Complemento de Estudos do Medievo- 1º Ano Ensino Médio
A Inquisição tinha poderes absolutos. FALSO
Olivier Tosseri
Prisões arbitrárias, condenações sem julgamento e
torturas: os inquisidores eram mais cruéis e autoritários que a justiça
secular, certo? Errado!
Que imagens nos vêm à mente quando pensamos na palavra
“Inquisição”? Confissões arrancadas sob tortura e o brilho das fogueiras
expurgando os pecados de hereges. Em termos práticos, o Santo Ofício foi um
tribunal da Igreja Católica romana, investido do direito canônico e encarregado
de tomar decisões sobre os casos de comportamento contrário aos dogmas
religiosos. Essa jurisdição excepcional representava, em meio à fragilidade dos
tribunais eclesiásticos regulares, a autoridade do próprio papa.
Com a renovação do direito romano, já na Idade
Média, a área de atuação dos procedimentos inquisitoriais foi sendo
gradualmente alterada. Em um primeiro momento, durante os séculos XII e XIII,
seu objetivo foi preservar a disciplina eclesiástica; em seguida, a Igreja
passou a se servir da repressão na luta contra as heresias, mas de uma maneira
diferente daquela que costumamos imaginar.
Os castigos aplicados pela instituição, por
exemplo, eram reproduções das punições já instituídas pelo poder temporal, que
em geral se encarregava de condenar e queimar os hereges, as feiticeiras ou os
sodomitas. Em uma sociedade na qual imperava a fé, é de supor que os poderes
civis se apropriassem, na tentativa de combater a desordem social ou os
inimigos públicos, das prerrogativas religiosas.
Os procedimentos do tribunal eclesiástico eram tão
rudimentares quanto os da autoridade civil da época. Algumas vezes, eram até
mais progressistas: um notário transcrevia todos os debates, e os acusados não
ficavam presos durante todo o inquérito, podendo recusar determinado juiz ou
apelar para Roma contra alguma decisão do tribunal. Os que confessavam seus
erros recebiam uma penitência religiosa – a fustigação pública durante a missa,
a responsabilidade de cuidar de um pobre, o confisco dos bens, o exílio ou a
peregrinação. Caso contrário, eram excomungados.
O recurso da tortura, muito comum nos tribunais
seculares, não foi uma constante na Inquisição: a instituição recorreu muito
raramente a esse procedimento. Ao todo, menos de 10% dos julgamentos envolveu a
agonia física dos acusados. Com a imposição de uma regra que proibia os
eclesiásticos de derramar qualquer gota de sangue dos réus, várias das
confissões obtidas sob tortura perderam sua validade. Ao fim e ao cabo, o
tribunal religioso condenou pouco.
Ou seja: o aparelho repressor da Inquisição foi bem
menos implacável do que o civil. Por que, então, mantemos essa imagem tão
sombria do Santo Ofício?
A memória coletiva acabou retendo o episódio da
cruzada contra os albigenses, lançada pelos grandes barões do norte da França
para acabar com a heresia dos cátaros no sul do país entre 1208 e 1249. Mas
foi, sobretudo, o fanatismo do inquisidor espanhol Tomás de Torquemada, no
século XV, que marcou definitivamente o espírito do Ocidente europeu. Então
vieram a Reforma protestante do século XVI, o antipapismo da Igreja Anglicana,
a luta do iluminista Voltaire contra o obscurantismo e, finalmente, o
anticlericalismo dos séculos XIX e XX: um conjunto de elementos que pintaram um
quadro tenebroso e distorcido da Inquisição. E essa é a imagem que ainda repousa
na mentalidade de nosso tempo.
“Os que não aprendem com a História, vão repetir
sempre os mesmos erros”.
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