anos, abandonou a escola por questões disciplinares. Transferiu-se para Berlim, onde estudou teologia e a filosofia do dinamarquês Soren Kierkegaard. Em 1924, passou a frequentar a universidade de Marburg. Ali permaneceu um ano, durante o qual assistiu aulas de Filosofia com Martin Heidegger - com quem manteve, em seguida, um relacionamento amoroso complicado - e Nicolai Hartmann; teologia protestante com Rudolf Bultmann; e grego. Arendt formou-se em Filosofia em Heidelberg.
Em 1929, época da recessão mundial provocada pela quebra da Bolsa de Nova York, Arendt mudou se para Berlim, com uma bolsa de estudos. Com a ascensão do nazismo ao poder, em 1933, ela foi para a capital francesa, onde conheceu grandes intelectuais, a exemplo do filósofo e escritor Walter Benjamin. Na ocasião, trabalhou como secretária da baronesa Rotschild, de uma tradicional família de banqueiros.
Na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), quando o governo da França cooperou com os invasores alemães, a judia Hannah foi mandada a um campo de concentração, como "estrangeira suspeita". Todavia, conseguiu fugir para Nova York, aonde chegou em 1941.
Exilada e apátrida (perdeu a nacionalidade alemã), permaneceu dez anos sem direitos políticos, obtendo a cidadania estadunidense em 1951. Nos Estados Unidos, Hannah trabalhou em várias organizações judaicas e editoras, como a Schoken Books, tendo escrito também para o periódico Weekly Aufba. Naquele país, ela desenvolveu efetivamente sua carreira acadêmica, contratada em 1963 pela Universidade de Chicago. No ano seguinte, entraria para a American Academy of Arts and Letters. Em Chicago, Arendt foi professora até 1967, quando se transferiu para Nova York, dando aulas na New School of Social Research. Faleceu em 4 de dezembro de 1975.
A leitura cuidadosa de seus textos é fundamental para 
quem deseja compreender adequadamente o século passado, 
 principalmente em termos políticos. Um tempo marcado por 
conflitos, pela exacerbação de nacionalismos e intolerância. 
A esse respeito, é relevante o depoimento de Pedro Duarte, 
doutor em Filosofia e professor adjunto da Universidade Federal 
Estadual do Rio de Janeiro (Unirio):
"Parece-me que uma das principais contribuições do pensamento
 de Hannah Arendt para o século 20 foi ter mostrado que seus
 horrores, como os regimes totalitários e os campos de 
 concentração, não foram resultados de um excesso de política. 
Pelo contrário, tais regimes esvaziaram o exercício da liberdade, 
que é o sentido da política. Mais atual que isso, porém, é o fato de 
que Hannah Arendt recusava a compreensão da política como 
gerenciamento e administração, tão comum hoje em dia. Para ela, 
a política não tem um caráter instrumental, ela não é só um meio 
para alcançar um fim, ou seja, a política possui uma dignidade 
própria. Essa dignidade reside em que é na política que 
experimentamos o prazer de aparecermos singularmente uns 
para os outros em ações e palavras dentro do âmbito público. 
Esse conceito de política impede que tratemos os cidadãos 
como simples consumidores. Nesse sentido, a política não é o
 que garante a nossa liberdade privada, mas é ela mesma, já uma 
experiência de liberdade".
Algumas Ideias de Hannah Arendt (trechos selecionados)
"A política baseia-se na pluralidade dos homens. Deus criou o 
homem, os homens são um produto humano mundano, e 
produto da natureza humana. A filosofia e a teologia sempre 
se ocupam do homem, e todas as suas afirmações seriam 
corretas mesmo se houvesse apenas um homem, ou apenas 
dois homens, ou apenas homens idênticos. Por isso, não 
encontraram nenhuma resposta filosoficamente válida para a
 pergunta: o que é política? (...) É surpreendente a 
diferença de categoria entre as filosofias políticas e as 
obras de todos os grandes pensadores - até mesmo de 
Platão. (...) A política trata da convivência entre diferentes.
 Os homens se organizam politicamente para certas coisas 
 em comum, essenciais num caos absoluto, ou a 
partir do caos absoluto das diferenças" (De O que é política?  
Bertrand do Brasil)
Um século em dois livros. Em especial, dois títulos da autora, 
conhecida como "pensadora da liberdade", são considerados 
 essenciais ao entendimento de fenômenos ocorridos no século 
20 e que de certa forma nos ajudam a compreender questões 
contemporâneas: Origens do totalitarismo, publicado em 1951, e 
Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal, de 
1963.
Dividido em três partes ("Antissemitismo", "Imperialismo" e 
 "Totalitarismo"), Arendt descreve em Origens do Totalitarismo
 a formação de um aparato de destruição no continente europeu, 
que acabou conduzindo ao terrível episódio do Holocausto. Reúne o 
nazismo do Terceiro Reich ao comunismo stalinista como 
ideologias totalitárias, demonstrando como estas dependem de
 alguns fatores: da falta de uma perspectiva crítica em 
relação ao discurso oficial; da manipulação das massas; ou da
     banalização de atos de terror. Sob esse ponto de vista, líderes 
como Hitler ou Stalin podem ser encarados como faces de uma só 
moeda, que subiram ao poder graças a uma bem-sucedida 
exploração da "solidão organizada" das massas populares.
Já no polêmico Eichmann em Jerusalém, que o poeta a 
Robert Lowell classificou como "obra-prima", Arendt analisa a 
personalidade do nazista Karl Adolf Eichmann, 
tenente-coronel da Schutzstaffel (SS) e gerenciador da 
 "indústria da morte" nazista. O livro surgiu de uma série de cinco 
grandes reportagens escritas por encomenda da revista a 
The New Yorker, prestigiado veículo de imprensa para a qual 
Arendt cobriu, em 1961, o julgamento de Eichmann, que no
 ano anterior fora localizado e capturado por agentes da Mossad, 
 serviço secreto de Israel, em uma operação realizada na Argentina.

























Prof. Edson Couto – Pós-Graduado em Metodologia de Ensino 
de Filosofia e Sociologia - UNIASSELVI








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