Aula de FILOSOFIA 1º Ano M. 1º Trimestre
A FILOSOFIA: DO PERÍODO CLÁSSICO AO
GRECO-ROMANO
Em 479a.C, com a vitória dos gregos sobre os persas, consolida-se a democracia em Atenas. A ideia de "homem" passa a ser identificada com a concepção de "cidadãos da polis". As preocupações e especulações filosóficas concentram-se, a partir desse momento, não mais na relação do homem com a natureza.
O que importa agora é a relação entre seres humanos: a vida social.
"O homem é um animal político", diria Aristóteles. É o nascimento da filosofia clássica. O mundo nunca mais será o mesmo.
Sofistas
Os primeiros mestres na arte da argumentação
O período pré-socrático foi dominado, em grande parte, pela investigação da natureza. Essa investigação tinha como vimos no capítulo anterior, um sentido cosmológico. Era a busca de explicações racionais para o universo, manifestada na procura de um princípio primordial, (arché) para todas as coisas existentes. Seguiu-se a esse período uma nova fase filosófica, caracterizada pelo interesse no próprio homem e nas relações do homem com a sociedade. Essa nova fase foi marcada, no início, pelos sofistas.
Etimologicamente, o termo sofista significa sábio. Entretanto, com o decorrer do tempo, ganhou o sentido de impostor, devido, sobretudo, às críticas de Platão.
Os sofistas eram professores viajantes que, por determinado preço, vendiam ensinamentos práticos de filosofia. Levando em consideração os interesses dos alunos, davam aulas de eloquência e de sagacidade mental. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso nos negócios públicos e privados.
O momento histórico vivido pela civilização grega favoreceu o desenvolvimento desse tipo de atividade praticada pelos sofistas. Era uma época de lutas políticas e intenso conflito de opiniões nas assembleias democráticas. Por isso, os cidadãos mais ambiciosos sentiam necessidade de aprender a arte de argumentar em público para, manipulando as assembleias, fazerem prevalecer seus interesses individuais e de classes.
As lições dos sofistas tinham como objetivo, portanto, o desenvolvimento do poder de argumentação, da habilidade retórica, do conhecimento de doutrinas divergentes. Eles transmitiam, enfim, todo um jogo de palavras, raciocínios e concepções que se ria utilizado na arte de convencer as pessoas, driblando as teses dos adversários.
Todas essas características dos ensinamentos dos sofistas favoreceram o surgimento de concepções filosóficas relativistas sobre as coisas. Segundo essas concepções, não haveria uma verdade única, absoluta. Tudo seria relativo ao homem, ao momento, a um conjunto de fatores e circunstâncias.
Nem heróis, nem vilões
Foi, sobretudo, devido a Platão que se considerou a sofística apenas uma atitude viciosa do espírito, uma arte de manipular raciocínios, de produzir o falso, de iludir os ouvintes, sem qualquer amor pela verdade,
Entretanto, abordagens mais recentes sobre a atuação dos sofistas procuram mostrar que o relativismo de suas teses fundamenta-se numa concepção flexível sobre os homens, a sociedade e a compreensão do real. Para os sofistas, as opiniões humanas são infindáveis, diversas e irredutíveis a uma única verdade. Não existem valores ou verdades absolutas.
É importante lembrar que não há uma única doutrina sofistica, O quê há são alguns pontos comuns entre as concepções de certos sofistas como Protágoras, Górgias e outros.
Protágoras de Abdera: o homem como medida
O homem é a medida de todas as coisas; daquelas que são, enquanto são; e daquelas que não são, enquanto não são.
PROTÁGORAS
Estátua de Apoio. A idealização da figura
Nascido em Abdera, cidade litorânea entre a Macedônia e a Trácia, Protágoras (480-410 a.C.) é considerado o primeiro e um dos mais importantes sofistas. Ensinou por muito tempo em Atenas, tendo como princípio básico de sua doutrina a ideia de que o homem é a medida de tudo o que existe.
Conforme essa concepção, todas as coisas são relativas às disposições do homem, isto é, o mundo é o que o homem constrói e destrói. Por isso não haveria verdades absolutas. Toda verdade se ria relativa a um determinado homem, grupo de homens ou sociedade.
A filosofia de Protágoras sofreu críticas em seu tempo por dar margem a um grande subjetivismo: tal coisa é verdadeira se para mim parece verdadeira. Assim, qualquer tese poderia ser encarada como falsa ou verdadeira, dependendo do ponto de vista de cada pessoa.
Górgias de Leontini: o grande orador
O bom orador é capaz de convencer qualquer pessoa sobre qualquer coisa.
GÓRGIAS
Górgias de Leontini (487-380 a.C, aproximadamente),considerado um dos maiores oradores da Antiguidade, aprofundou o subjetivismo relativista de Protágoras a ponto de defender o ceticismo o absoluto. Afirmava que:
a. nada existia;
b. se existisse, não poderia ser conhecido;
c. mesmo que fosse conhecido, não poderia ser comunicado a ninguém.
Sócrates de Atenas
O homem que subia perguntar
Ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um pouco mais sábio que ele exatamente por não supor que saiba o que não sei.
SÓCRATES
Nascido em Atenas, Sócrates (469-399 a.C.) é tradicionalmente considerado um marco divisório da história da filosofia grega. Por isso, os filósofos que o antecederam são chamados de pré-socráticos e os que o sucederam, de pós-socráticos. O próprio Sócrates, porém, não deixou nada escrito, e o que se sabe dele e de seu pensamento vem dos textos de seus discípulos e de seus adversários.
Conta-se que Sócrates era filho de um escultor e de uma parteira. Uma dupla herança que, simbolicamente, o levou a esculpir uma representação autêntica do homem, fazendo-o dar à luz suas próprias ideias.
O estilo de vida de Sócrates assemelhava-se, exteriormente, ao dos sofistas, embora não "vendesse" seus ensinamentos. Desenvolvia o saber filosófico em praças públicas, conversando com os jovens, sempre dando demonstrações de que era preciso unir a vida concreta ao pensamento. Unir o saber ao fazer, a consciência intelectual à consciência prática ou moral.
O autoconhecimento era um dos pontos fundamentais da filosofia socrática. "Conhece-te a ti mesmo", frase inscrita no templo de Apoio, era a recomendação básica feita por Sócrates a seus discípulos.
Sua filosofia era desenvolvida mediante diálogos críticos com seus interlocutores. Esses diálogos podem ser divididos em dois momentos básicos: a ironia e a maiêutica.
A ironia
Na linguagem cotidiana, a ironia tem um significado depreciativo, sarcástico ou de zombaria. Mas não é esse o sentido da ironia socrática. No grego, ironia quer dizer interrogação. De fato, Sócrates interrogava seus interlocutores sobre aquilo que pensavam saber. O que é o bem? O que é a justiça? E a coragem? E a piedade? São exemplos de algumas perguntas feitas por ele.
No decorrer do diálogo, atacava de modo implacável as respostas de seus interlocutores. Com habilidade de raciocínio, procurava evidenciar as contradições afirmadas, os novos problemas que surgiam a cada resposta. Seu objetivo inicial era demolir, nos discípulos, o orgulho, a arrogância e a presunção do saber. A primeira virtude do sábio é adquirir consciência da própria ignorância. "Sei que nada sei", dizia Sócrates.
A ironia socrática tinha um caráter purificador na medida em que levava os discípulos a confessarem suas próprias contradições e ignorâncias, onde antes só julgavam possuir certezas e clarividências.
Nesta fase do diálogo, a intenção fundamental de Sócrates não era propriamente destruir o conteúdo das respostas dadas pelos interlocutores, mas fazê-los tomar consciência profunda de suas próprias respostas, das consequências que poderiam ser tiradas de suas reflexões, muitas vezes repletas de conceitos vagos e imprecisos.
A maiêutica
Libertos do orgulho e da pretensão de que tudo sabiam, os discípulos podiam então iniciar o caminho da reconstrução de suas próprias ideias. Novamente, Sócrates lhes propunha uma série de questões habilmente colocadas.
Nesta segunda fase do diálogo, o objetivo de Sócrates era ajudar seus discípulos a conceberem suas próprias ideias. Assim, transportava para o campo da filosofia o exemplo de sua mãe, Fenareta, que, sendo parteira, ajudava a trazer crianças ao mundo. Por isso, essa fase do diálogo socrático, destinada à concepção de ideias, era chamada de maiêutica, termo grego que significa arte de trazer à luz.
Um corruptor da juventude?
Sócrates não dava importância à posição socioeconômica de seus discípulos. Dialogava com ricos e pobres, cidadãos e escravos. O que importava eram as condições interiores, psicológicas, de cada pessoa, pois essas condições eram indispensáveis ao processo de autoconhecimento.
Para a democracia ateniense, da qual não participava a maioria da população, composta de escravos, estrangeiros e mulheres, Sócrates foi considerado subversivo. Representava uma ameaça social, na medida em que desrespeitava a ordem vigente e dirigia suas atenções para as pessoas, sem fazer distinções de classe ou posição social. Interessado tão-somente na prática da virtude e na busca da verdade, contrariava os valores dogmáticos da sociedade ateniense. Por isso, recebeu a acusação de ser injusto com os deuses da cidade e de corromper a juventude. No final do processo foi condenado a beber cicuta (veneno extraído de uma planta do mesmo nome).
Diante de seus juízes, Sócrates assumiu uma postura viril, altaneira, imperturbável, de quem nada teme. Permaneciaabsolutamente em paz com sua própria consciência. Se alguém lhe perguntasse "Não te envergonhas, Sócrates, de ter dedicado a vida a uma atividade pela qual te condenam à morte?", ele responderia: que um homem de bem deve ficar pesando, ao praticar seus atos, sobre as possibilidades de vida ou de morte. O homem de valor moral deve considerar apenas, em seus atos, se eles são justos ou injustos, corajosos ou covardes. (PLATÃO. Defesa de Sócrates, p. 14 (texto adaptado pelo Autor)).
Foi assim que Sócrates procurou caracterizar sua vida: construindo uma personalidade corajosa e guiando sua conduta pelo seu critério de justiça. Viveu conforme sua própria consciência. Morreu sem ter renunciado a seus mais caros valores morais.
Diferenças entre Sócrates e os sofistas
Vejamos a concepção tradicional sobre os sofistas que se desenvolveu a partir das críticas de Platão.
A crítica de Platão aos sofistas só é compreensível à luz das muitas aposições que ele estabelece entre eles e Sócrates:
1. O sofista é um professor ambulante. Sócrates é alguém ligado aos destinos de sua cidade; tanto assim que, condenado injustamente à morte, recusa-se a fugir, acatando a decisão de seus concidadãos;
2. O sofista cobra para ensinar, Sócrates vive sua vida, e essa confunde-se com a atividade filosófica: filosofar não é profissão, é a atividade do homem livre;
3. O sofista "sabe tudo", e transmite um saber pronto, sem crítica (que Platão identifica como uma "mercadoria" que o sofista, mercador, exibe e vende). Sócrates diz nada saber, e, colocando-se no nível de seu interlocutor, dirige uma aventura dialética em busca da verdade, que está no interior de cada um;
4. O sofista faz retórica. Sócrates faz dialética. Na retórica, o ouvinte é levado por uma enxurrada de palavras que, se adequadamente compostas, persuadem sem transmitir conhecimento algum. Na dialética, que opera por perguntas e respostas, a pesquisa procede passo a passo, e não é possível ir adiante sem deixar esclarecido o que ficou para trás;
5. O sofista refuta por refutar, para ganhar a disputa verbal. Sócrates refuta para purificar a alma de sua ignorância.
MAURA IGLÉSIAS
Curso de Filosofia, p. 38.
Platão de Atenas
Das aparências ao mundo das ideias perfeitas
Os males não cessarão para os homens antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder.
PLATÃO
Nascido em Atenas, Platão (427-347 a.C.) pertencia a uma das mais nobres famílias atenienses. Seu nome verdadeiro era Arístocles, mas, devido a sua constituição física, recebeu o apelido de Platão, termo grego que significa "de ombros largos".
Platão foi discípulo de Sócrates, a quem considerava "o mais sábio e o mais justo dos homens" (PLATÃO, Fêdon, p.120). Depois da morte de seu mestre, empreendeu inúmeras viagens, num período em que ampliou seus horizontes culturais e amadureceu suas reflexões filosóficas.
Por volta de 387 a.C. retornou a Atenas, onde fundou sua própria escola filosófica, a Academia, nos jardins construídos por seu amigo Academus. Essa escola foi uma das primeiras instituições permanentes de ensino superior do mundo ocidental. Uma espécie de universidade pioneira dedicada à pesquisa científica e filosófica, além de se tornar um centro de formação política.
A maior parte do pensamento platônico nos foi transmitida por intermédio da fala de Sócrates, nos diálogos socráticos, escritos por ele mesmo, Platão.
Um dos aspectos mais importantes da filosofia de Platão ésua teoria das ideias, com a qual procura explicar como se desenvolve o conhecimento humano, Segundo ele, o processo de conhecimento se desenvolve meio da passagem progressiva do mundo das sombras e aparências para o mundo das ideias e essências.
O método dialético de Platão
A primeira etapa do processo de conhecimento é dominada pelas impressões ou sensações advindas dos sentidos. Essas impressões sensíveis são responsáveis pela opinião que temos da realidade. A opinião (doxa, em grego) representa o saber que temos sem tê-lo procurado metodicamente.
O conhecimento, entretanto, para ser autêntico, deve ultrapassar a esfera das impressões sensoriais, o plano da opinião, e penetrar na esfera racional da sabedoria, o mundo das ideias. Para atingir esse mundo, o homem não pode ter apenas "amor às opiniões" (filodoxia); precisa possuir um "amor ao saber" (filosofia).
O método proposto por Platão para atingir o conhecimento autêntico (epistéme) é a dialética. No que consiste, basicamente, a dialética? Consiste na contraposição de uma opinião com a crítica que dela podemos fazer, ou seja, na afirmação de uma tese qualquer seguida de uma discussão e negação desta tese, com o objetivo de purificá-la dos erros e equívocos.
E qual a diferença entre conhecimento e opinião?
Quem possui conhecimento têm conhecimento de alguma coisa, isto é, de algo que existe, pois o inexistente não é nada. Assim, o conhecimento é infalível, já que é logicamente impossível que se equivoque. Mas a opinião pode estar errada. Como isto é possível? Não se pode opinar a res peito do que não existe, pois isto é impossível, nem tampouco a res peito do que existe, pois isto se ria conhecimento. Portanto, a opinião tem que ser tanto do que é como do que não é.
Mas, de que modo é isto possível? A resposta é que as coisas particulares contêm sempre caracteres opostos: o que é belo é, também, sob certo aspecto, feio o que é justo é, sob certo aspecto, injusto; e assim por diante. Todos os determinados objetos sensíveis, afirmava Platão, possuem esse caráter contraditório; são, pois, o intermédio entre o ser e o não ser e apropriados como objeto de opinião, mas não de conhecimento.
Somente quando saímos do mundo sensível e atingimos o mundo racional das ideias é que alcançamos também o domínio do ser absoluto, eterno e imutável. Nesse mundo das ideias só podemos entrar, segundo Platão, através do conhecimento racional, científico ou filosófico.
Assim, chegamos à conclusão de que a opinião se forma do mundo apresentado pelos sentidos, enquanto o conhecimento é de um mundo eterno; a opinião, por exemplo, trata de coisas belas determinadas; o conhecimento ocupa-se da beleza em si. (RUSSELL, Bertrand: História da filosofia ocidental, v. 1, p. 139.)
E onde, por exemplo, podemos encontrar a beleza, em toda sua plenitude? Platão responde: no mundo das ideias. Nesse mundo é que moram os seres totais e perfeitos: a justiça, a bondade, a coragem, a sabedoria etc.
Fora do mundo das ideias, tudo o que captamos através dos nossos sentidos possui apenas uma parte do ser ideal. O mundo sensível, portanto, é um mundo de seres incompletos e imperfeitos.
A teoria das ideias de Platão representa a tentativa de conciliar as duas grandes tendências anteriores da filosofia grega: a concepção do ser eterno e imutável de Parmênides e a concepção do ser plural e móvel de Heráclito. Para Platão, o ser eterno e universal habita o mundo da luz racional, da essência e da realidade pura. E os seres individuais e mutáveis moram no mundo das sombras e sensações, das aparências e ilusões.
Processo de evolução do
conhecimento segundo Platão
MUNDO SENSÍVEL MUNDO DAS IDÉIAS
(conhecimento filosófico ou científico)
O mito da caverna
Platão criou uma alegoria, conhecida como mito da caverna, que serve para explicar a evolução do processo de conhecimento.
Segundo ele, a maioria dos seres humanos se encontra como prisioneira de uma caverna, permanecendo de costas para a abertura luminosa e de frente para a parede escura do fundo. Devido a uma luz que entra na caverna, o prisioneiro contempla na parede do fundo as projeções dos seres que compõem a realidade. Acostumado a ver somente essas projeções, assume a ilusão do que vê, as sombras do real, como se fosse a verdadeira realidade.
Se escapasse da caverna e alcançasse o mundo luminoso da realidade, ficaria livre da ilusão. Mas, estando acostumado às sombras, às ilusões, teria de habituar os olhos à visão do real: primeiro olharia as estrelas da noite, depois as imagens das coisas refletidas nas águas tranquilas, até que pudesse encarar diretamente o Sol e enxergar a fonte de toda a luminosidade.
A filosofia no poder: os reis-filósofos
Na juventude, Platão alimentou o ideal de participação política em Atenas. Depois, desiludido com a democracia ateniense, confessou: Deixei levar-me por ilusões que nada tinham de espantosas por causa de minha juventude. Imaginava, de fato, que governariam a cidade reconduzindo-a dos caminhos da injustiça para os da justiça.( PLATÃO, . Cartas VII. Apud História do Pensamento, v. 1, p. 58.)
Abraçando a filosofia, adotou um novo ideal: Fui então irresistivelmente levado a louvar a verdadeira filosofia e a proclamar que somente à sua luz se pode reconhecer onde está a justiça na vida pública e na vida privada.
Para Platão, somente os filósofos, eternos amantes da verdade, teriam condições de libertar-se da caverna das ilusões e atingir o mundo luminoso da realidade e sabedoria.
Por isso, no seu livro República, imaginou uma sociedade ideal, governada por reis-filósofos. Seriam pessoas capazes de atingir o mais alto conhecimento do mundo das ideias, que consiste na ideia do bem.
Aristóteles de Estagira
Do nascimento da lógica à ordenação do universo
O ser se exprime de muitos modos, mas nenhum modo exprime o ser. O ser se diz em vários sentidos.
ARISTÓTELES
Nascido em Estagira, em Macedônia, Aristóteles (384-322 a.C.) foi um dos mais importantes filósofos gregos de Antiguidade. Há informações de que teria escrito mais de uma centena de obras, sobre os mais variados temas, das quais restam 47, embora nem todas de autenticidade comprovada. Desempenhou extraordinário papel na organização do saber grego, acrescentando-lhe sua genial contribuição, que influenciou, decisivamente, a história do pensamento ocidental.
Filho de Nicômaco, médico do rei da Macedônia, provavelmente herdou do pai o interesse pelas ciências naturais, que se revelaria posteriormente em sua obra. Aos dezoito anos foi para Atenas e ingressou na Academia de Platão, onde permaneceu cerca de vinte anos, tendo uma atuação crescentemente expressiva. Com a morte de Platão, a destacada competência de Aristóteles o qualificava para assumir a direção da Academia. Seu nome, entretanto, foi preterido por ser considerado estrangeiro pelos atenienses.
Decepcionado com o episódio, deixou a Academia e partiu para Assos, na Mísia, Ásia Menor, onde permaneceu até 345 a.C. Pouco tempo depois foi convidado por Felipe II, rei da Macedônia, para ser professor de seu filho Alexandre. O relacionamento de Aristóteles e Alexandre foi interrompido quando este assumiu a direção do Império Macedônico, em 340 a.C.
Por volta de 335 a.C, Aristóteles regressou a Atenas, fundando sua própria escola filosófica, que passou a ser conhecida como Liceu, em homenagem ao deus Apoio Lício. Nesse local permaneceu ensinando durante aproximadamente doze anos.
Em 323 a.C, após a morte de Alexandre, os sentimentos anti-macedônicos ganharam grande intensidade em Atenas. Devido a sua notória ligação com a corte macedônica, Aristóteles passou a ser perseguido. Foi então que decidiu abandonar Atenas, dizendo querer evitar que os atenienses "pecassem duas vezes contra a filosofia" (a primeira vez teria sido com Sócrates).
Apaixonado pela biologia, dedicou inúmeros estudos à observação da natureza e à classificação dos seres vivos. Tendo em vista a elaboração de uma visão científica da realidade, desenvolveu a lógica para servir de ferramenta do raciocínio.
Da sensação ao conceito: o discípulo discorda do mestre
Segundo Aristóteles, a finalidade básica das ciências seria desvendar a constituição essencial dos seres, procurando defini-la em termos reais.
Ao abordar a realidade, reconhecia a multiplicidade dos seres percebidos pelos sentidos. Assim, tudo o que vemos, pegamos, ouvimos e sentimos é aceito como elemento da realidade sensível.
Portanto, rejeitava a teoria das ideias de Platão, segundo a qual os dados transmitidos pelos sentidos não passam de distorções, sombras ou ilusões da verdadeira realidade existente no mundo das ideias. Para Aristóteles, a observação da realidade leva-nos à constatação da existência de inúmeros seres individuais, concretos, mutáveis, que são captados por nossos sentidos.
Partindo dessa realidade sensorial — empírica — a ciência deve buscar as estruturas essenciais de cada ser. Em outras palavras, a partir da existência do ser, devemos atingir a sua essência, através de um processo de conhecimento que caminharia do individual e específico para o universal e genérico.
Neste sentido, afirmava Aristóteles, o ser individual, concreto, único não pode ser objeto da ciência. O objeto próprio das ciências é a compreensão do universal, visando o estabelecimento de definições essenciais, que possam ser utilizadas de modo generalizado.
A indução (operação mental que vai do particular para o geral) representa, para Aristóteles, o processo intelectual básico de aquisição de conhecimento. Ela possibilita ao ser humano atingir conclusões científicas, de âmbito universal, a partir do trabalho metódico com os dados sensíveis — que sempre apresentam seres individuais, concretos e únicos.
Assim, por exemplo, o conceito escola — ou qualquer conclusão científica sobre esse conceito — foi elaborado tendo como base a observação sistemática das diferentes instituições às quais se atribui o nome de escola. Dessa maneira, o conceito escola tem sentido universal na medida em que reúne em si a estrutura essencial aplicável ao conjunto das múltiplas escolas concretas existentes no mundo.
A nova interpretação para as mudanças do ser
Retomando a questão do ser, Aristóteles pretendeu resolver a contradição entre o caráter estático e permanente do ser em oposição ao movimento e transitoriedade das coisas. Era a clássica polêmica entre Heráclito e Parmênides. Para esse problema, Aristóteles propôs uma nova interpretação ontológica (relativa ao estudo do ser), segundo a qual em todo ser devemos distinguir:
· o ato: a manifestação atual do ser, aquilo que já existe.
· a potência: as possibilidades do ser (capacidade de ser), aquilo que ainda não é mas pode vir a ser.
Conforme Aristóteles, o movimento e a transitoriedade ou mudança das coisas se resumem na passagem da potência para o ato. Exemplo: a árvore que está sem flores pode tornar-se, com o tempo, uma árvore florida. Ao adquirir flores, essa árvore manifesta em ato aquilo que já continha, intrinsecamente, em potência.
Por outro lado, utilizando o mesmo exemplo, uma árvore continua sendo uma árvore mesmo sem estar florida. De onde podemos concluir que ter flores não é uma característica essencial da árvore. Assim, segundo Aristóteles, devemos distinguir também em todos os seres existentes:
· a substância: aquilo que é estrutural e essencial do ser.
· o acidente: aquilo que é atributo circunstancial e não-essencial do ser.
A substância corresponde àquilo que mais intimamente o ser é em si mesmo. Os acidentes pertencem ao ser, mas não são necessários para definir a natureza própria de cada ser.
O que determina a realidade de um ser: a causa
A investigação do ato e da potência do ser depende, no entanto, de alguns esclarecimentos sobre a causalidade. Isto porque essa passagem da potência para o ato não se dá ao acaso: ela é causada.
Aristóteles emprega o termo causa em sentido bastante amplo, isto é, no sentido de tudo aquilo que determina a realidade de um ser. Distingue, assim, quatro tipos de causas fundamentais:
· causa material: refere-se à matéria de que é feita uma coisa. Exemplo: o mármore utilizado na confecção de uma estátua.
· causa formal: refere-se à forma, à natureza específica, à configuração assumida por uma coisa, tornando-a "um ser propriamente dito". Exemplo: uma estátua de homem e não de cavalo
· causa eficiente: refere-se ao agente que produziu diretamente a coisa. Exemplo: o escultor que fez a estátua.
· causa final: refere-se ao objetivo, à intenção, à finalidade ou à razão de ser de uma coisa. Exemplo: o escultor tinha como finalidade exaltar a figura do soldado ateniense.
Segundo Aristóteles, a causa formal está diretamente subordinada à causa final na medida em que a finalidade de uma coisa determina o que os seres efetivamente são.
A potência, em si mesma, não é capaz de formalizar o ser em ato, Para que se dê essa passagem, é preciso a interveniência de um agente transformador (causa eficiente), guiado por uma finalidade (causa final). Assim, a causa final é que comanda o movimento da realidade. É pela causa final, em última análise, que as coisas mudam, determinando a passagem da potência para o ato. (Veja no texto complementar As ideias e a realidade histórica, ao final deste capítulo, uma análise do aspecto ideológico da teoria aristotélica das quatro causas.)
A felicidade do homem
Aristóteles define o homem como ser racional e considera a atividade racional, o ato de pensar, como a essência da natureza humana. E como, para ele: o que é próprio de cada coisa é, por natureza, o que há de melhor e de aprazível para ela (...) para o homem a vida conforme a razão é a melhor e a mais aprazível, já que a razão, mais que qualquer outra coisa, é o homem. Donde se conclui que essa vida é também a mais feliz.
Para ser feliz, portanto, o homem deve viver de acordo com a sua essência, isto é, de acordo com a sua razão, a sua consciência reflexiva. E orientando os nossos atos para uma conduta ética, a razão humana nos conduz à prática da virtude.
Para Aristóteles, a virtude representa o meio-termo, a justa medida de equilíbrio entre o excesso e a falta de um atributo qualquer. Exemplo: a virtude da prudência é o meio-termo entre a precipitação e a negligência; a virtude da coragem é o meio-termo entre a covardia e a valentia insana; a perseverança é o meio-termo entre a fraqueza de vontade e a vontade obsessiva etc.
domingo, 13 de julho de 2014
Aula de Filosofia 1º Ano Ensino Médio
Os Sofistas
Górgias - Juntamente com Protágoras foi um dos maiores sofistas de todos os tempos
Após o surgimento da democracia na Grécia antiga, vários transformações ocorreram na sociedade, exigindo novas formas de se relacionar. A democracia era o sistema de governo que pressupunha a escolha periódica de executores e elaboradores das leis. E para isso, não havia nenhum critério.
Neste período, em que já estão avançadas as questões cosmológicas, a busca pelo ser das coisas deixa de ser o foco principal das questões filosóficas, que agora se ocupa com o homem e suas potencialidades. Era preciso saber falar para fazer valer seus interesses nas assembleias. Surgem, então, os famosos oradores denominados Sofistas, palavra que significa sábio em grego.
Esses homens, portadores de uma eloquência incomum, propunham ensinar qualquer coisa aos cidadãos que almejassem os cargos públicos ou simplesmente que se defenderiam em um caso litigioso. No entanto, suas técnicas nada mais eram do que ensinar a persuadir convencendo seu interlocutor em um debate, seja pela emoção, seja pela passividade deste. Ardilosos oradores, os sofistas fascinavam àqueles que ouviam suas palestras, ensinando como transformar um argumento fraco em um argumento forte e vice-versa. Para eles, fácil era convencer conforme seus interesses, por isso conseguiam provar que uma coisa ora era branca, ora preta. O importante era convencer a qualquer custo. Mediante salários (ou seja, cobravam pelo ensino), eles ensinavam a quem pudesse pagar, sobre qualquer coisa, dizendo serem portadores de um saber universal. Mas na prática, ensinavam como refutar o seu adversário, não se preocupando com a relação que as palavras tinham com as coisas, articulando-as segundo as necessidades do debate para convencer e derrotar seu oponente.
São famosos e numerosos os sofistas que atuaram na Grécia antiga, em especial em Atenas, onde a cultura floresceu com mais evidência. Híppias, Pródico, Antístenes, Trasímaco são apenas alguns exemplos históricos destes que inventaram certo modo de viver numa política que pressupunha a isonomia (leis iguais para todos os cidadãos). No entanto, podemos destacar especialmente dois dos maiores sofistas de todos os tempos: Górgias e Protágoras.
Protágoras é conhecido como o primeiro sofista. Sua fama se estendia por todas as colônias e era um homem culto e bem sucedido. Aliás, a estima do público, a vaidade e o reconhecimento era algo de que todos os sofistas se valiam, pois para eles o que importa é o momento e jamais o que se tem depois de morto. Questões espirituais eram descartadas, gerando algumas acusações de impiedade, das quais o próprio Protágoras conseguiu escapar.
Este eminente orador vivia uma forma de absoluto subjetivismo relativista. Sua máxima “o homem é a medida de todas as coisas” ilustra bem o modo de pensar das diferentes pessoas. Isto quer dizer que cada pessoa, pensa, deseja e busca algo para si, de tal forma única que impossibilita que exista uma verdade absoluta. A verdade, segundo Protágoras, depende de cada um, depende de como cada coisa aparece para cada um em seu juízo. O que pode ser verdade para um, pode não o ser para outro. Com esse relativismo moral, ele rejeita toda verdade universal. Se algo te parece bom, faça. Se isso traz benefício a você e prejuízo aos outros, faça assim mesmo.
Com isso, Protágoras também desacreditava dos deuses. Seu pragmatismo imediatista afirmava que se você nada pode saber dos deuses, eles não servem para nada e, assim, você pode ser indiferente a eles. Esse foi um dos motivos pelos quais ele foi acusado de impiedade.
Outro ilustre sofista e não menos importante foi Górgias. Descartando qualquer noção de moral ou virtude, ele determinou a persuasão como algo essencial ao homem. Segundo ele, o domínio dessa técnica permite ao homem conhecer todas as coisas e, com isso, ser feliz.
Górgias redigiu um tratado sobre o Não Ser, em resposta ao filósofo Parmênides, em que consta o resumo de seu modo Niilista de pensar. Para ele, nada existe de real; e se nada existe, o homem não pode conhecer verdadeiramente nada; e mesmo que algo exista e possa a ser conhecido, seria impossível comunicar aos outros este conhecimento.
Desse modo, Górgias acentua o seu ceticismo, evidenciando a impossibilidade de um conhecimento definitivo e propiciando um ambiente em que o mundo só tem o valor daquilo que o homem confere, consciente de sua efemeridade, ou seja, que o homem é um ser passageiro e que age apenas para satisfazer seus interesses pessoais.
segunda-feira, 13 de abril de 2015
AULA DE FILOSOFIA DO 2º ANO ENSINO MEDIO - MANHÃ E TARDE
Teoria do conhecimento: Epistemologia
A teoria do conhecimento, também conhecida por epistemologia (termo derivado do grego) é um ramo da filosofia cujas preocupações são a natureza e as limitações do conhecimento. De modo geral a epistemologia quer saber o que é o conhecimento, como ele é adquirido pelo homem. Também se procura conhecer a natureza daquilo que se conhece e como se conhece o conhecimento.
Grande parte dos estudos na área está voltada à análise da natureza do conhecimento de modo geral, e de como isso se liga a noções relacionadas como a verdade, a crença e a justificação. A epistemologia também lida com produção de conhecimento e com as posições céticas sobre o conhecimento. Este campo de estudos foca-se, de modo geral, na origem, métodos, estrutura e valor de verdade do conhecimento.
De modo geral, são distintos dois tipos de conhecimento: “saber que” e “saber como”. O primeiro caso é também chamado de conhecimento proposicional, e o exemplo mais comum é a soma 2 + 2 = 4. Nessa proposição, entretanto, está envolvido também o “saber como”, que nesse caso é o conhecimento em realizar a adição entre dois números.
Assim, há quem prefira manter a distinção clara entre o “saber que” e o “saber como”, sendo que a epistemologia foca o “saber que” especificamente.
Não há um consenso sobre as origens da epistemologia, mas assume-se que começou com o filósofo Platão. Tendo vivido no século IV antes de Cristo, o pensador propunha que havia uma oposição entre o que se considerava opinião/crença e o conhecimento propriamente.
Para o filósofo grego, a crença era caracterizada como uma visão pessoal, enquanto que o conhecimento era a crença efetivamente verdadeira.
Na visão de Platão, a importância está no “saber como” acima referido, ou seja, no conhecimento teórico das coisas. Trata-se do conjunto das informações que descrevem e potencialmente explicam o universo social e natural de que o ser humano faz parte.
Sob a perspectiva platônica, o conhecimento é uma forma descritiva, explicativa e preditiva da realidade. Em outras palavras, serve às dimensões observacionais e descritivas das coisas, bem como a análise do seu modo de funcionamento e, com base nisso, antecipa passos futuros. Essa visão, naturalmente, não pode comportar integralmente a dimensão do “saber que” mencionada anteriormente.
A teoria do conhecimento também se ocupa da natureza da evidência. Tomada como prova, a evidência é um dos critérios para reconhecer a verdade.
Segundo a epistemologia, há diversas posições que um dado sujeito pode aderir quando surge a possibilidade do conhecimento. Algumas delas são as seguintes:
Posição dogmática, em que o sujeito pode obter conhecimentos seguros e de validade universal e de inquestionável certeza;
Posição cética, em que o sujeito levanta dúvida sobre a existência de um conhecimento certo e inquestionável, submetendo as verdades a testes de evidência;
Posição relativista, em que se nega a verdade de valor absoluto e defende-se que todo indivíduo pode ter sua verdade única e individual. Essa posição foi defendida pelos sofistas;
Posição perspectivista, em que existiria uma verdade de fato absoluta, embora o indivíduo ou grupo de indivíduos não seja capaz de obtê-la integralmente. Todo indivíduo teria acesso a fragmentos ou perspectivas de uma verdade única;
Pelo que se disse neste artigo, ficam elencadas, em resumo, as principais formas de atuação e perspectivas do amplo campo da teoria do conhecimento, também denominada de epistemologia nos meios acadêmicos.
Referências Bibliográficas:
BUTCHVAROV, P. “The Concept of Knowledge”. Evanston: Northwestern University Press, 1970.
BOMBASSARO, L. C. “As fronteiras da Epistemologia”. 3a. ed. Petrópolis: Vozes, 1993.
quarta-feira, 8 de abril de 2015
Aula de Filosofia 1º Anos M,T. 1º Trimestre
O período pré-socrático
Guiado pela razão, o pensamento começa a caminhar.
De acordo com a tradição histórica, a fase inaugural da filosofia grega é conhecida como período pré-socrático. Esse período abrange o conjunto das reflexões filosóficas desenvolvidas desde Tales de Mileto (623-546 a.C.) até Sócrates (468-399 a.C.).
Os pensadores de Mileto: a busca de um princípio para todas as coisas
Ruínas do teatro da cidade de Mileto.
Quando afirmamos que a filosofia nasceu na Grécia, devemos tornar essa afirmação mais precisa. Afinal, nunca houve, na Antiguidade, um Estado grego unificado. O que chamamos de Grécia nada mais é que o conjunto de muitas cidades — Estado (polis) gregas, independentes umas das outras, muitas vezes rivais e com marcantes desníveis culturais e econômicos.
No vasto mundo grego, a filosofia teve como berço a cidade de Mileto, situada na Jônia, litoral ocidental da Ásia Menor. Caracterizada por múltiplas influências culturais e por um rico comércio, a cidade de Mileto abrigou os três primeiros pensadores da história ocidental a quem atribuímos a denominação de filósofos. São eles: Tales, Anaximandro e Anaxímenes.
O objetivo dos primeiros filósofos era construir uma cosmologia (explicação racional e sistemática das características do universo) que substituísse a antiga cosmogonia (explicação sobre a origem do universo baseada nos mitos).
Em outras palavras, os primeiros filósofos queriam descobrir, com base na razão e não na mitologia, o princípio substancial (a arché, em grego) existente em todos os seres materiais. Isto é, pretendiam encontrar a "matéria-prima" de que são feitas todas as coisas.
Tales de Mileto
Tudo é água.
TALES
Tales (623-546 a.C., aproximadamente) costuma ser considerado o primeiro pensador grego, "o pai da filosofia". Na condição de filósofo, buscou a construção do pensamento racional em diversos campos do conhecimento que, hoje, não são considerados especialidades filosóficas. Foi astrônomo e chegou a prever o eclipse total do Sol ocorrido em 28 de maio de 585 a.C.. Na área da geometria demonstrou, por exemplo, que todos os ângulos inscritos no meio círculo são retos e que em todo triângulo a soma de seus ângulos internos é igual a 180°.
Procurando fugir das antigas explicações mitológicas sobre a criação do mundo, Tales queria descobrir um elemento físico que fosse constante em todas as coisas. Algo que fosse o princípio unificador de todos os seres.
Inspirando-se provavelmente em concepções egípcias, acresci das de suas próprias observações da vida animal e vegetal, concluiu que a água é a substância primordial, a origem única de todas as coisas. Para ele, somente a água permanece basicamente a mesma, em todas as transformações dos corpos, apesar de assumir diferentes estados: sólido, líquido ou gasoso.
Anaximandro de Mileto
Nem água nem algum dos elementos, mas alguma substância diferente, ilimitada, e dela nascem os céus e os mundos neles contidos. ANAXIMANDRO.
Anaximandro (610-547 a.C.) procurou aprofundar as concepções de Tales sobre a origem única de todas as coisas. Em meio a tantos elementos observáveis no mundo natural — a água, o fogo, o ar etc. —, ele acreditava não ser possível eleger uma única substância material como princípio primordial de todos os seres, a arché. Para Anaximandro, esse princípio era algo que transcendia os limites do observável, ou seja, daquilo que não se situa numa realidade ao alcance dos sentidos. Por isso, denominou-o ápeiron, termo grego que significa o indeterminado, o infinito. O ápeiron seria uma "massa geradora" dos seres, contendo em si todos os elementos contrários.
Anaxímenes de Mileto
E assim como nossa alma, que é ar, nos mantém unidos, da mesma maneira o vento, envolve todo o mundo. ANAXÍMENES
Anaxímenes (588-524 a.C) admitia que a origem de todas as coisas é indeterminada. Entretanto, recusava-se a atribuir-lhe o caráter oculto de elemento situado fora dos limites da observação e da experiência sensível. Tentando uma possível conciliação entre as concepções de Tales e as de Anaximandro, concluiu ser o ar o princípio de todas as coisas. Isso porque o ar representa um elemento invisível e imponderável, quase inobservável e, no entanto, observável: o ar é a própria vida, a força vital, a divindade que "anima" o mundo, aquilo que dá testemunho à respiração. (BERNHARDT, JEAN, O pensamento pré-socrático de Tales aos Sofistas. In: CHATELET, op. cit. V. 1. P. 28)
Pitágoras de Samos: o culto da matemática
Todas as coisas são números.
PITÁGORAS
Pitágoras (570-490 a.C., aproximadamente) nasceu na ilha de Samos, na costa jônica, não distante de Mileto. Por volta de 530 a.C, sofreu perseguição política por causa de suas ideias, sendo obrigado a deixar sua terra de origem. Instalou-se, então, em Crotona, sul da Itália, região conhecida como Magna Grécia. Em Crotona, fundou uma poderosa sociedade de caráter filosófico e religioso e de acentuada ligação com as questões políticas. Depois de exercer, por longos anos, considerável influência política na região, a sociedade pitagórica foi dispersada por opositores, e o próprio Pitágoras foiexpulso de Crotona. Para Pitágoras, a essência de todas as coisas reside nos números, os quais representam a ordem e a harmonia. Segundo Thomas Giles, pela primeira vez introduz-se um aspecto mais formal na explicação da realidade, isto é, a ordem e a constância. Assim, a essência dos seres, a arché, teria uma estrutura matemática da qual derivariam problemas como: finito e infinito, par e impar, unidade e multiplicidade, reta e curva, círculo e quadrado etc. Pitágoras dizia que no fundo de todas as coisas a diferença entre os seres consiste essencialmente, em uma questão de números os seres (limite e ordem das coisas).
As contribuições da escola pitagórica podem ser encontradas nos campos da matemática (lembre-se do célebre teorema de Pitágoras), da música e da astronomia. A essas contribuições junta-se uma série de crenças místicas relativas à imortalidade da alma, à reencarnação dos pecadores, à prescrição de rígidas condutas morais etc.
Heráclito de Éfeso: o movimento perpétuo do mundo
Tudo flui, nada persiste, nem permanece o mesmo.
O ser não é mais que o vir-a-ser.
HERÁCLITO
Nascido em Éfeso, cidade da região jônica. Heráclito é considerado um dos mais importantes filósofos pré-socráticos, A data de seu nascimento e a de sua morte não são conhecidas. Há referências históricas de que, por volta do ano 500 a.C, estava em plena "flor da idade". Heráclito é considerado o primeiro grande representante do pensamento dialético. Concebia a realidade do mundo como algo dinâmico, em permanente transformação. Daí sua escola filosófica ser chamada de mobilista (de movimento). Para ele, a vida era um fluxo constante, impulsionado pela luta de forças contrárias: a ordem e a desordem, o bem e o mal, o belo e o feio, a construção e a destruição, a justiça e a Injustiça, o racional e o irracional, a alegria e a tristeza etc. Assim, afirmava que "a luta (guerra) é a mãe, rainha e princípio de todas as coisas". É pela luta das forças opostas que o mundo se modifica e evolui. Atribuem se a Heráclito frases marcantes, de sentido simbólico, utilizadas para ilustrar sua concepção sobre o fluxo e movimentação das coisas, o constante vir-a-ser, a eterna mudança, também chamada devir: Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio, pois suas águas se renovam a cada instante. Não tocamos duas vezes o mesmo ser, pois este modifica continuamente sua condição.
Assim, Heráclito imaginava a realidade dinâmica do mundo sob a forma de fogo, com chamas vivas e eternas, governando o constante movimento dos seres.
Os pensadores e!eáticos: o início dos estudos sobre o ser e o conhecer
As diversas cosmologias que acabamos de estudar despertaram, na época, uma nova questão. Por que tanta divergência? Por que tantas opiniões contrárias?
Heráclito de Éfeso, como vimos, acreditava que a luta dos contrários formava a unidade do mundo. Já para os pensadores da cidade de Eléia, a partir de seu principal expoente, Parmênides, os contrários jamais poderiam coexistir. Heráclito e Parmênides representam, portanto, dois polos extremos do pensamento filosófico. Foi a partir dessa discussão sobre os contrários, sobre o ser e o não-ser, que se iniciaram a lógica (os estudos sobre o conhecer) e a ontologia (os estudos sobre o ser) e suas relações recíprocas, conforme veremos a seguir.
Parmênides de Eléia
O ente é; pois é ser e nada não é.
Nascido em Eléia, na Magna Grécia, litoral oeste da península Itálica, Parmênides (510-470 a.C, aproximadamente) tornou-se célebre por ter feito oposição a Heráclito. Platão o chamava de o Grande Parmênides.
Parmênides defendia a existência de dois caminhos para a compreensão da realidade. O primeiro é o da filosofia, da razão, da essência. O segundo é o da crendice, da opinião pessoal, da aparência enganosa, que ele considerava a "via de Heráclito".
Segundo Parmênides, o caminho da essência nos afirma, por exemplo, que na realidade:
a. existe o ser, e não é concebível sua não-existência;
b. o ser é; o não-ser não é.
Em vista disso, Parmênides é considerado o primeiro filósofo a formular os princípios lógicos de identidade e de não-contradição, desenvolvidos depois por Aristóteles (ver estudos sobre noções de lógica).
Ao refletir sobre o ser, pela via da essência, o filósofo eleático concluiu que o ser é eterno, único, imóvel e ilimitado. Essa é a via da verdade pura, a via a ser buscada pela ciência e pela filosofia. Entretanto, se olharmos a realidade pelo caminho da aparência, tudo se confunde em função do movimento, da pluralidade e do devir (vir-a-ser).
Na concepção de Parmênides, Heráclito percorreu o caminho das aparências ilusórias. Essa via precisava ser evitada para não termos de concluir que "o ser e o não-ser são e não são a mesma coisa". Parmênides descobriu, assim, os atributos do ser puro: o ser ideal do plano lógico.
Parmênides negou-se a reconhecer como verdadeiros os testemunhos ilusórios dos sentidos e a constatar a existência do ser-no-mundo: o ser que se exprime de diversos modos. Os seres múltiplos e mutáveis. Mas o filósofo sabia que é no mundo da ilusão, das aparências e das sensações que os homens vivem seu cotidiano. Então, "o mundo da ilusão não é uma ilusão de mundo" mas uma manifestação da realidade que cabe à razão interpretar, explicar e compreender, até que alcance a essência dessa realidade. Não podemos confiar nas aparências, nas incoerências, na visão enganadora. Pela razão, devemos buscar a essência, a coerência e a verdade.
O esforço de toda sabedoria é, pois, para Parmênides, sistematizar isso, tornar pensável o caos, introduzir uma ordem nele. (JERPHAGNON, Lucien. História dos grandes filósofos, p.15)
Zenão de Eléia
O que se move sempre está no mesmo agora.
ZENÃO
Discípulo de Parmênides, Zenão de Eléia (488-430 a.C.) elaborou argumentos para defender a doutrina de seu mestre. Com eles pretendia demonstrar que a própria noção de movimento era inviável e contraditória.
Desses argumentos, talvez o mais célebre seja o paradoxo de Zenão, que se refere à corrida de Aquiles com uma tartaruga. Dizia Zenão:
1. Se, na corrida, a tartaruga saísse à frente de Aquiles, para alcançá-la, ele precisaria percorrer uma distância superior à metade da distância inicial que os separava no começo da competição.
b. Entretanto, como a tartaruga continuaria se locomovendo, essa distância, por menor que fosse, teria se ampliado. Aquiles deveria percorrer, então, mais da metade dessa nova distância.
c. A tartaruga, contudo, continuaria se movendo, e a tarefa de Aquiles se repetiria ao infinito, pois o espaço pode ser dividido em infinitos pontos. Na observação que fazemos do mundo, através dos nossos sentidos, é evidente a não-correspondência com os argumentos de Zenão. Entretanto, esses argumentos demonstram as dificuldades por que passou o pensamento, racional para compreender conceitos como movimento, espaço, tempo e infinito.
Empédocles de Agrigento: a unidade de tudo aquilo que se ama
Pois destes (os elementos) todos se constituíram harmonizados, e por estes é que pensam, sentem prazer e dor.
EMPÉDOCLES
Nascido em Agrigento (ou Acragas), sul da Sicília, Empédocles (490-430 a.C, aproximadamente) esforçou-se por conciliar as concepções de Parmênides e Heráclito. Aceitava de Parmênides a racionalidade que afirma a existência e permanência do ser ("o ser é"), mas procurava encontrar uma maneira de tornarem racionais os dados captados por nossos sentidos.
Defendia a existência de quatro elementos primordiais, que constituem as raízes de todas as coisas percebidas: o fogo, a terra, a água e o ar. Esses elementos são movidos e misturados de diferentes maneiras em função de dois princípios universais opostos:
• o amor (philia, em grego): responsável pela força de atração e união e pelo movimento de crescente harmonização das coisas;
• o ódio (neikos, em grego): responsável pela força de repulsão e desagregação e pelo movimento de decadência, dissolução e separação das coisas.
Para ele, todas as coisas existentes na realidade estão submetidas às forças cíclicas desses dois princípios.
Demócrito de Abdera: o átomo como explicação da diversidade
O homem, um microcosmo.
DEMÓCRITO
Nascido em Abdera, cidade situada no litoral entre a Macedônia e a Trácia, Demócrito (460-370 a.C, aproximadamente) foi discípulo de Leucipo(Segundo a tradição, Leucipo de Mileto é considerado o fundador da escola atomista) e um pensador brilhante. "Só a tradição impõe o título de pré-socrático a este pensador importante, nascido e morto depois de Sócrates." (BERNHAKDT. op, cit. p 51).
Responsável pelo desenvolvimento do atomismo, Demócrito afirmava que todas as coisas que formam a realidade são constituídas por partículas invisíveis e indivisíveis. Essas partículas foram chamadas de átomos, termo grego que significa "não-divisível" {a = negação; tomo = divisível).
Para ele, o átomo seria o equivalente ao conceito de ser em Parmênides. Além dos átomos, existiria no mundo real o vácuo, que representaria a ausência de ser (o não-ser). Devido à existência do vácuo, o movimento do ser torna-se possível. O movimento dos átomos permite infinita diversidade de composições. Demócrito distinguia três fatores básicos para explicar as diferentes composições dos átomos:
• Figura: a forma geométrica de cada átomo.
Exemplo: forma de A ≠ forma de B
• Ordem: a sequência espacial dos átomos de mesma figura. Exemplo: AB BA
• Posição: a localização espacial dos átomos.
Exemplo: B ∞
Para Demócrito, é o acaso ou a necessidade que promove a aglomeração de certos átomos e a repulsão de outros. O acaso é o encadeamento imprevisível de causas. A necessidade é o encadeamento previsível e determinado entre causas. As infinitas possibilidades de aglomeração dos átomos explicam a infinita variedade de coisas existentes.
A principal contribuição trazida pelo atomismo de Demócrito à história do pensamento é a concepção mecanicista segundo a qual "tudo o que existe no universo nasce do acaso ou da necessidade". Isto é, "nada nasce do nada, nada retorna ao nada". Tudo tem uma causa. E os átomos são a causa última do mundo.
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