11ª Aula de Filosofia 3º Ensino Médio Politécnico
Nietzsche e a filosofia
como libertação
Nietzsche pode ser considerado um dos filósofos mais
importantes do mundo contemporâneo, sendo o grande responsável pela “crise da
modernidade”. Nasceu em Roecken (1844), na Prússia, estudou filologia em Bonn e
Leipzig, tornou-se professor de filologia clássica na Universidade de Basileia,
na Suíça, em 1869. Foi influenciado pela filosofia pessimista de Schopenhauer e
tornou-se amigo do músico Richard Wagner, com quem depois rompeu relações
Nietzsche foi
um crítico mordaz dos valores do racionalismo iluminista e dos valores morais e
religiosos de nossa época. Ele constatou que noções como verdade, justiça,
razão, bem, mal, virtude, Deus foram relativizados no mundo moderno como
consequência do progresso técnico e científico. Dessa forma, segundo o
professor Oswaldo Giacóia, ele “dedicou sua vida a realizar três tarefas:
compreender a lógica desse movimento contraditório ao longo do qual o progresso
do conhecimento leva à perda de consistência dos valores absolutos; a partir
daí, denunciar todas as formas de mistificação pelas quais o homem moderno
oblitera sua visão dos perigos de sua condição; por fim, destruídos os falsos
ídolos – e esses são os valores mais venerados pelo homem moderno -, assumir
corajosamente o risco de pensar novos valores, abrir novos horizontes para a
experiência humana na história.” (Giacóia, 2000, p.17).
Nietzsche é
considerado o filósofo dos instintos e da vontade de potência, sendo inimigo do
“amolecimento moderno dos sentimentos” e condenando o homem moral, fraco e
religioso. Ele se propôs a si mesmo fazer uma crítica dos valores morais,
colocando em questão o próprio valor desses valores. Com isso, identificou a
razão e a racionalidade com a decadência e o ódio aos instintos. A
racionalidade desde o nascimento da filosofia tornou a razão (logos) o
paradigma para o mundo ocidental, fundamentado nas categorias éticas que têm
orientado os homens ao longo da história, reprimindo os instintos de vida
celebrados pela tragédia grega, em nome de uma vida ética e consciente. Os
“logos” subjugou os instintos criadores. O homem de rapina que age guiado pelos
instintos foi substituído pelo homem racional. A vida foi subjugada pela razão.
A
filosofia de Nietzsche é uma filosofia dos afetos, das paixões e desejos, que
contempla o individualismo, a força, a abundância e os instintos de vida. Para
ele filosofar não era uma atitude teórica e contemplativa, mas uma atitude
prática que se enraíza na vida, um ato de libertação de toda subjugação, de
toda moral, de toda deformação e de tudo aquilo que nos prende a religiões,
grupos e ideologias. Em “Crepúsculo dos Ídolos” Nietzsche afirma que o homem
livre é um guerreiro. “Pois o que é a liberdade? Ter a vontade de responsabilidade
própria. Manter firme a distância que nos separa. Tornar-se indiferente a
cansaço, dureza, privação, e mesmo à vida. Estar pronto a sacrificar à sua
causa seres humanos, sem excluir a si próprio. Liberdade significa que os
instintos viris, que se alegram com a guerra e a vitória, têm domínio sobre
outros instintos, por exemplo, sobre o da ‘felicidade’. O homem que se tornou
livre, e ainda mais o espírito que se tornou livre, calca sob os pés a
desprezível espécie de bem-estar com que sonham merceeiros, cristãos, vacas,
mulheres, ingleses e outros democratas. O homem livre é um guerreiro.”
(Nietzsche, 1974, p.348-9)
A
filosofia como libertação se personifica em um dos seus personagens:
Zaratustra. Zaratustra é aquele que nos ensina o caminho da liberdade,
ensina-nos como devemos ser senhor de si mesmo. Publicado entre 1883 e 1885,
“Assim falou Zaratustra”, é considerado um dos seus principais livros. Neste
livro, de forma poética, está condensado toda sua filosofia. Através de
Zaratustra Nietzsche criticou os valores morais de sua época, desconstruiu a
metafísica, denunciou o atraso da educação e cultura alemã, criticou o estado e
a política. Mas o que nos interessa em Zaratustra são seus ensinamentos. Ele
nos ensina que a dor e o sofrimento é parte integral da vida e que viver é um
processo contínuo de libertação. É sobre este personagem que trataremos.
Afinal, o
que Zaratustra nos ensina?
Zaratustra é
o além do homem (Übermensch), pois ele viu muitas coisas, sofreu muito, amou,
odiou, foi guerreiro, experimentou a morte, comemorou a vida. Em seu caminho
cheio de pedras ele superou a si mesmo. Em sua Odisseia ele superou muitos
monstros, muitos dragões até tornar-se ele próprio, até tornar-se Zaratustra. O
que Zaratustra nos ensina é tornar-se “si mesmo”. Essa é sua principal
sabedoria. É isso que devemos aprender com ele, devemos aprender a ser nós
mesmos. Não devemos seguir ninguém, não devemos seguir ídolos, nem mesmo a
Zaratustra. Ele nos exorta a comer muito sal, a aprender com a pedra, que ela é
dura, a saber que na dor há esperança e que o destino somos nós que fazemos.
Quem nunca sentiu dor não sabe o que é a vida. Todos nós temos Zaratustra
dentro do coração, mas também temos um dragão que impera com suas regras e normas.
Para fazer surgir uma estrela que dance devemos quebrar muitas tábuas de leis.
Quem quiser nadar que entre na água. Quem quer, mas não age, apenas deseja e
sofre.
Foi muito
difícil a Zaratustra tornar-se si mesmo, foi preciso muita coragem, foi preciso
engolir muito sal. Ele soube reconhecer seu destino. Ele soube viver sua vida.
A maior parte dos homens não vive sua vida, não cumpre seu destino. Temos que
aprender a coisa mais difícil desse mundo: aprender a viver. Viver é saber qual
é o nosso destino. O destino não pode ser imposto de fora, ele deve ser puro
como o mais fino brilhante, ele vem de dentro de nossos corações, devemos
identificá-lo. Quem reconheceu seu destino quer cumpri-lo. Quem deseja amar,
que ame. Quem deseja a liberdade, que se liberte.
No destino
há dor, mas também há esperança. É na dor que aprendemos qual é o nosso
destino. A dor nos ensina a viver. Devemos respeitá-la e amá-la como algo
necessário. Muitos indivíduos não
respeitam sua dor, não aprendem nada com ela. Estão sempre se lamentando e
maldizendo a vida. Muitos nem ao menos sabem por que sofrem. Acham que a dor é
causada pela falta de dinheiro, falta de amor, falta de emprego. Se tentassem
entender a dor, tudo seria mais fácil. Perceberiam que ela não é causada pelo
mundo, mas é uma dor pessoal causada pela insatisfação, causada pelo desejo de
viver, causada pelo desejo de liberdade.
Não percebem que é seu destino que reclama dentro de seus corações. Os homens
sufocam seu destino e é na dor que o destino grita por socorro. É o destino em nossos corações que
reclama à vida
Zaratustra nos ensina que falta obstinação ao homem. Falta
personalidade. Temos que viver conforme o nosso coração. A verdade está em nós
mesmos. Não devemos seguir o rebanho. Temos que deixar de ser gregários. Temos
que adquirir perspectivas pessoais. Temos que ser frios e corajosos. Tudo que existe possui um destino. O destino
do pássaro é voar. O destino do peixe é nadar. O destino do homem é realizar
seu sentido interno. Temos que descobrir o nosso sentido interno, a nossa
natureza. Só assim nos tornamos um
espírito livre. Temos que voltar a
sermos crianças, pois “a criança é a inocência, e o esquecimento, um novo
começar, um brinquedo, uma roda que gira sobre si, um movimento, uma santa
afirmação” (Nietzsche, 2004, p.36) A
criança é um espírito livre. Ela segue seu sentido interno. Ela é pura
espontaneidade, necessidade, liberdade, não sente culpa, não tem malicia, é
inocência e sua vida consiste em brincar. Já o adulto é consciente de seus
atos, sabe que para viver em sociedade deve abandonar uma grande parte de seus
sonhos e desejos, pois deve se adaptar as exigências da vida social. O homem
civilizado vive uma vida inautêntica. É um ser não-livre, moral, que sente
culpa e remorso pelos seus atos.
Para
Zaratustra o destino do homem é crescer enquanto indivíduo. O sentido interno
do homem está ligado a sua vontade de potência, a sua vontade de crescimento. O
que importa é a nossa força interna, a força vital. O importante é cumprir o
nosso destino individual. Enquanto seres gregários não temos individualidade. A
individualidade é algo que temos que adquirir através do nosso destino pessoal.
Temos que viver autenticamente a vida. Temos que ser nós mesmos. O indivíduo só
se torna o que se é por suas próprias forças, ou seja, por sua vontade de
potência. “E onde há sacrifício, serviço e olhar de amor há também vontade de
ser senhor. Por caminhos secretos desliza o mais fraco até a fortaleza, e até
mesmo ao coração do mais poderoso, para roubar o poder. E a própria vida me
confiou este segredo. ‘Olha – disse – eu sou o que deve ser superior a si
mesmo’”. (Nietzsche, 2004, p.96-7) O que Zaratustra nos ensina é ser senhor de
si mesmo, pois aquele que é senhor de si mesmo é senhor do mundo.
Biografia
Giacóia, O. Nietzsche. Publifolha, 2000 (Folha explica)
Nietzsche, F. Assim Falou Zaratustra. Martin Claret: São
Paulo, 2004
Nietzsche, F. Crepúsculo dos ídolos. In: Os Pensadores. São Paulo:
Abril, 1974
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