2ª e 3ª AULA DE FILOSOFIA 2º ANO ENS. MÉDIO, M,T ,N
Concepções de Ética que Marcaram a História Ocidental
Ao longo da história da humanidade, a ética foi
entendida como parte integrante da filosofia. Os filósofos procuraram estabelecer princípios e pressupostos que caracterizaram o campo de compreensão da ética e da
moral. Em cada uma das épocas, o
campo de compreensão se
ampliava e adquiria novos sentidos, fazendo
com que as ações e as condutas das pessoas fossem compreendidas de maneira
diferente.
A ética e a moral nos remetem à ideia de costumes. Muitas foram as teorias e as concepções que se formaram entre os pensadores
do assunto. Por isso, passo a apresentar de maneira
resumida, algumas concepções de ética que
marcaram a discussão ao longo
de nossa história da humanidade. Estas concepções não devem ser entendidas como um
conjunto fixo e irredutível de prescrições, mas
dentro do seu contexto histórico.
a) A Ética na
Concepção Socrática
Foi com os primeiros
filósofos gregos, principalmente com Sócrates, que teve início a
discussão sobre Ética. Para Sócrates, a
moral parte do princípio de que a
felicidade humana é resultado
de uma vida virtuosa, ou seja, de que a felicidade é a própria perfeição ética. O bem
consiste no proveito de todos. O homem, agindo pelo interesse comum, ganha também a própria felicidade,
que
reside precisamente na consciência do agir de acordo com a justiça, no domínio
de si mesmo e dos próprios impulsos. Para Sócrates, é virtuoso quem é sábio e
pratica o bem, do contrário, quem não conhece o bem e não o pratica é infeliz.
Aqueles que praticam o mal fazem-no por ignorância. Portanto, a origem de todos
os males está na ignorância. (SCIACCA, 1995),
b) A Ética na Concepção Aristotélica
Os gregos desenvolveram outras formas de compreender a
ética. Para Aristóteles, a Ética está vinculada à vida prática. É nesse sentido
que Aristóteles, na obra Ética a Nicômaco, trata dos conceitos de Ética com
maior detalhe, cuja preocupação principal, acima de qualquer coisa, é com o bem
comum. A vida boa, que todo ser humano deseja, é o que chamamos de felicidade,
que se refere a certa forma de viver que, no entanto, como a natureza humana, é
complexa e, muitas vezes, apresenta tendências adversas, sendo preciso
submetê-la a certas regras ou critérios racionais que equilibrem a felicidade
entre os demais. Conseguir esse equilíbrio (meio termo) é o que Aristóteles
chama de virtude, apresentada como um componente essencial da felicidade.
O fim da medicina é a saúde, o da construção naval é um
navio, o da estratégia militar é a vitória, e o da economia é a riqueza. Se
existe então, para as coisas que fazemos, algum fim que desejamos por si mesmo
e tudo o mais é desejado por causa dele [...] evidentemente tal fim deve ser o
bem, ou melhor, o sumo bem (ARISTÓTELES, 2003, p. 17).
A virtude não é uma atividade adversa da felicidade, mas um
hábito ou uma maneira habitual de ser. Como tal, não pode ser adquirida da
noite para o dia porque depende de muito exercício, que não se caracteriza como
uma ; atividade, mas como uma disposição para agir sempre da mesma forma nas
ações futuras. É nesse sentido que, na Ética a Nicômaco, Aristóteles afirma que
"a virtude moral é adquirida em resultado do hábito"; em que se
configura a ética como uma ciência prática, pois como diz ele, "[...] não
investigamos para saber o que é a virtude, mas a fim de nos tornarmos bons, do
contrário o nosso estudo seria inútil [...]." (ARISTÓTELES, 2003, p. 27).
c) A Ética na Concepção Cristã
Na Idade Média, o
cristianismo exerceu um domínio muito forte sobre a da das pessoas, consequentemente,
influenciou na maneira de organizar- se e de relacionar-se. O relacionamento,
nesta época, não estava ligado retamente à questão político-social, mas ao
comportamento individual com Deus.
A concepção de ética na Idade Média se diferenciava da
concepção grega. A principal diferença estava na ideia de que a virtude se
define na relação com Deus e não com a sociedade e nem com os outros. Portanto,
a nossa relação com os outros depende da qualidade de nossa relação com Deus.
Por esse motivo, a fé e a caridade eram as duas virtudes cristãs indispensáveis
para um bom relacionamento com Deus.
d) A Ética na Concepção
Antropocêntrica
Com o início do desenvolvimento do capitalismo e da ciência,
a sociedade passa a ser entendida a partir do indivíduo e não mais a partir dos
interesses da coletividade. Ou seja, para os gregos, a comunidade era vista
como algo constitutivo do ser humano e que tinha sua realização na
"polis". Na idade Média, a comunidade era compreendida como algo
imutável e pré-estabelecido por Deus, cabendo ao homem apenas aceitar as
determinações impostas pela Igreja e segui-las. A ética era entendida a partir
da ideia do dever. As pessoas deveriam ter: "deveres para com Deus,
deveres para consigo mesmo e deveres para com o próximo." (VIDAL, 1981, p.
33).
Posteriormente, na Idade moderna, o homem se apega à ciência
como construtora de sua vida. O dever passa a ser compreendido como um
postulado racional universal que deve regular a vida dos cristãos e não
cristãos na sociedade. Um dos filósofos que procurou dar uma resposta a essas
dificuldades foi Rousseau, no século XVIII. Para ele, a consciência moral e o
sentimento do dever são inatos e independem da nossa vontade. Chauí (1997, p.
344) faz a seguinte reflexão sobre as ideias de Rousseau no que se refere à
ética do dever e a consciência moral:
[...] nascemos puros e bons, dotados de generosidade e
benevolência para com os outros. Se o dever parece ser uma imposição e urna
obrigação externa, imposta por Deus aos humanos, é porque nossa bondade natural
foi pervertida pela sociedade, quando esta criou a propriedade privada e os
interesses privados, tornando-os egoístas, mentirosos e destrutivos.
Rousseau (1983) defende uma ética do coração, onde o dever
simplesmente nos faz recordar da nossa natureza originária, que é seguir as predeterminações
impostas a nós antes de nascermos. Nesse sentido, devemos obedecer não a nossa
razão, que é perversa e egoísta, mas aos nossos sentimentos e emoções que
constituem o nosso ser, que é dotado de bondade e ternura.
Mas é com Kant, filósofo alemão (1724-1804), que a ética dos
tempos modernos adquire uma característica mais individualista influenciada
pela ciência, onde os aspectos racionais e antropológicos passam a ser
referências diretas para toda e qualquer conduta humana e para o sistema
capitalista. Immanuel Kant, contrariando as ideias defendidas por Rousseau,
afirmava que somos, por natureza, dotados de bondade e de maldade e que nossos
atos não dependem de nossa vontade própria, a qual temos que seguir pelos
impulsos do coração. Santos (1997, p. 87) faz a seguinte reflexão sobre a ética
em Kant: "o homem é um ser determinado e sabe que não pode ser totalmente
livre, mas pela sua força de vontade é capaz de fazer o bem e rejeitar o
mal".
Em síntese, a ética kantiana se baseia nos seguintes
princípios ou regras, a saber: qualquer conduta aceita como padrão ético deve
valer para todos os que se encontrem na mesma situação, sem exceções; só se
deve exigir dos outros o que exigimos de nós mesmos; devemos agir de alguma
forma que a causa que nos levou a agir possa ser transformada em lei universal.
(KANT, 1974).
e) A Ética na Concepção Marxista
Um dos maiores pensadores do mundo moderno, Karl Marx,
afirmou que as transformações sociais são produzidas pela luta de classes e que
seu objetivo era construir uma sociedade sem classes. Mas, segundo Marx, numa
sociedade onde vivem exploradores e explorados é a moral da classe dominante
que predomina. Os valores, como liberdade, amizade e felicidade, são hipócritas
porque são irrealizáveis numa sociedade fundada em classes sociais. Portanto,
falar em moral ou ética universal numa sociedade dividida em classes é
completamente falso, é camuflar os interesses antagônicos das classes para
manter a dominação de uma sobre a outra. Somente poderá existir uma ética
verdadeira quando vivermos numa sociedade sem Estado, sem classes e sem
propriedade privada.
f) A Ética na Concepção de Jürgen
Habermas
Para Jürgen Habermas, que nasceu na Alemanha em 1929, a
ética se baseia no uso da razão prática e busca o que é bom, tanto para o
indivíduo como para a coletividade. De acordo com o pensamento de Habermas, o
comportamento prático do cidadão deve orientar-se pelo ideal da vida boa. A
vida boa é definida pelo grupo social ao qual o indivíduo pertence; trata-se de
um ideal coletivo ancorado na tradição. O cidadão deve buscar uma forma de
integrar-se ao projeto coletivo que respeite também as características de sua
individualidade.
g) A Ética da
Libertação de Enrique Dussel.
Nascido em
1934, na cidade de Mendoza (Argentina), é considerado um importante
representante da Filosofia da Libertação. Desenvolve seu pensamento tendo como
base a realidade latino-americana de dominação e opressão. Defensor dos mais
pobres, sua concepção de Ética tem como princípio primeiro defender a vida a
partir de um continente oprimido e marginalizado.
A ética ou
a moral é sempre certo respeito ao outro. Como crítico do processo de
colonização, adotado pelos povos europeus, Dussel (1977, p. 47) apresenta o
princípio primeiro e supremo da ética latino-americana, que é:
"Não
mates o Outro, ame-o com amor-de-justiça". "Não o mates" porque
então permanecerás "só"[...]. Não só deves deixá-lo viver
("deixar viver" é condição da afirmação da negação da negação:
"não mates'); é ainda necessário amá-lo como outro, e pode depois dar-lhe
o que é justo aquele que assim ama o Outro benevolentemente.
Ao
contrário, o mal é a "negação do Outro" no sentido de não poder fazer
parte do processo histórico, consequentemente, vive excluído da sociedade. A
maldade é o desprezo ao Outro, enquanto a bondade é acolher o outro. Portanto,
a origem do bem está no Outro. Em síntese, a ética, para Enrique Dussel, é
ouvir a voz do outro. Aquele que ouve a voz do outro ou a sua palavra está
praticando a justiça.
h) A Ética
para Paulo Freire
Considerado
um dos principais representantes da Educação brasileira, Paulo Freire não
desenvolveu um conjunto de princípios ou teorias a serem seguidas, mas sua
ética se apresenta mais como um olhar ou uma ótica que perpassa todas as
dimensões da vida, desde as questões mais simples até as situações mais
complexas da vida.
A ética se
manifesta na capacidade que as pessoas têm de relacionar as suas vivências.
Quando somos capazes de comparar, intervir, romper, tornamo-nos seres éticos,
estamos caminhando para a libertação da opressão e da marginalização sofrida na
sociedade. Além disso, a ética se manifesta na capacidade de indignar-se contra
as crueldades que acontecem. "Está errada a educação que não reconhece na
justa raiva, na raiva que protesta contra as injustiças, contra a deslealdade,
contra o desamor, contra a exploração e a violência um papel altamente
formador." (FREIRE, 1996, p. 45).
Em síntese,
para Paulo Freire (apud BARRETO, 1998, p.58), "é exatamente a vida, que
aguçando nossa curiosidade, nos leva ao conhecimento; é o direito de todos à
vida que nos faz solidários; é a opção pela vida que nos torna éticos".
Em linhas
gerais, as ideias até aqui apresentadas sobre as diferentes concepções de
éticas nos permitem concluir que ela não está pronta e acabada, mas em
constante processo de construção. Além do mais, condição essencial para o
exercício de qualquer profissão, tema este que será desenvolvido na próxima
seção.
Atividade de
Estudos:
1) Apresente as principais características
da ética e da moral.
2) Na leitura do texto sobre as concepções
de ética que marcaram a história ocidental, você pode perceber que há
diferentes explicações e compreensões para a ética. Procure sintetizar, em uma
ou duas frases, cada uma das concepções de ética apresentada.
a) A Ética na concepção socrática.
b) A Ética na concepção aristotélica.
c) A Ética na concepção Cristã.
d) A Ética na concepção antropocêntrica.
e) A Ética na concepção marxista.
f) A Ética na concepção de Jürgen
Habermas.
g) A Ética da Libertação de Enrique
Dussel.
h) A Ética para Paulo Freire.
3) Leia o
texto que segue:
Uma jovem
descobre que está grávida. Sente que seu corpo e seu espírito ainda não estão
preparados para a gravidez. Sabe que seu parceiro, mesmo que deseje apoiá-la, é
tão jovem e despreparado quanto ela e que ambos não terão como se
responsabilizar plenamente pela gestação, pelo parto e pela criação de um
filho. Ambos estão desorientados. Não sabem se poderão contar com o auxílio de
suas famílias (se as tiverem).
Se ela for
apenas estudante, terá que deixar a escola para trabalhar, a fim de pagar o
parto e arcar com as despesas da criança. Sua vida e seu futuro mudarão para
sempre. Se trabalha, sabe que perderá o emprego, porque vive numa sociedade
onde os patrões discriminam as mulheres grávidas, sobretudo as solteiras. Receia
não contar com os amigos. Ao mesmo tempo, porém, deseja a criança, sonha com
ela, mas teme dar-lhe uma vida de miséria e ser injusta com quem não pediu para
nascer. Pode fazer um aborto? Deve fazê-lo? (CHAUI, 1997, p. 334).
A partir
deste problema ético, procure dar uma resposta para o caso e fundamente em um
dos princípios éticos apresentados na questão 2.
ÉTICA
PROFISSIONAL
Até aqui
apresentamos as diferenças entre ética e moral e as principais teorias éticas
que se formaram ao longo da história da humanidade. Todas essas idéias
apresentadas até então irão servir de base para a compreensão das questões
relativas à ética profissional. Primeiramente, discutiremos a questão da boa
forma ética e, posteriormente, a ética profissional e a função do código de
ética na sociedade.
a) A Boa Forma
Ética
Antes de
abordamos o tema ética profissional, gostaria de destacar um ponto muito
importante e que está relacionado a questão da formação ética. Será que já
nascemos bons ou ruins? Será que já nascemos com os valores éticos e morais ou
será que eles são construídos ao longo de nossa vida
Alguns
autores utilizam a expressão deontologia como sinônimo para se referir à ética
profissional. Deontologia é de origem grega: déon que significa
convincente, necessário, obrigatório; e logia que significa conhecimento ou
estudo. Portanto, a deontologia é um conjunto de conhecimentos exigidos nas
atividades profissionais. Em nossos estudos não vamos utilizar a expressão
deontologia, mas ética profissional, pois entendemos que melhor caracteriza a
relação da ética com a atividade profissional.
Primeiramente,
ética profissional significa a aplicação dos valores e das normas no exercício
profissional. Para a sua aplicação são elaborados códigos de conduta que
regulam o relacionamento entre os membros de uma profissão. Como exemplo,
podemos citar o código de ética dos advogados, contabilistas, profissionais de
educação física, engenheiros entre outros.
Mas o que é
ética profissional? A seguir apresentamos algumas das definições de ética
profissional na opinião de alguns autores.
Segundo
Santos (1997, p. 15), ética profissional é:
[...] a
reflexão sobre a atividade produtiva, para dali extrair o conjunto excelente de
ações, relativas ao modo de produção. Atividade produtiva tem hábitos e costume
próprios, tem também acordos que asseguram a produção de justiça mínima no
decorrer de seu exercício e constituem, ambos, o objeto da ética profissional.
Já para
Camargo (1999, p. 31), "a ética profissional é a aplicação da ética geral
no campo das atividades profissionais; a pessoa tem que estar imbuída de certos
princípios ou valores próprios do ser humano para vivê-los nas suas atividades
de trabalho."
Em suma, a
ética profissional não se resume a um conjunto de leis ou regras que disciplina
o exercício de uma profissão, mas vai muito além. Diz respeito ao agir de cada
profissional perante o seu grupo de trabalho e no relacionamento com os demais
profissionais.
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