segunda-feira, 25 de agosto de 2014

AULA DE FILOSOFIA 2º ANO DO ENSINO MÉDIO POLITÉCNICO


Martin Heidegger     1889-1976
Martin Heidegger descrevia sua filosofia como sendo a busca pelo Ser. Heidegger é associado e tido como inseparável da corrente existencialista, e ele próprio não era incisivo em desaprovar tal conexão. Sustentava que seria o Ser, enquanto tal, mais do que a existência pessoal, o centro das suas preocupações. Seu trabalho busca algum tipo de significado para o fato espantoso de que "há coisas que existem". Essa postura é em grande parte devedora da filosofia de Kierkegaard e de Edmund Husserl, este último tendo sido professor de Heidegger. Por sua vez, Heidegger exerceu profunda influência sobre Jean Paul Sartre. Ele emprega o termo Dasein1 para descrever o modo de existência de um ser humano, argumentando que a vida humana é radicalmente diferente de outras formas de vida, visto ser capaz de possuir consciência de si mesma e de refletir sobre a sua existência. Os seres humanos, assegura o filósofo, podem escolher viver de um modo autêntico, tendo um senso completo quanto à sua situação no mundo, ou de modo inautêntico, quase como um autômato, conformado com as rotinas e os padrões estabelecidos. Seu principal trabalho filosófico é O ser e o tempo, publicado em 1927.
Martin Heidegger nasceu em Baden, na Alemanha. Estudou filosofia na Universidade de Freiburg, onde Husserl lecionou entre 1916 e 1929, lá se tornando professor antes de ingressar no corpo docente de Marburg, em 1923. Ele retornou a Freiburg como professor em 1928, tornando-se reitor da universidade em 1933. No discurso de posse, aclamou entusiasticamente o nacional-socialismo, alinhando-se de modo inequívoco ao movimento nazista e advogando uma fusão da linguagem política corrente com sua própria linguagem filosófica. Porém, dez meses mais tarde, demitiu-se da reitoria, reconhecendo que havia cometido um erro grave e retirou-se do engajamento ativo na política. 2
Em setembro de 1966, numa entrevista concedida para a revista alemã Der Spiegel, Martin Heidegger respondeu às reprovações que lhe foram dirigidas ao longo de quase trinta anos, mas ao mesmo tempo vetou a publicação desta matéria até sua morte. Ela foi finalmente divulgada em 31 de maio de 1976, cinco dias após seu falecimento. Na entrevista, Heidegger afirmou que tivera esperança de preservar a autonomia da universidade alemã, embora fosse claro para ele que "isto não poderia acontecer senão mediante alguns compromissos". Ao mesmo tempo, disse o filósofo, ele observava no nacional-socialismo uma possibilidade de que "aqui há algo de novo, aqui existe um novo alvorecer". Seguindo essa linha de raciocínio, em 1933 ele havia persuadido os alunos a: "não permitir que doutrinas e ideias fossem as regras de sua existência. O Fuhrer [Adolf Hitler], ele - mesmo e somente ele, é o presente e o futuro da realidade alemã e sua regra". Na entrevista, ele ponderou a seu entrevistador: "Eu não escreveria hoje a sentença que você cita. Mesmo em 1934 eu não dizia mais tais coisas".
Em O ser e o tempo, Martin Heidegger fornece uma análise da existência humana. Ele considera essa análise como um caminho para a compreensão do Ser-em-si. O método utilizado é a fenomenologia, aprendida com o mestre Edmund Husserl. 3 A questão central consistia em indicar e descrever os dados da experiência imediata exatamente como eles são, sem sobrepor a organização conceituai e sem abstrações. De um ponto de vista fenomenológico, o mundo é a condição com a qual nos comprometemos e habitamos; ele constitui nossas vidas. Nós não devemos entender o mundo simplesmente como um objeto físico, no qual nós estabelecemos sistemas de pensamento individuais. Mais ainda, nós somos "seres-no-mundo" e Dasein - nossa realidade humana ou modo de ser - é esta multiplicidade de modos pelos quais nós habitamos a vida: "ter que fazer algo, produzir algo, esperar algo e procurar por ele, fazer uso de algo, desistir de algo e deixa-lo ir, ultrapassando, realizando, evidenciando, interrogando, considerando, discutindo, determinando [...]"4
Heidegger escreve sobre o "enfrentamento" humano do mundo e sobre a "atmosfera" na qual este é encontrado como reportando a um valor no mundo.
Nós nos encontramos ocupando o mundo, enquanto ocupantes do mundo, no sentido de que temos nossas próprias perspectivas sobre a vida e utilizamos o que temos ao nosso redor, isto é, a nossa factualidade. O filósofo fala também a respeito da apreensão do mundo por parte de cada pessoa, sobre a compreensão da situação de alguém no mundo e a respeito do entendimento que alguém possa tentar alcançar e fazer suas previsões, mais do que ser carregado pela corrente de eventos. Mas este mesmo comprometimento com a vida do mundo gera uma tensão entre a auto realização de uma pessoa e as práticas comuns impensadas dos "outros" do mundo.
Eu posso tornar-me despersonalizado, um objeto para uso dos outros, ao sucumbir a hábitos mecânicos e convenções da existência cotidiana, de acordo com o que é medíocre, monótono e frequentemente banal. Martin Heidegger descreve tal pessoa como "o anônimo", um ser humano que se tornou alienado do seu verdadeiro eu; alguém carente de autenticidade. Caso não seja isto, se eu sou autêntico, eu irei comportar-me necessariamente de modo chocante ou bizarro, mas estas minhas ações, por mais bizarras ou mundanas que aparentem ser, originam-se de minha própria perspectiva, mais do que de fatores externos.
Martin Heidegger utiliza o termo Sorge, traduzido como "cuidado”, 5 para descrever a atitude que prevalece do Dasein. O ser humano é, como sempre foi, "lançado" ao mundo já existente e, portanto, tem que ser responsável por si mesmo, envolvendo-se adequadamente com o mundo encontrado. Assim, cuidado ou adequação caracteriza nossa interação incessante com tudo o que encontramos, utilizamos ou com o que nos envolvemos. Esta é a estrutura do modo pelo qual nós habitamos a vida: o relacionamento ativo, a condição constituinte e indispensável do Dasein. A ênfase de Heidegger na elucidação dessa interdependência entre ser humano e mundo reforça sua rejeição da distinção tradicional entre o sujeito pensante e o mundo objetivo exterior, e dos problemas decorrentes de demonstrar a existência e a natureza verdadeira desse mesmo mundo. Ele argumenta que esta distinção é falsa e que um relato fenomenológico correto de como as coisas são revela que os seres que se dispõem a construir a prova de existência do mundo externo são de antemão parte deste mundo.
Eles são "seres-no-mundo", não isolados e também não sendo distintos dele. Entretanto, Heidegger não tenta acomodar nossas construções racionais referentes aos objetos físicos, assim como o espaço e o tempo das ciências teóricas, à compreensão fenomenológica. Por exemplo, uma ferramenta do mundo, tal como um martelo, pode, segundo o filósofo, ser entendida como algo"pronto-para-a-manipulação", enquanto "em-uso" e ainda como um elemento da minha atividade presente de ser no mundo. Por outro lado, ele pode ser entendido como um objeto dado, isto é, "à mão", disponível no mundo. Estas são, simplesmente, perspectivas diferentes sobre o martelo. O incorreto seria compreender, segundo Heidegger, a concepção científica como superior à concepção prática, bem como sua declaração de verdade sobre a natureza da realidade como fundamental e superior.
Relacionado ao "cuidado" está o conceito de angústia ou medo, um tema dominante na filosofia existencialista. Tal como Kierkegaard, Heidegger distingue entre "angústia" e "medo", assinalando que medo é medo de algum objeto, enquanto que "é óbvio que a angústia é caracterizada pelo fato de que suas ameaças não estão em lugar algum”. 6 A angústia é um reconhecimento do ser no mundo; é experimentada com um sentido esmagador da presença inescapável e totalmente sem sentido da existência.7 Ela impõe uma consciência vivida da existência e, sobretudo, uma contemplação das possibilidades que existem para a pessoa no futuro. Assim, cuidado é característico dessa experiência total: a preocupação de alguém com a situação presente, com o futuro que está aberto diante de si e o caminho pelo qual ele se relaciona com os outros e com as coisas.
Os seres humanos, afirma Heidegger, estão constantemente fugindo dessa experiência de liberdade e responsabilidade, escondendo-se no anonimato de uma vida comunitária irrefletida. Esta é a situação inescapável que constitui o Dasein: não existirmos somente como parte de uma comunidade, mas como indivíduos isolados. Ambos os modos de existência são constituintes do modo de existência humana no mundo. Eles são sua estrutura universal. A experiência da angústia, ou medo, revela-nos que podemos escolher nós mesmos nosso caminho se assim o desejarmos; ela também nos revela que podemos fugir da responsabilidade de realizar essa escolha perpétua.
Heidegger afirma que a compreensão da morte de alguém é a chave para a autenticidade. Pelo reconhecimento de que a morte torna tudo sem significado, colocando um ponto final em todas as possibilidades, nós entendemos, diz o filósofo, que tanto podemos confrontar este fato como procurar esquecê-lo. Uma completa aceitação da morte não é rejeitar a participação na vida do mundo. É, isto sim, simplesmente entender as atividades do mundo no contexto de uma consciência da morte e confrontar o absurdo de encontrar-se como um habitante da vida que foi precedida pelo nada e será também sucedida pelo nada. Esta é a compreensão que pode fazer uma pessoa aceitar a responsabilidade da sua existência. O que é entendido, com a clareza de uma revelação, é que a nulidade que rodeia a existência de uma pessoa estende a tudo o mais esta carência de sentido; que estes sentidos e valores só podem ser outorgados às coisas pela própria pessoa. A pessoa deve tomar o que está no mundo como se alguém tivesse desejado que aquilo fosse do jeito que é, e, então, fazer algo disto.
Em tudo isso, Heidegger não quer indicar que a vida autêntica é moralmente superior à inautêntica. O que ele afirma é estabelecer a estrutura do Dasein, e que assim o faz como uma preliminar necessária ao entendimento do Ser como um todo. Heidegger argumenta ser a temporalidade quem amarra a existência pessoal no todo, visto que a pessoa não é simplesmente alguém existindo no tempo, mas é um ser temporal; isto é, um ser com passado, presente e futuro que estão em interação e recriação perpétua para constituir uma existência pessoal. 8 A estrutura temporal desta existência é a condição da autoconsciência e da ação, e também da capacidade de postular um mundo mais amplo e todos os outros existentes, a respeito dos quais pode-se perguntar porque há tal Ser constituindo a totalidade. A temporalidade é a condição da história, e também um entendimento do Ser que, segundo Heidegger, depende da compreensão do tipo de movimento característico do movimento histórico. Assim, é tarefa do historiador discernir esses grandes movimentos. Uma vida autêntica é aquela vivida não somente de acordo com as noções de autoconsciência e temporalidade pessoais, mas também da estrutura baseada na historicidade e no destino.
Os escritos de Heidegger têm fama de ser extremamente obscuros. Isto ocorre não somente em razão do seu pensamento tentar infiltrar-se nas questões últimas e mais abstratas, mas também por fazer um uso altamente idiossincrático da linguagem. John Macquarrie, um dos tradutores de O ser e o tempo, descreve no prefácio ao livro como Heidegger utiliza as palavras de uma maneira incomum, produzindo seu próprio vocabulário e explorando a capacidade da língua alemã para construir novas palavras compostas. Macquarrie escreve:
Advérbios, preposições, pronomes, conjunções são levadas a servir como nomes; palavras que sofreram uma longa história de mudanças semânticas são novamente utilizadas nos seus sentidos mais antigos. Especialmente os idiomas modernos estão geralmente muito aquém dos limites com os quais eles ordinariamente seriam aplicáveis. Trocadilhos não são de modo algum incomuns e frequentemente uma palavra-chave pode ser usada em diversos sentidos, sucessivamente ou simultaneamente. 9
Os últimos escritos de Heidegger são até mais difíceis que os primeiros trabalhos, com um tom oracular, um estilo enigmático e conciso. Como consequência, ele passou a ser visto por muitos com um misto de irritação e reverência. Sua produção é considerável, abarcando um amplo leque de tópicos: lógica, filosofia da ciência, filosofia da história, ontologia, metafísica, linguagem, tecnologia, poesia, filosofia grega e matemática. A despeito da obscuridade das suas ideias, sua influência espalhou-se muito amplamente. Ele via a si mesmo como um filósofo cuja missão seria redimir a civilização, que foi vendida à tecnologia, à ciência e ao cálculo racional; tal "queda do Ser" deveria ser resgatada, levando uma vez mais o Ser "para casa". A intensidade com que coerentemente expôs e proclamou esse tema é notável. Num artigo denominado "Martin Heidegger aos oitenta", Hannah Arendt escreveu: "Heidegger nunca pensa sobre algo. Ele pensa algo."10
NOTAS
1.  Embora Dasein em alemão signifique literalmente "estar presente, estar aqui (aí, lá); ter vindo; existir, haver ou ter", tais significados não esgota o conceito de Dasein na filosofia de Heidegger. (NT)
2.  O Partido Nazista havia sido fundado em 1919, e desde então sua atuação tinha sido caracterizada pela xenofobia, racismo, antiparlamentarismo, homofobia e reacionarismo político. Com a difusão desse movimento, muitos dos contemporâneos de Heidegger, incluindo seu professor na Universidade de Freiburg, Edmund Husserl, tornaram-se alvo dos nazistas por esposarem ideias liberais, libertárias e socialistas ou em razão de possuírem ascendência judaica. Assim, os motivos que levaram à mudança de posição de Heidegger frente ao nazismo não podem ser limitados a uma tomada de consciência tornada possível apenas com a ascensão destes ao poder. Isto porque o passado do movimento nazista já prenunciava claramente o que seria a Alemanha sob o comando de Hitler a partir de 1933. (NT)
3.  Veja verbete sobre Husserl.
4.  Heidegger, Heingand time, trad. John Macquarrie e Edward Robinson. Oxford: Blackweel, 1962, p. 83 (Parte Um, Divisão 1,11).
5.  Em língua alemã, a palavra sorge significa exatamente preocupação, cuidado, inquietação. (NT)
6.  Ibid., p.23l.
7.  "A angústia heideggeriana é a própria intuição do nada, ou do vazio em cujo seio o ser humano flutua e que o faz entender que é um ser-para-o-nada ou para-a-morte, Se/n-zum-Tode: o homem "vive" o seu próprio nada, na medida em que sua existência não é todo o seu ser, mas simples aspiração de vir a ser, que nunca é satisfeita e jamais se completa, porque o ser-aí do homem consiste em não ser a totalidade do seu ser" (Almir de Andrade. As duas faces do tempo - ensaio crítico sobre os fundamentos da filosofia dialética, José Olympio/Edusp, 1971, § 128. (NT)
8.  A este respeito, temos que "A filosofia existencialista, especialmente na obra de Heidegger, representou outro marco importante no mesmo caminho, por ter vinculado os conceitos fundamentais de ser e de tempo e analisado o tempo como algo tecido nas malhas do próprio ser, incorporado ao ser como realização de suas possibilidades próprias, na medida em que este se temporaliza existindo e existe temporalizando-se. Consistiu, portanto, em outra reabilitação do tempo próprio, agora concebido como horizonte das possibilidades do ser do homem." (Almir de Andrade, 1971 § 349). (NT)
    9.     Ibid., Prefácio do tradutor, p. 14.
10.            Hannah Arendt,"Martin Heidegger at eighty" in Heidegger and modern philosophy, ed. M. Murray. New Haven e London:Yale University Press, 1978, p. 296.
VEJA TAMBÉM NESTA PUBLICAÇÃO Duns Scot, Kierkegaard, Husserl, Sartre.
PARA LER HEIDEGGER
Em português:
A caminho da linguagem. Petrópolis: Vozes, 2003.
A origem da obra de arte. Lisboa: Edições 70, 2000.
Ensaios e conferências. Petrópolis: Vozes, 2002.
Heráclito. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2002.
Introdução à metafísica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1987.
Metafísica e niilismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2000.
Ser e tempo. 2 vols. Petrópolis: Vozes, 2001.
Sobre o humanismo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1995.
PARA SABER MAIS
Biemel.W. Martin Heidegger. London: Routledge and Kegan Paul, 1977.
Blackham, H.J."Martin Heidegger" in S/x existentialist thinkers. London: Routledge and Kegan Paul,
1961. Ettinger, E. Hannah Arendt e Martin Heidegger. Rio de Janeiro: Zahar, 1995. Farias,Victor. Heidegger e o nazismo. São Paulo: Paz e Terra, 1988. Inwood. Michael. Dicionário Heidegger. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. LyotardJ.F. Heidegger e os judeus. Petrópolis: Vozes, 1994. Macquarrie, J. Existentialism. Harmondsworth: Penguin, 1973. MehtaJ. L. The philosophy of Martin Heidegger. New York: Harper and Row, 1971. Murray, M. (ed.) Heidegger and modem philosophy. New Haven e London: Yale University Press,

1978. Nunes, B. Heidegger & Ser e tempo. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. Safranski, R. Heidegger. São Paulo: Geração, 2000. Steiner, G. Heidegger. Sussex: Harvester Press, 1978.

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