2ª
Aula de FILOSOFIA 2º Ano M. 2º Trimestre
A
FILOSOFIA: DO PERÍODO CLÁSSICO AO
GRECO-ROMANO
Em 479a.C, com a vitória dos gregos sobre os
persas, consolida-se a democracia em Atenas. A ideia de "homem" passa a ser identificada
com a concepção de "cidadãos da polis". As preocupações e especulações filosóficas
concentram-se, a partir desse momento, não mais na relação do homem com a
natureza.
O que importa agora é a
relação entre seres humanos: a vida social.
"O homem é um
animal político", diria Aristóteles. É o nascimento da filosofia clássica.
O mundo nunca mais será o mesmo.
Sofistas
Os primeiros mestres na
arte da argumentação
O período pré-socrático foi dominado, em grande parte, pela
investigação da natureza. Essa investigação tinha como vimos no capítulo
anterior, um sentido cosmológico. Era a busca de explicações racionais para o
universo, manifestada na procura de um princípio
primordial, (arché) para todas as coisas existentes. Seguiu-se a esse período
uma nova fase filosófica, caracterizada pelo interesse no próprio homem e nas
relações do homem com a sociedade. Essa nova fase foi marcada, no início, pelos
sofistas.
Etimologicamente, o termo sofista significa sábio. Entretanto,
com o decorrer do tempo, ganhou o sentido de impostor, devido, sobretudo, às
críticas de Platão.
Os sofistas eram professores viajantes que, por determinado preço,
vendiam ensinamentos práticos de filosofia. Levando em consideração os
interesses dos alunos, davam aulas de eloquência e de sagacidade mental. Ensinavam
conhecimentos úteis para o sucesso nos negócios públicos e privados.
O momento histórico vivido pela civilização grega favoreceu o
desenvolvimento desse tipo de atividade praticada pelos sofistas. Era uma época
de lutas políticas e intenso conflito de opiniões nas assembleias democráticas.
Por isso, os cidadãos mais ambiciosos sentiam necessidade de aprender a arte de
argumentar em público para,
manipulando as assembleias, fazerem prevalecer seus interesses
individuais e de classes.
As lições dos sofistas tinham como objetivo, portanto, o desenvolvimento
do poder de argumentação, da habilidade retórica, do conhecimento de doutrinas
divergentes. Eles transmitiam, enfim, todo um jogo de palavras, raciocínios e
concepções que se ria utilizado na arte de convencer as pessoas, driblando as
teses dos adversários.
Todas essas características dos ensinamentos dos sofistas
favoreceram o surgimento de concepções filosóficas relativistas sobre as
coisas. Segundo essas concepções, não haveria uma verdade única, absoluta. Tudo
seria relativo ao homem, ao momento, a um conjunto de fatores e circunstâncias.
Nem heróis, nem vilões
Foi, sobretudo, devido a Platão que se considerou a sofística
apenas uma atitude viciosa do espírito, uma arte de manipular raciocínios, de
produzir o falso, de iludir os ouvintes, sem qualquer amor pela verdade,
Entretanto, abordagens mais recentes sobre a atuação dos
sofistas procuram mostrar que o relativismo de suas teses fundamenta-se numa
concepção flexível sobre os homens, a sociedade e a compreensão do real. Para
os sofistas, as opiniões humanas são infindáveis, diversas e irredutíveis a uma
única verdade. Não existem valores ou verdades absolutas.
É importante lembrar que não há uma única doutrina sofistica,
O quê há são alguns pontos comuns entre as concepções de certos sofistas como
Protágoras, Górgias e outros.
Protágoras de Abdera: o
homem como medida
O homem é a medida de
todas as coisas; daquelas que são, enquanto são; e daquelas que não são,
enquanto não são.
PROTÁGORAS
Estátua de Apoio. A idealização da figura
Nascido em Abdera, cidade litorânea entre a Macedônia e a Trácia,
Protágoras (480-410 a.C.) é considerado o primeiro e um dos mais importantes sofistas.
Ensinou por muito tempo em Atenas, tendo como princípio básico de sua doutrina
a ideia de que o homem é a medida de tudo o que existe.
Conforme essa concepção, todas as coisas são relativas às disposições
do homem, isto é, o mundo é o que o homem constrói e destrói. Por isso não
haveria verdades absolutas. Toda verdade se ria relativa a um determinado
homem, grupo de homens ou sociedade.
A filosofia de Protágoras sofreu críticas em seu tempo por
dar margem a um grande subjetivismo: tal coisa é verdadeira se para mim parece
verdadeira. Assim, qualquer tese poderia ser encarada como falsa ou verdadeira,
dependendo do ponto de vista de cada pessoa.
Górgias de Leontini: o
grande orador
O bom orador é capaz de
convencer qualquer pessoa sobre qualquer coisa.
GÓRGIAS
Górgias de Leontini (487-380 a.C, aproximadamente), considerado um dos maiores oradores da Antiguidade,
aprofundou o subjetivismo
relativista de Protágoras a ponto de defender o ceticismo o absoluto. Afirmava
que:
a. nada existia;
b. se existisse, não poderia ser conhecido;
c. mesmo que fosse conhecido, não poderia ser comunicado a ninguém.
Sócrates de Atenas
O homem que subia perguntar
Ele supõe saber alguma
coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que
sou um pouco mais sábio que ele exatamente por não supor que saiba o que não
sei.
SÓCRATES
Nascido em Atenas, Sócrates (469-399 a.C.) é tradicionalmente
considerado um marco divisório da história da filosofia grega. Por isso, os
filósofos que o antecederam são chamados de pré-socráticos e os que o
sucederam, de pós-socráticos. O próprio Sócrates, porém, não deixou nada
escrito, e o que se sabe dele e de seu pensamento vem dos textos de seus discípulos
e de seus adversários.
Conta-se que Sócrates era filho de um escultor e de uma parteira.
Uma dupla herança que, simbolicamente, o levou a esculpir uma representação
autêntica do homem, fazendo-o dar à luz suas próprias ideias.
O estilo de vida de Sócrates assemelhava-se, exteriormente,
ao dos sofistas, embora
não "vendesse" seus ensinamentos. Desenvolvia o saber filosófico em
praças públicas, conversando com os jovens, sempre dando demonstrações de que
era preciso unir a vida concreta ao pensamento. Unir o saber ao fazer, a
consciência intelectual à consciência prática ou moral.
O autoconhecimento era um dos pontos fundamentais da
filosofia socrática. "Conhece-te a ti mesmo", frase inscrita no
templo de Apoio, era a recomendação básica feita por Sócrates a seus
discípulos.
Sua filosofia era desenvolvida mediante diálogos críticos com
seus interlocutores. Esses diálogos podem ser divididos em dois momentos
básicos: a ironia e a maiêutica.
A ironia
Na linguagem cotidiana, a ironia tem um significado depreciativo,
sarcástico ou de zombaria. Mas não é esse
o sentido da ironia socrática. No grego, ironia quer dizer interrogação. De fato,
Sócrates interrogava seus interlocutores sobre aquilo que pensavam saber. O que
é o bem? O que é a justiça? E a coragem? E a piedade? São exemplos de algumas perguntas
feitas por ele.
No decorrer do diálogo, atacava de modo implacável as respostas
de seus interlocutores. Com habilidade de raciocínio, procurava evidenciar as
contradições afirmadas, os novos problemas que surgiam a cada resposta. Seu
objetivo inicial era demolir, nos discípulos, o orgulho, a arrogância e a
presunção do saber. A primeira virtude do sábio é adquirir consciência da
própria ignorância. "Sei que nada sei", dizia Sócrates.
A ironia socrática tinha um caráter purificador na
medida em que levava os discípulos a confessarem suas próprias contradições
e ignorâncias, onde antes só julgavam possuir certezas e clarividências.
Nesta fase do diálogo, a intenção fundamental de Sócrates não
era propriamente destruir o conteúdo das respostas dadas pelos interlocutores,
mas fazê-los tomar consciência profunda de suas próprias respostas, das consequências
que poderiam ser tiradas de suas reflexões, muitas vezes repletas de conceitos
vagos e imprecisos.
A maiêutica
Libertos do orgulho e da pretensão de que tudo sabiam, os
discípulos podiam então iniciar o caminho da reconstrução de suas próprias
ideias. Novamente, Sócrates lhes propunha uma série de questões habilmente
colocadas.
Nesta segunda fase do diálogo, o objetivo de Sócrates era
ajudar seus discípulos a conceberem suas próprias ideias. Assim, transportava
para o campo da filosofia o exemplo de sua mãe, Fenareta, que, sendo parteira,
ajudava a trazer crianças ao mundo. Por isso, essa fase do diálogo socrático,
destinada à concepção de ideias, era chamada de maiêutica, termo grego que significa
arte de trazer à luz.
Um corruptor da
juventude?
Sócrates não dava importância à posição socioeconômica de
seus discípulos. Dialogava com ricos e pobres, cidadãos e escravos. O que
importava eram as condições interiores, psicológicas, de cada pessoa, pois
essas condições eram indispensáveis ao processo de autoconhecimento.
Para a democracia ateniense, da qual não participava a maioria
da população, composta de escravos, estrangeiros e mulheres, Sócrates foi
considerado subversivo. Representava uma ameaça social, na medida em que
desrespeitava a ordem vigente e dirigia suas atenções para as pessoas, sem
fazer distinções de classe ou posição social. Interessado tão-somente na
prática da virtude e na busca da verdade, contrariava os valores dogmáticos da
sociedade ateniense. Por isso, recebeu a acusação de ser injusto com os deuses
da cidade e de corromper a juventude. No final do processo foi condenado a
beber cicuta (veneno extraído de uma planta do mesmo nome).
Diante de seus juízes, Sócrates assumiu uma postura viril, altaneira, imperturbável,
de quem nada teme. Permanecia absolutamente em paz com sua própria consciência. Se alguém lhe perguntasse "Não te envergonhas,
Sócrates, de ter dedicado a vida a uma atividade pela qual te condenam à morte?", ele responderia: que um homem de bem deve ficar pesando, ao praticar seus atos, sobre as possibilidades
de vida ou de morte. O homem de valor moral deve considerar apenas, em seus atos,
se eles são justos ou injustos, corajosos ou covardes. (PLATÃO. Defesa de Sócrates, p. 14 (texto adaptado pelo Autor)).
Foi assim que Sócrates procurou caracterizar sua vida:
construindo uma personalidade corajosa e guiando sua conduta pelo seu critério
de justiça. Viveu conforme sua própria consciência. Morreu sem ter renunciado a
seus mais caros valores morais.
Diferenças entre
Sócrates e os sofistas
Vejamos a concepção
tradicional sobre os sofistas que se desenvolveu a partir das críticas de
Platão.
A crítica de Platão aos sofistas só é compreensível à luz das
muitas aposições que ele estabelece entre eles e Sócrates:
1.
O
sofista é um professor ambulante. Sócrates é alguém ligado aos destinos de sua
cidade; tanto assim que, condenado injustamente à morte, recusa-se a fugir,
acatando a decisão de seus concidadãos;
2.
O
sofista cobra para ensinar, Sócrates vive sua vida, e essa confunde-se com a
atividade filosófica: filosofar não é profissão, é a atividade do homem livre;
3.
O
sofista "sabe tudo", e transmite um saber pronto, sem crítica (que
Platão identifica como uma "mercadoria" que o sofista, mercador,
exibe e vende). Sócrates diz nada saber, e, colocando-se no nível de seu
interlocutor, dirige uma aventura dialética em busca da verdade, que está no
interior de cada um;
4.
O
sofista faz retórica. Sócrates faz dialética. Na retórica, o ouvinte é levado
por uma enxurrada de palavras que, se adequadamente compostas, persuadem sem
transmitir conhecimento algum. Na dialética, que opera por perguntas e
respostas, a pesquisa procede passo a passo, e não é possível ir adiante sem
deixar esclarecido o que ficou para trás;
5.
O
sofista refuta por refutar, para ganhar a disputa verbal. Sócrates refuta para
purificar a alma de sua ignorância.
MAURA IGLÉSIAS
Curso de Filosofia, p. 38.
Platão de Atenas
Das aparências ao mundo das ideias perfeitas
Os males não cessarão para os homens antes que a raça dos puros e
autênticos filósofos chegue ao poder.
PLATÃO
Nascido em Atenas, Platão (427-347 a.C.) pertencia a uma das
mais nobres famílias atenienses. Seu nome verdadeiro era Arístocles, mas,
devido a sua constituição física, recebeu o apelido de Platão, termo grego que
significa "de ombros largos".
Platão foi discípulo de Sócrates, a quem considerava "o
mais sábio e o mais justo dos homens" (PLATÃO, Fêdon, p.120). Depois da morte
de seu mestre, empreendeu inúmeras viagens,
num período em que ampliou seus
horizontes culturais e amadureceu suas reflexões filosóficas.
Por volta de 387 a.C. retornou a Atenas, onde fundou sua própria
escola filosófica, a Academia, nos jardins construídos por seu amigo Academus.
Essa escola foi uma das primeiras instituições permanentes de ensino superior
do mundo ocidental. Uma espécie de universidade pioneira dedicada à pesquisa
científica e filosófica,
além de se tornar um centro de formação política.
A maior parte do pensamento platônico nos foi transmitida por
intermédio da fala de Sócrates, nos diálogos socráticos, escritos por ele
mesmo, Platão.
Um dos aspectos mais importantes da filosofia de Platão é
sua teoria das ideias, com a
qual procura explicar como se desenvolve o conhecimento humano, Segundo ele, o
processo de conhecimento se desenvolve meio da passagem progressiva do mundo
das sombras e aparências para o mundo das ideias e essências.
O método dialético de
Platão
A primeira etapa do processo de conhecimento é dominada pelas
impressões ou sensações advindas dos sentidos. Essas impressões sensíveis são
responsáveis pela opinião que temos da realidade. A opinião (doxa, em grego)
representa o saber que temos sem tê-lo procurado metodicamente.
O conhecimento, entretanto, para ser autêntico, deve
ultrapassar a esfera das impressões sensoriais, o plano da opinião, e penetrar
na esfera racional da sabedoria, o mundo das ideias. Para atingir esse mundo, o
homem não pode ter apenas "amor às opiniões" (filodoxia); precisa
possuir um "amor ao saber" (filosofia).
O método proposto por Platão para atingir o conhecimento autêntico
(epistéme) é a dialética. No que consiste, basicamente, a dialética? Consiste
na contraposição de uma opinião com a crítica que dela podemos fazer, ou seja,
na afirmação de uma tese qualquer seguida de uma discussão e negação desta
tese, com o objetivo de purificá-la dos erros e equívocos.
E qual a diferença entre conhecimento e opinião?
Quem possui conhecimento têm conhecimento de alguma coisa,
isto é, de algo que existe, pois o inexistente não é nada. Assim, o
conhecimento é infalível, já que é logicamente impossível que se equivoque. Mas
a opinião pode estar errada. Como isto é possível? Não se pode opinar a res
peito do que não existe, pois isto é impossível, nem tampouco a res peito do
que existe, pois isto se ria conhecimento. Portanto, a opinião tem que ser
tanto do que é como do que não é.
Mas, de que modo é isto possível? A resposta é que as coisas
particulares contêm sempre caracteres opostos: o que é belo é, também, sob
certo aspecto, feio o que é justo é, sob certo aspecto, injusto; e assim por
diante. Todos os determinados objetos sensíveis, afirmava Platão, possuem esse
caráter contraditório; são, pois, o intermédio entre o ser e o não ser e
apropriados como objeto de opinião, mas não de conhecimento.
Somente quando saímos do mundo sensível e atingimos o mundo
racional das ideias é que alcançamos também o domínio do ser absoluto, eterno e
imutável. Nesse mundo das ideias só podemos entrar, segundo Platão, através do
conhecimento racional, científico ou filosófico.
Assim, chegamos à conclusão de que a opinião se forma do
mundo apresentado pelos sentidos, enquanto o conhecimento é de um mundo eterno;
a opinião, por exemplo, trata de coisas belas determinadas; o conhecimento
ocupa-se da beleza em si. (RUSSELL, Bertrand: História da filosofia ocidental,
v. 1, p. 139.)
E onde, por exemplo, podemos encontrar a beleza, em toda sua
plenitude? Platão responde: no mundo das ideias. Nesse mundo é que moram os
seres totais e perfeitos: a justiça, a bondade, a coragem, a sabedoria etc.
Fora do mundo das ideias, tudo o que captamos através dos
nossos sentidos possui apenas uma parte do ser ideal. O mundo sensível,
portanto, é um mundo de seres incompletos e imperfeitos.
A teoria das ideias de Platão representa
a tentativa de conciliar as duas grandes tendências anteriores da filosofia
grega: a concepção do ser eterno e imutável de Parmênides e a concepção do ser
plural e móvel de Heráclito. Para Platão, o ser eterno e universal habita o
mundo da luz racional, da essência e da realidade pura. E os seres individuais
e mutáveis moram no mundo das sombras e sensações, das aparências e ilusões.
Processo de evolução do
conhecimento segundo Platão
MUNDO SENSÍVEL MUNDO
DAS IDÉIAS
(conhecimento filosófico ou científico)
O mito da caverna
Platão criou uma alegoria, conhecida como mito da caverna,
que serve para explicar a evolução do processo de conhecimento.
Segundo ele, a maioria dos seres humanos se encontra como
prisioneira de uma caverna, permanecendo de costas para a abertura luminosa e
de frente para a parede escura do fundo. Devido a uma luz que entra na caverna,
o prisioneiro contempla na parede do fundo as projeções dos seres que compõem a
realidade. Acostumado a ver somente essas projeções, assume a ilusão do que vê,
as sombras do real, como se fosse a verdadeira realidade.
Se escapasse da caverna e alcançasse o mundo luminoso da
realidade, ficaria livre da ilusão. Mas, estando acostumado às sombras, às
ilusões, teria de habituar os olhos à visão do real: primeiro olharia as
estrelas da noite, depois as imagens das coisas refletidas nas águas tranquilas,
até que pudesse encarar diretamente o Sol e enxergar a fonte de toda a luminosidade.
A filosofia no poder:
os reis-filósofos
Na juventude, Platão alimentou o ideal de participação
política em Atenas. Depois, desiludido com a democracia ateniense, confessou:
Deixei levar-me por ilusões que nada tinham de espantosas por causa de minha
juventude. Imaginava, de fato, que governariam a cidade reconduzindo-a dos
caminhos da injustiça para os da justiça.( PLATÃO, . Cartas VII. Apud História do Pensamento, v. 1, p.
58.)
Abraçando a filosofia, adotou um novo ideal: Fui então
irresistivelmente levado a louvar a verdadeira filosofia e a proclamar que
somente à sua luz se pode reconhecer onde está a justiça na vida pública e na
vida privada.
Para Platão, somente os filósofos, eternos amantes da verdade,
teriam condições de libertar-se da caverna das ilusões e atingir o mundo
luminoso da realidade e sabedoria.
Por isso, no seu livro República, imaginou
uma sociedade ideal, governada
por reis-filósofos. Seriam pessoas capazes de atingir o mais alto conhecimento
do mundo das ideias, que consiste na ideia do bem.
Aristóteles de Estagira
Do nascimento da lógica
à ordenação do universo
O ser se exprime de
muitos modos, mas nenhum modo exprime o ser. O ser se diz em vários sentidos.
ARISTÓTELES
Nascido em Estagira, em Macedônia, Aristóteles (384-322 a.C.)
foi um dos mais importantes filósofos gregos de Antiguidade. Há informações de
que teria escrito mais de uma centena de obras, sobre os mais variados temas,
das quais restam 47, embora nem todas de autenticidade comprovada. Desempenhou extraordinário
papel na organização do saber grego, acrescentando-lhe sua genial contribuição,
que influenciou, decisivamente, a história do pensamento ocidental.
Filho de Nicômaco, médico do rei da Macedônia, provavelmente
herdou do pai o interesse pelas ciências naturais, que se revelaria posteriormente
em sua obra. Aos dezoito anos foi para Atenas e ingressou na Academia de Platão,
onde permaneceu cerca de vinte anos, tendo uma atuação crescentemente
expressiva. Com a morte de Platão, a destacada competência de Aristóteles o qualificava
para assumir a direção da Academia. Seu nome, entretanto, foi preterido por ser
considerado estrangeiro pelos atenienses.
Decepcionado com o episódio, deixou a Academia e partiu para Assos,
na Mísia, Ásia Menor, onde permaneceu até 345 a.C. Pouco tempo depois foi
convidado por Felipe II, rei da Macedônia, para ser professor de seu filho
Alexandre. O relacionamento de Aristóteles e Alexandre foi interrompido quando
este assumiu a direção do Império Macedônico, em 340 a.C.
Por volta de 335 a.C, Aristóteles regressou a Atenas, fundando
sua própria escola filosófica, que passou a ser conhecida como Liceu, em
homenagem ao deus Apoio Lício. Nesse local permaneceu ensinando durante aproximadamente
doze anos.
Em 323 a.C, após a morte de Alexandre, os sentimentos anti-macedônicos
ganharam grande intensidade em Atenas. Devido a sua notória ligação com a corte
macedônica, Aristóteles passou a ser perseguido. Foi então que decidiu
abandonar Atenas, dizendo querer evitar que os atenienses "pecassem duas
vezes contra a filosofia" (a primeira vez teria sido com Sócrates).
Apaixonado pela biologia, dedicou inúmeros estudos à observação
da natureza e à classificação dos seres vivos. Tendo em vista a elaboração de
uma visão científica da realidade, desenvolveu a lógica para servir de ferramenta
do raciocínio.
Da sensação ao
conceito: o discípulo discorda do mestre
Segundo Aristóteles, a finalidade básica das ciências seria
desvendar a constituição essencial dos seres, procurando defini-la em termos
reais.
Ao abordar a realidade, reconhecia a multiplicidade dos seres
percebidos pelos sentidos. Assim, tudo o que vemos, pegamos, ouvimos e sentimos
é aceito como elemento da realidade sensível.
Portanto, rejeitava a teoria das ideias de Platão, segundo a
qual os dados transmitidos pelos sentidos não passam de distorções, sombras ou
ilusões da verdadeira realidade existente no mundo das ideias. Para
Aristóteles, a observação da realidade leva-nos à constatação da existência de
inúmeros seres individuais, concretos, mutáveis, que são captados por nossos
sentidos.
Partindo dessa realidade sensorial — empírica — a ciência deve
buscar as estruturas essenciais de cada ser. Em outras palavras, a partir da
existência do ser,
devemos atingir a sua essência, através de um processo de conhecimento que
caminharia do individual e específico para o universal e genérico.
Neste sentido, afirmava Aristóteles, o ser individual, concreto,
único não pode ser objeto da ciência. O objeto próprio das ciências é a
compreensão do universal, visando o estabelecimento de definições essenciais,
que possam ser utilizadas de modo generalizado.
A indução (operação mental que vai do particular para o geral)
representa, para Aristóteles, o processo intelectual básico de aquisição de conhecimento.
Ela possibilita ao ser humano atingir conclusões científicas, de âmbito universal,
a partir do trabalho metódico com os dados sensíveis — que sempre apresentam
seres individuais, concretos e únicos.
Assim, por exemplo, o conceito escola — ou qualquer conclusão
científica sobre esse conceito — foi elaborado tendo como base a observação
sistemática das diferentes instituições às quais se atribui o nome de escola.
Dessa maneira, o conceito escola tem sentido universal na medida em que reúne
em si a estrutura essencial aplicável ao conjunto das múltiplas escolas
concretas existentes no mundo.
A nova interpretação para
as mudanças do ser
Retomando a questão do ser, Aristóteles pretendeu resolver a
contradição entre o caráter estático e permanente do ser em oposição ao
movimento e transitoriedade das coisas. Era a clássica polêmica entre Heráclito
e Parmênides. Para esse problema, Aristóteles propôs uma nova interpretação
ontológica (relativa ao estudo do ser), segundo a qual em todo ser devemos
distinguir:
· o ato: a manifestação atual do ser,
aquilo que já existe.
· a potência: as possibilidades do ser
(capacidade de ser), aquilo que ainda não é mas pode vir a ser.
Conforme Aristóteles, o movimento e a transitoriedade ou
mudança das coisas se resumem na passagem da potência para o ato. Exemplo: a
árvore que está sem flores pode tornar-se, com o tempo, uma árvore florida. Ao
adquirir flores, essa árvore manifesta em ato aquilo que já continha,
intrinsecamente, em potência.
Por outro lado, utilizando o mesmo exemplo, uma árvore continua
sendo uma árvore mesmo sem estar florida. De onde podemos concluir que ter
flores não é uma característica essencial da árvore. Assim, segundo Aristóteles,
devemos distinguir também em todos os seres existentes:
· a substância: aquilo que é estrutural
e essencial do ser.
· o acidente: aquilo que é atributo
circunstancial e não-essencial do ser.
A substância corresponde àquilo que mais intimamente o ser é
em si mesmo. Os acidentes pertencem ao ser, mas não são necessários para
definir a natureza própria de cada ser.
O que determina a
realidade de um ser: a causa
A investigação do ato e da potência do ser depende, no
entanto, de alguns esclarecimentos sobre a causalidade. Isto porque essa passagem
da potência para o ato não se dá ao acaso: ela é causada.
Aristóteles emprega o termo causa em sentido bastante amplo,
isto é, no sentido de tudo aquilo que determina a realidade de um ser. Distingue,
assim, quatro tipos de causas fundamentais:
·
causa material: refere-se à matéria de que é feita
uma coisa. Exemplo: o mármore utilizado na confecção de uma estátua.
·
causa formal: refere-se à forma, à natureza
específica, à configuração assumida por uma coisa, tornando-a "um ser
propriamente dito". Exemplo: uma estátua de homem e não de cavalo
·
causa eficiente: refere-se ao agente que produziu
diretamente a coisa. Exemplo: o escultor que fez a estátua.
·
causa final: refere-se ao objetivo, à intenção,
à finalidade ou à razão de ser de uma coisa. Exemplo: o escultor tinha como
finalidade exaltar a figura do soldado ateniense.
Segundo Aristóteles, a causa formal está diretamente
subordinada à causa final na medida em que a finalidade de uma coisa determina
o que os seres efetivamente são.
A potência, em si mesma, não é capaz de formalizar o ser em
ato, Para que se dê essa passagem, é preciso a interveniência de um agente
transformador (causa eficiente), guiado por uma finalidade (causa final).
Assim, a causa final é que comanda o movimento da realidade. É pela causa
final, em última análise, que as coisas mudam, determinando a passagem da
potência para o ato. (Veja no texto complementar As ideias e a realidade
histórica, ao final deste capítulo, uma análise do aspecto ideológico da teoria
aristotélica das quatro causas.)
A felicidade do homem
Aristóteles define o homem como ser racional e considera a
atividade racional, o ato de pensar, como a essência da natureza humana. E
como, para ele: o que é próprio de cada coisa é, por natureza, o que há de
melhor e de aprazível para ela (...) para o homem a vida conforme a razão é a
melhor e a mais aprazível, já que a razão, mais que qualquer outra coisa, é o
homem. Donde se conclui que essa vida é também a mais feliz.
Para ser feliz, portanto, o homem deve viver de acordo com a
sua essência, isto é, de acordo com a sua razão, a sua consciência reflexiva. E
orientando os nossos atos para uma conduta ética, a razão humana nos conduz à
prática da virtude.
Para Aristóteles, a virtude representa o meio-termo, a justa
medida de equilíbrio entre o excesso e a falta de um atributo qualquer.
Exemplo: a virtude da prudência é o meio-termo entre a precipitação e a
negligência; a virtude da coragem é o meio-termo entre a covardia e a valentia
insana; a perseverança é o meio-termo entre a fraqueza de vontade e a vontade
obsessiva etc.
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