terça-feira, 5 de julho de 2016

8ª Aula de Filosofia 2º Ano Ensino Médio

Apostila de GNOSIOLOGIA

Professor Edson Couto

Introdução Gnosiologia (também chamada Gnoseologia) é o ramo da filosofia que se preocupa com a validade do conhecimento em função do sujeito cognoscente, ou seja, daquele que conhece o objeto. Este (o objeto), por sua vez, é questionado pela ontologia que é o ramo da filosofia que se preocupa com o ser.
Faz-se necessária algumas observações para evitar confusões. A gnoseologia não pode ser confundida com epistemologia, termo empregado para referir-se ao estudo do conhecimento relativo ao campo de pesquisa em cada ramo das ciências, ainda que às vezes seja usado como sinônimo.
Teoria do Conhecimento
É necessário antes de tudo, esclarecer a relação entre Teoria do Conhecimento e Gnosiologia, a fim se de evitar equívocos e esclarecer o que seja cada uma. Deve-se ressaltar que gnosiologia não é exatamente a mesma coisa que a chamada Teoria do Conhecimento, embora às vezes possamos encontrar esta identificação em alguns livros de filosofia.
A gnosiologia, também chamada por vezes de gnoseologia, ou Filosofia do Conhecimento, estuda a capacidade humana de conhecer. Desde a filosofia clássica a gnosiologia constituía uma parte da metafísica, juntamente com a ontologia e a teodicéia.
Numa visão de filosofia sistemática mais lógica, podemos classificar a gnosiologia como uma das partes principais da filosofia, como filosofia intelectual, ao lado da ontologia (filosofia existencial) e da deontologia (filosofia comportamental). Assim temos uma divisão da filosofia em três grandes partes: ·
Ontologia – Filosofia Existencial ·
Gnosiologia – Filosofia Intelectual ·
Deontologia – Filosofia Comportamental
E assim como a filosofia divide-se em partes fundamentais, também a Gnosiologia divide-se em Lógica, Crítica e Epistemologia: ·
Lógica – filosofia da forma e método do conhecimento ·
Crítica – filosofia da possibilidade, origem, essência e valor do conhecimento. ·
Epistemologia – filosofia da ciência e conhecimento científico
Como se pode constatar, aquilo que se estuda  em filosofia com o nome de Teoria do Conhecimento corresponde mais exatamente à chamada Crítica, estando separada da Lógica e Filosofia da Ciência, como disciplina autônoma.
A Teoria do Conhecimento tem por objetivo buscar a origem, a natureza, o valor e os limites do conhecimento, da faculdade de conhecer. Às vezes o termo usado ainda como sinônimo de epistemologia, o que não é exato, pois a mesma é mais ampla, abrangendo todo tipo de conhecimento, enquanto que a epistemologia limita-se ao estudo sistemático do conhecimento científico, sendo por isso mesmo chamada de filosofia da ciência.
Os principais problemas da Teoria do Conhecimento 
Pode-se fazer uma divisão didática da Teoria do Conhecimento, baseada nos problemas principais enfrentados por ela: ·
A possibilidade do conhecimento ·
A origem do conhecimento ·
A essência do conhecimento ·
As formas do conhecimento ·
O valor do conhecimento (o problema da verdade).
Se há conhecimento humano, existe a verdade, porque esta nada mais é do que a adequação da inteligência com a coisa (segundo a concepção aristotélico-tomista). Com a existência da verdade, há conseqüentemente a existência da certeza, que é passar a inteligência à verdade conhecida. A inteligência humana tende a fixar-se na verdade conhecida. Metodologicamente, há primeiramente o conhecimento, depois a verdade, e finalmente a certeza.
Tal tomada de posição perante o primeiro problema da crítica, é chamado de realismo , sendo defendida por filósofos realistas, como por exemplo, Aristóteles e Tomás de Aquino. Se, ao contrário, se sustentar que a inteligência permanece, em tudo e sempre, sem nada afirmar e sem nada negar, isto é, sem admitir nenhuma verdade e nenhuma certeza, sendo a dúvida universal e permanente o resultado normal da inteligência humana, está se defendendo o ceticismo.
O problema crítico representa o estudo das implicações e relações do realismo e do ceticismo. Uma vez que admite-se a existência da verdade (valor do conhecimento), e da certeza, pergunta-se então onde estão as coisas:
-na inteligência, como querem Platão, Kant, Hegel (idealismo),
-na matéria, como ensina Marx (materialismo),
-no intelecto humano e na matéria, como dizem Aristóteles, Tomás de Aquino (realismo),
-na razão, como diz Descartes (racionalismo).
Para o idealismo o ente, isto é, o ente transcendental compõe-se somente de idéias.
Para o materialismo, somente matéria.
Para o realismo, idéias e matéria.
Para o racionalismo, é razão.
Investigando o fundamento de todo o conhecimento, averiguando o conhecimento do ente transcendental, a Crítica é a base necessária de todo o saber científico e filosófico, inclusive da própria Ontologia.
Breve exposição de gnosiologia realista 
Métodos da Filosofia Experiência 
A experiência nos vai proporcionar muitos dados interessantes para o estudo filosófico, mas a experiência é mais própria das ciências experimentais que justamente vão proporcionar, a partir de seus métodos conclusões que vão questionar ou certificar nossas certezas filosóficas.
Indução: A indução é um raciocínio pelo qual o intelecto humano, de dados singulares insuficientes, tira uma verdade universal.
Dedução: é o raciocínio pelo qual a partir de premissas certas, se infere uma conclusão logicamente resultante delas. Esse é o meio ordinário pelo qual se desenvolve a ciência filosófica.
Estrutura do processo cognoscitivo 
O primeiro processo e de suma importância na Filosofia é o processo de abstração pelo qual desmaterializamos a realidade à medida que avançamos no conhecimento dela para chegar a um conceito ou ideia da mesma que goze de imaterialidade e universalidade. Para conhecer bem o processo de abstração vamos nos reportar a alguns conhecimentos da Antropologia filosófica.
Dizia Aristóteles que nada está no intelecto que antes não tenha passado pelos sentidos (nihil est in intellectu quod prius non fuerit in sensibus).
O processo de conhecimento começa nos sentidos externos que são a visão, o tato, o paladar, o olfato, a audição, entre outros possíveis. Estes sentidos - que tem seu órgão correspondente - sentem, percebem as sensações de cor, percepções tácteis, de gosto, de odor e de som, respectivamente. Mas todas estas sensações que nos vêm pelos sentidos externos não vêm unidas, pois cada um destes sentidos tem a tarefa de perceber o que lhe é próprio, mas não os unifica. Há, pois, um sentido interno que é o que unifica as sensações proporcionadas pelos sentidos externos e que nos diz que o odor de rosa pertence àquele objeto que tem aquela cor rósea, que ao tato proporciona uma sensação de maciez, etc.; este sentido interno se chama sentido comum ou sensório comum.
As informações unificadas pelo sentido comum são armazenadas em “gavetas” ou arquivos que nos permitem recordar aquelas sensações externas ainda que não estejamos diante do objeto que as proporcionou, este sentido é a memória. Podemos misturar recordações da memória, criando objetos que nunca vimos na realidade, posso juntar o azul do céu ao conceito de rosa e imaginar uma rosa azul, este sentido é a imaginação ou fantasia.
Um último sentido interno e mais superior é a cogitativa, ou estimativa nos animais irracionais. Nos irracionais ela serve para julgar da apetência ou rejeição, da sua relação de conveniência respeito ao ser que estima. No homem, a cogitativa serve para algo mais, para culminar o processo de abstração, que foi iniciado de maneira muito tímida pelos sentido externos e internos (notemos que eles já vão deixando a materialidade das coisas de lado no seu processo de percepção), a cogitativa acaba por negar toda concreção ao objeto que está sendo conhecido e assim termina um processo negativo, nega não somente a materialidade, mas elimina a cor, o odor, a lembrança concreta, ou seja, do lugar e tempo onde se viu tal objeto e somente deixa uma fagulha do objeto. A este fantasma do objeto o chamaremos de espécie, ou fantasma, refere-se a o que está diante de nós e que buscamos conhecer. A cogitativa proporciona assim o que chamamos de espécie impressa, a completa desmaterialização do ente que se busca conhecer, desligado de todas as suas características sensíveis. A partir de então partimos dos sentidos para a faculdade realmente intelectiva. Não podemos negar que a cogitativa se aproxima muito da inteligência, pois ela é o sentido interno mais alto e que mais se aproxima da inteligência. A inteligência ou razão ou mente já não é um sentido, já não tem um órgão no qual resida, ainda que tenha como órgão de atuação direto o cérebro, pois é a partir dele que os sentidos externos e internos coadunam os resultados das percepções que tiveram. A espécie impressa vai imprimir-se na inteligência que é uma luz, se tornando a espécie expressa ou expressada, posto que o intelecto a atualizou expressando o que ela é.
Os medievais costumavam dividir em intelecto paciente e o intelecto agente; contudo mais que dois intelectos ou duas partes do intelecto devemos compreender que são duas formas de atuar do mesmo e único intelecto.
O intelecto paciente recebe aquela espécie impressa que se imprime nele tal qual uma tábua de xilogravura molhada de tinta se imprime no papel quando é pressionada contra ele. A inteligência que é luz e por isso se chama intelecto agente vai tomar aquilo que foi proporcionado pelos sentidos e vai assumi-lo como seu, afirmando que tal coisa é o que é. Vai dar-lhe ma existência pensada. O mais importante é que essa luz proporciona que aqueles dados sejam assumidos como o um conceito de algo real, pois recordemos que o processo de conhecimento começou na realidade, pelos sentidos. Nada está no intelecto que antes não tenha passado pelos sentidos. Mas uma vez passado pelos sentido eu posso me desvencilhar da realidade concreta para compreender a essência ou âmago das coisas e compreender que são tal coisa, desligada de todas as suas concreções materiais. De aí que o conceito ou ideia, que é o resultado ou conclusão do processo intelectivo possua duas notas principais que são a imaterialidade e a universalidade. Pela imaterialidade vemos que o processo de abstração chegou ao seu término, deixando de lado todas as concreções materiais, houve uma total desmaterialização do ente e pela universalidade vemos que o conceito de tal coisa pode ser aplicado a todas as coisas que lhe convém; isto é possível por sua imaterialidade já que ficamos somente com a essência do ente conhecido. Mas o processo de conhecimento não acaba no puro mundo da idéias ou essências abstratas, todavia há o que chamamos de conversio ad phantasmatha, ou volta à realidade. Uma vez tendo o conceito no intelecto, cada vez que pensamos em tal conceito o pensamos de forma concreta e voltamos com ele à realidade, sabendo então que o conceito não é algo irreal, mas corresponde à realidade que conhecemos.
A existência ou ser o conceito é uma existência meramente pensada. Mas não é uma invenção do homem, e sim término do processo cognoscitivo que nos leva a conhecer a realidade e não ao outra coisa.
Para facilitar uma visão o processo pelos qual a partir dos sentidos se chega à concepção de um entendimento da realidade, preparamos um simples esquema figurativo:
INTELECTO RAZÃO OU MENTE
SENTIDOS INTERNOS
SENTIDOS EXTERNOS
O conhecimento racional
A partir dessa captação inicial podemos adentrar-nos nas três operações da inteligência – que justamente são objeto de estudo da Lógica -, a simples apreensão, o juízo e o raciocínio.
A simples apreensão 
 A simples apreensão é a primeira operação da mente, pela qual captamos a essência, o que se chama conceito na Lógica. Essa primeira captação não chega a alcançar a verdade das coisas. Ela será alcançada mediante uma pluralidade de operações e, mais concretamente, no juízo. A simples apreensão se produz por uma atividade sobre asa representações da imaginação e da cogitativa, que ilumina e põe de manifesto o “inteligível” que há nessas representações. Essa atividade iluminativa se denomina abstração e se efetua por uma potência a que já chamamos intelecto agente. Mais concretamente, o objeto externo é captado pelos sentidos exteriores, e sua representação é unificada pelo sentido comum e termina esse processo numa percepção da qual são responsáveis a imaginação, a cogitativa e a memória. Essa representação da realidade, ao ser concreta e material, não pode afetar o entendimento, que é uma potência inorgânica. Portanto, a representação obtida não possui as condições da matéria, mas é a mesma representação da realidade externa. As representações da realidade iluminadas pelo intelecto agente são impressas no intelecto paciente. Uma vez que a representação inteligível foi atualizada pelo intelecto agente e impregnou o intelecto paciente, se pode passar ao ato de entender. O ato de entender é uma etapa ativa ou expressiva, que passa de ter a representação em hábito ou ato primeiro ao ato segundo, que é o de entender, e é aí onde o entendimento em ato é o entendido em ato (anima est quodammodo omnia). Assim, pois, o término do ato de entender é conhecido pelos nomes de conceito, ideia ou espécie expressa. Contudo, se o que conhecêssemos fosse o puramente abstrato não conheceríamos o singular concreto, que é o que queremos conhecer. Então o intelecto não pode conhecer primaria e diretamente as coisas materiais singulares, pois o material não é inteligível. Por isso, o entendimento conhece desmaterializando. Contudo indiretamente e como por uma certa reflexão podemos conhecer o singular. Ou seja, há um movimento que vai desde o sensível ao intelecto e uma reflexão pela qual se vai do intelecto ao fantasma ou imagem do qual se abstraiu a espécie universal, e assim se obtêm o conhecimento do singular.
O juízo
A operação de julgar Por ser imperfeito o entendimento humano, necessita de diversos atos para conhecer um ente. O intelecto unifica as diversas apreensões e procede compondo e dividindo. Portanto, não adquire subitamente o conhecimento perfeito, mas conhece em primeiro lugar a essência e logo as propriedades, acidentes e relações próprias da essência. A composição e divisão são próprias do juízo, e união ou separação de um juízo com outros conforma o raciocínio. Na simples apreensão se capta um aspecto indivisível do ente (ainda que seja uma parte ou aspecto geral), e nos primeiros juízos se compõe os elementos indivisíveis conforme a realidade. Na composição do juízo, a mente capta a unidade dos elementos compostos em uma só intelecção original. No entanto a captação do composto não é uma soma de simples apreensões, mas se trata de um ato composto, mas indivisível e uno. Os elementos do juízo formam um todo inteligível, que se capta como o transcendental unum. Juízo e verdade Na simples apreensão, igual que no conhecimento sensível, há sempre verdade enquanto que o que conhece se conforma com o real. Por isso, não é possível o erro: ou se capta uma verdade ou não se capta. A possibilidade do erro surge quando o intelecto relaciona um elemento simples com outro; isto é, quando estabelece uma relação real na composição ou divisão, ou seja, no juízo. Por isso, todo juízo é verdadeiro ou falso. Podemos definir a verdade como conformidade entre o entendimento e o real (adaequatio intellectus et rei); mas uma coisa é conformar-se ao real e outra “conhecer” esta conformidade. Este ato de conhecer a conformidade é precisamente conhecer a verdade, e é um ato reflexivo.
O raciocínio 
Natureza do raciocínio 
 O raciocínio é o modo em que um intelecto imperfeito, como o intelecto humano, pode aumentar progressivamente seu saber. Depois da simples apreensão e do juízo, ainda é possível, ou necessária, uma maior integração de atos intelectuais, em ordem ao aperfeiçoamento e o aumento do conhecer. A esta conexão do juízo é a que chamamos raciocínio ou processo discursivo da razão. O processo do raciocínio o realiza a mesma faculdade que apreende e julga, isto é, o intelecto paciente ou simplesmente intelecto. Contudo, o processo discursivo é realizado de modo descontinuo, segundo as fases do compreender-indagar-compreender; por isso, a faculdade que raciocina ( a que averígua e indaga ) é a mesma que julga e apreende, porque compreender é a perfeição do averiguar. Por isso, diz Santo Tomás que o entendimento e a razão são no homem uma mesma potência. O intelecto humano não é capaz de possuir ou conhecer todas as coisas de uma só vez, e por isso é porque existe a razão; a razão existe por defeito da inteligência. O problema da verdade Todos o homens buscam naturalmente conhecer. Isto foi escrito por Aristóteles no começo da sua Metafísica. E logicamente não se busca conhecer qualquer coisa, mas a verdade. O que o homem busca e tem sede ao fim das contas é da verdade. Esse é então o objeto do nosso intelecto, o que ele busca conhecer. A filosofia tem essa vantagem de tocar em algo que todo homem, pero mero fato de sê-lo, tem, o desejo da verdade. Verdade que poder ser conhecida por todos, pois todos têm o instrumento necessário para buscar esse objeto, todos tem o intelecto que é das faculdades da alma que configura o homem como homem. Com efeito, o homem é animal racional, animal que pensa e pensa para alcançar a verdade das coisas e a verdade sobre si mesmo. Santo Agostinho completa dizendo que no inteiro do homem habita a verdade (in interiore homine habitat veritas), assim a verdade não está longe do homem e ele pode, e deve buscá-la. Entretanto nesse caminho há que se entender que se trata quando falamos da verdade. Poderíamos dizer como muitos, que a verdade depende de cada um. Cada um tem um óculos de uma cor que distorce as coisas de tal modo que a minha verdade pode não ser a verdade de outra pessoa; mas assim a verdade estaria mais no âmbito da opinião, é o que eu acho, não seria a verdade mas “minha verdade” com letra bem diminuta. Pode alguém concluir que a verdade não existe, mas é um resultado sociológico pela qual algumas pessoas que tem poder querem passar para os outros uma visão pessoal do mundo, mas que não é universal. Temos que dar uma resposta à pergunta sobre a verdade. Depois de conhecer o final do processo de conhecimento podemos definir a verdade como a adequação do intelecto com a realidade, ou seja, se o que eu penso está de acordo com o que é na realidade aí existe a verdade. Veritas est adaequatio intellectus cum re. 
 Somente se admitimos que o homem pode conhecer a realidade e que o resultado de seu processo cognoscitivo não é uma elucubração irreal ou um sonho da razão; e também admitimos os princípios primordiais da filosofia como são o de não contradição e os outros, que por sinal são evidentes, ou seja, não são passíveis de discussão, compreenderemos que o homem pode conhecer a verdade, e deste modo a verdade não será minha verdade pessoal, mas a correspondência de meu intelecto com a realidade, e a realidade é uma só, assim toda e qualquer pessoa que buscar conhecer a realidade e chegar a conhecê-la de fato, tem de chegar necessariamente a conclusões universais.
Essas conclusões universais, não há que entende-las como um consenso entre toda a humanidade que admita sua veracidade, mas sim que qualquer pessoa com esforço e de boa vontade pode chegar às mesmas conclusões e, mais ainda, pode prosseguir o processo racional seguido pelo outro, reconhecendo nele uma lógica e correção interior, deduzindo assim a mesma conclusão. Isto é fácil no conhecimento do singular e concreto. Cada vez que avançarmos no nosso objeto se verá mais complexa a questão, mas sempre permanecerá o mesmo princípio. Não devemos nos esquecer que não possuímos a verdade, mas a verdade acaba por nos possuir e que como a filosofia é uma ciência radical que implica a existência, quando se trata de verdades vivenciais em que a moral está implicada, a vontade negativa pode turvar a razão para que ela não queira ver a realidade ou queira afirmar que ela não é como é.
Devemos ter grande honestidade até diante de nós mesmos, mas também diante dos outros. A verdade é tal, ainda que nos doa ou doa aos outros, pois a realidade é um a só para todos. Há que buscar conhece-la e atuar em conseqüência com nossa razão, pois o homem é animal racional, justamente por ser racional é homem.
O problema crítico da gnosiologia
O valor da crítica
 A palavra crítica vem do grego krino, que significa julgar. Por isso, não tem necessariamente o sentido negativo que muitas vezes lhe damos, mas implica meramente uma revisão de opiniões ou pontos de vista anteriores que não estariam suficientemente legitimados. Contudo a postura criticista, ou seja, aquela atitude que pretende que nada deve ser aceito com firmemente estabelecido, tem suas raízes arraigadas num tipo de pensamento filosófico que tentou eliminar todo tipo de pressuposto, para afirmar a completa autonomia do homem emancipado, chegado á maioridade. Historicamente a tentativa de libertar-nos de todo prejuízo foi realizada por Descartes, que submeteu todos nossos conhecimentos à dúvida universal. A história do pensamento pós cartesiano é uma tentativa de prosseguir numa absoluta independência de pressupostos, ou seja, partir de um suposto indubitável o de algum pré-juízo. Mas esta tentativa é uma luta perdida, pois a suspeita diante de todo suposta certeza leva ao niilismo. Por isso, a crítica sistemática não conduz a nada. Devemos devolver à crítica sua significação original, que é escolhe, eleger e por isso mesmo julgar o valor de uma coisa por uma regra ou ideal. Daí que a crítica passará a ter um significado próximo a critério ou análise. E deste modo, a crítica autêntica tentará purificar nosso conhecimento para que ele corresponda melhor ao ser (esse).
 A filosofia moderna –desde Descartes até Hegel, e inclusive alguns seguidores do hegelianismo- se caracteriza por estar centrada no problema crítico, até o ponto de por em xeque-mate todo o conhecimento que não tenha sido convalidado ou revalidado criticamente.
O papel da gnosiologia no saber filosófico
Para muitos filósofos modernos a teoria do conhecimento ou gnosiologia é uma disciplina morta, que leva ao definitivo esquecimento do ser, se é compreendido como crítica total e ponto de partida de todo filosofar. Contudo, a gnosiologia pode ajudar-nos a garantir e assegurar melhor nossos conhecimentos e corrigir os erros que possam acontecer. É admissível uma certa autocrítica do conhecimento, não no sentido criticista, ou seja, de uma crítica radicalizada, mas com seu sentido original que é o de discernimento. Por isso, se a autocrítica de conhecimento se leva adiante como se o problema fosse ver se ele é realmente capaz de alcançar a verdade e a certeza, constituiria uma grande ingenuidade. Se duvidarmos da capacidade de nossa faculdade de conhecer, é ilógico utiliza-la para medir seu valor, pois estaríamos usando um instrumento falho para averiguar a validade desse mesmo instrumento. Pois, como iríamos averiguar se nossa capacidade cognoscitiva é válida se sempre temos que utiliza-la para realizar tal averiguação. Para evitar dificuldades é preferível chamar esta disciplina gnosiologia (ou também, teoria do conhecimento), que é a expressão mais conveniente para englobar todas as questões recativas à posse do ser pelo conhecimento, ou seja, a metafísica da verdade. Santo Tomás de Aquino defende a capacidade de conhecer a verdade das coisas que tem cada homem, e sua gnosiologia apresenta, como características, um realismo metafísico (dito com outras palavras, o ser mede o conhecimento) e um realismo antropológico (ou seja, o intelecto humano alcança a verdade das coisas reais). O estudo gnosiológico se dá na relação com a verdade, pois toda filosofia está intimamente relacionada com a verdade, já que sua aspiração essencial reside em alcançar conhecimentos verdadeiros sobre a realidade. A verdade e o conhecimento Noção de verdade Santo Tomás pergunta-se o que é a verdade, e responde dizendo: “a verdade é a adequação da coisa e do entendimento” veritas est adaequatio inlellectus et rei. Mas como podemos chegar a esta definição? Primeiramente se toma a noção de ente como aquele conceito que é captado primeiramente pelo intelecto – ainda que não de modo explicito, mas primeiro no sentido de que vai implícito ou suposto em todas as coisas -, pois é a noção mais evidente e a qual se podem reduzir todas as outras.
Como já vimos, a verdade é um conceito tão amplo como o de ente, de tal maneira que um equivale ao outro, como se diz na metafísica ens et verum convertuntur. Entretanto, quando dizemos verdadeiro não significamos o mesmo quem quando dizemos ente, ou seja, não é uma tautologia. O ente e o verdadeiro significam a mesma coisa real (res significata), mas a significam de diferente maneira (modus significandi). A ideia de verdade acrescenta algo ao ente, já que toda natureza é ente, e,  portanto, nada alheio lhe pode ser acrescentado. A verdade somente acrescenta ao ente um aspecto formal, que é sua inteligibilidade interna. Este sentido ontológico da verdade é o que explicamos ao dizer, por exemplo, que a nota de cem reais é verdadeira – diante da falsificada- ou que o uísque é verdadeiro uísque – diante do adulterado, ainda que também a nota falsificada e o uísque adulterado tenham como tais sua própria verdade ou autenticidade. Por isto, podemos concluir que o conceito de verdade é o que surge do referir-se o ente ao intelecto. E isto é possível porque, como já vimos, tanto o ente como o intelecto são transcendentais (por isso falamos que a alma é de certa forma todas as coisas- anima est quodammodo omnia). O que realmente acrescenta a verdade ao ente é a adequação entre a coisa e o intelecto.
A adequação veritativa
 A adequação veritativa não pode ser entendida num sentido material ou físico, já que o intelecto não é uma coisa material, mas sim uma potência ou faculdade do homem. Quando falamos de conteúdos mentais não podemos imaginar a mente como um recipiente; o característico do objeto do intelecto é que ele é encontrado diante do intelecto (ob-iectum, situado diante de). Quando conheço algo, o que caracteriza o intelecto é possuir a forma de um modo imaterial e intencional. A adequação veritativa é uma relação intencional entre o intelecto e o ser, sendo o ser quem rege o entendimento, e não ao contrário ( a palavra intencional vem de intendere, dirigir-se a; a potência cognoscitiva é direcionamento até o término ou objeto ). O intelecto é o que se conforma à realidade das coisas, que não são como são porque nós assim o pensamos. Em palavras de Antônio Machado: “a verdade é o que é, ainda o penses ao contrário”.
Diversos sentidos da verdade
A verdade se diz em quatro sentidos fundamentais:
a. Como conformidade do intelecto com a coisa, que é o sentido que até agora vimos.
b. Como conhecimento verdadeiro, isto é, enquanto manifesta e declara o ser das coisas. Esse conhecimento verdadeiro se expressa num juízo ou enunciado.
c. Como verdade das coisas, pois verdadeiro é o que é, ou seja, o ente é verdadeiro, pois causa a verdade.
d. Como conformidade entre o que se diz e o que se pensa; e neste sentido se fala de verdade moral ou veracidade.
Se o contrário da verdade cognoscitiva é o erro ou a falsidade, o contrário da verdade moral é a mentira. Destes sentidos que expomos podemos deduzir que as coisas somente são chamadas verdadeiras com relação ao intelecto.  Por isso, deduzimos que a verdade se encontra de um modo mais formal ou próprio no entendimento que nas coisas; e, contudo, tal afirmação pode resultar surpreendente depois de termos dito que segundo o realismo, segundo o qual é o ser o que mede ao intelecto e não ao contrário. É perfeitamente compatível e pode ser sustentado que o ser constitui o fundamento da verdade e que ademais a verdade se encontra de um modo mais próprio no intelecto que nas coisas. E isso é possível se percebemos que o conceito de verdade é análogo (com analogia de atribuição), já que na predicação analógica não é necessário que o sujeito que recebe primeiramente a atribuição seja causa dos outros (p. ex.: são se predica principalmente do animal; contudo o medicamento é causa da saúde, mas se diz são de um modo derivado ou secundário ). Também pode explicar-se dizendo que a verdade reside formalmente no juízo, e o juízo é operação da mente. Portanto, o lugar da verdade é a mente. 
No entanto, como o entendimento humano é medido pela realidade – não a cria nem a mede -, fundamentalmente, para o entendimento do homem, a verdade está nas coisas. Diferente é o caso do Entendimento Divino, que não somente conhece a verdade das coisas, mas também as fundamenta e estabelece. Portanto, afinal de contas a verdade reside no Intelecto Divino. E se desde as coisas fundamenta o entendimento humano é porque estas mesmas coisas antes forma medidas pelo Intelecto Supremo.
Isto pode ver-se no seguinte processo:
Intelecto Divino → realidade externa → entendimento humano → artefatos, resultados da ação humana.
A verdade segundo os diversos tipos de inteligência
A inteligência pode dividir-se em humana e divina, e a humana em especulativa e prática.
a. Inteligência humana prática do artífice é causa do fazer-se (fieri) das coisas artificiais, e é medida de sua verdade enquanto artificiais. Portanto, a verdade do artefato depende de usa adequação com a ideia que o artífice tenha sobre ele mesmo.
b. A inteligência especulativa do homem recebe seu conhecimento das coisas, e estas a medem. Portanto, as coisas são a medida e regra da verdade da inteligência especulativa do homem.
c. A Inteligência Divina mede as coisas absolutamente porque é a origem de toda realidade. Nesta inteligência se encontram todas as coisas criadas, como em sua causa; mas, diferentemente do artífice humano, que é somente causa do fazer-se (fieri) e que supõe já alguma matéria preexistente à qual ele dá uma nova forma, o Artífice Divino é causa do ser (esse) de todas as coisas. Portanto, podemos afirmar que a Inteligência Divina mede e não é medida; a coisa real é medida pelo Entendimento Divino, mas mede o entendimento humano; e nossa inteligência é medida pelas coisas reais e somente mede o fazer-se das coisas artificiais.
A verdade e o Entendimento humano e Divino
 A verdade está no Entendimento Divino própria e primariamente; no entendimento humano própria mas secundariamente; e nas coisas está de modo impróprio e secundário. A verdade se encontra propriamente no intelecto, mas primeiramente se encontra no Entendimento Divino; derivada mas em sentido próprio está no entendimento humano; e contudo nas coisas criadas se encontra por relação a ambos intelectos. O ser das coisas não depende do conhecimento do intelecto humano. Pensar o contrário, como no idealismo, é dar ao homem o modo de obrar de Deus. As coisas não existem porque são pensadas. Inclusive se não existisse no entendimento humano, as coisas seguiriam permanecendo no seu ser. Pelo contrário, a verdade dos seres reais em relação ao Entendimento Divino pertence a elas de um modo inseparável, já que não poderia subsistir sem o Entendimento Divino que as produz e as constitui em seu ser. Por isso, se pode afirmar que a verdade se encontra principalmente no intelecto, mas este intelecto é o divino. Assim, a verdade das coisas e as das inteligências criadas é uma participação da verdade plena.
A verdade e o ente
O que vimos até agora nos ajuda a corrigir os equívocos que pode suscitar a tese que sustenta que as coisas são verdadeiras à medida que se relacionam com a inteligência, e que a verdade está no intelecto humano de um modo mais próprio e principal que nas coisas. Como pudemos ver, esta afirmação se refere à razão formal da verdade, mas não afeta a seu fundamento, ou seja, à razão pela qual a verdade está causada nas coisas. Verdade, conhecimento e realismo O processo cognoscitivo vai desde as coisas até a inteligência e termina na alma, já que é preciso que o conhecido esteja no conhecedor segundo o modo de ser do conhecedor, ou seja, de modo imaterial e não físico. Por isso, há um movimento das coisas à mente, e outro movimento da faculdade apetitiva às coisas mesma que são apetecidas em quanto reais e não como conhecidas. Aristóteles estabelecia um “círculo” nos atos da alma: a realidade externa move o entendimento, e a coisa conhecida move o apetite (vontade), o qual se dirige à realidade na que começou o movimento circular. Claramente isto não é o que se chamaria de circulo vicioso, mas um círculo virtuoso. A passagem do conhecido ao movimento apetitivo se explica porque nada é querido se previamente não é conhecido (nihil volitum nisi praecognitum). Este círculo aristotélico pode ser representado do seguinte modo. Intelecto Vontade ou Humano Apetite volitivo Realidade externa Coisas e objetos
Em uma gnosiologia realista, faz-se necessário trabalhar com uma definição tomista da verdade, pois a adequação veritativa se realiza entre o intelecto e a coisa (res), e não com o objeto (compreendemos o objeto como o presente ao conhecedor). Por isso, ser objeto de uma potência cognitiva não é uma propriedade real das coisas; refere-se bem mais à cognoscibilidade do que se capta. Portanto, se elaboramos uma gnosiologia baseada na relação sujeito-objeto não podemos sair do âmbito da imanência. E isto, como veremos será o mais radical do idealismo. A partir da postura realista na que nos movemos, a coisa não se reduz ao objeto, mas ocorre o contrário, já que o objeto do conhecimento é a coisa conhecida, mas segundo o seu ser fora do conhecedor. Mas devemos estar atentos a que dizer que todo conhecimento à captação da coisa tal como ela é, não significa, de nenhum modo, que o entendimento a capte sempre tal como é, mas que unicamente quando o realiza assim existe o conhecimento verdadeiro. O que o entendimento capta no objeto é real, mas este é inesgotável e isso significa que o entendimento não esgota num só ato o conteúdo do seu objeto. Por outro lado, como pudemos ver na lógica, as condições da existência não coincidem com as condições de sua inteligibilidade; o que existe como singular e concreto é inteligido como universal (aplicável a vários) e abstrato sem as condições concretas ou individuais de cada exemplar. O ser como fundamento da verdade O ente está composto por essência e ato de ser. Baseando-se nesta tese, Santo Tomás de Aquino afirma que “a verdade se fundamenta no ser da coisa mais que na mesma quididade (essência)”. Esta formulação é o núcleo original da gnosiologia tomista, que traz consigo a superação de todo imanentismo. Nela se fundamenta o fato de que a verdade apareça no juízo através da cópula, que é como uma imitação mental do existir (ato de ser). Origem da verdade Ao dizer que o fundamento da verdade é o ser, podemos afirmar também que o ser é a origem da verdade. Na mesma medida que as coisas participam do ser, participam da verdade e, como não são o ser, somente o possuem parcialmente; tampouco são a verdade e por isso somente participam dela. Como todo ente está composto de potencia e ato tem menos verdade enquanto está em potencia. Somente o Ato Puro é a Verdade Plena e Causa Última de todas as verdades. Por isso, diz Santo Tomás que “a verdade é a luz do entendimento e o mesmo Deus é a regra de toda verdade”. 16 A verdade no conhecimento Verdade lógica e ontológica Para um conhecimento mais pormenorizado sobre a verdade lógica e ontológica, devemos recordar o que já foi aprendido na lógica, e de modo especial na metafísica. À guisa de reminiscência faremos algumas referencias. A verdade lógica é a adequação do intelecto com a coisa, mas esta é uma adequação conhecida. Isto quer dizer que o conceito que tenho na minha mente, que ganha adequação a uma determinada coisa, será verdadeiro se conheço a adequação enquanto tal, e esta é a verdade lógica. Por outro lado, a verdade ontológica é a que mais propriamente vimos na metafísica e é a que chamamos verdade das coisas ou dos entes. Esta verdade ontológica é uma propriedade do ente e, por isso mesmo, algo que todo ente tem enquanto que constitui, por seu caráter entitativo, algo inteligível. A verdade lógica não se dá no conhecimento sensível nem na simples apreensão A verdade lógica não se dá no conhecimento sensível, e isto é assim porque a adequação que acontece nos sentidos não tem caráter veritativo, pois, possuir a verdade equivale a conhecer a adequação, e o sentido não a conhece de modo algum. Pelo contrário, o intelecto é o que pode conhecer sua conformidade com a coisa entendida, mas esta adequação não a capta a simples apreensão. O que capta a simples apreensão é o que a coisa é, mas sim um conhecimento da adequação veritativa. Contudo, ainda que o conceito não é verdadeiro nem falso, o que o entendimento apreende se diz que sempre é verdadeiro. A verdade lógica dá-se no juízo A verdade se encontra de modo explícito no juízo. A verdade se encontra principalmente no intelecto e concretamente ao compor ou dividir, ou seja, no juízo. Por isso, a verdade é a conformidade do conhecedor em ato com o conhecido em ato. E, portanto, durante a simples apreensão o intelecto não sabe ainda que o conteúdo de sua representação é conforme (ou não) com a realidade, com a coisa; quando julga, o sabe. A dimensão reflexiva da verdade A tese realista sobre a verdade não se agarra somente na adequação, mas que para o conhecimento dela é imprescindível a reflexão. Esta dimensão reflexiva não necessita de um novo ato, mas está implícita em todo juízo. Por isso, para captar a verdade não se necessita um juízo posterior reflexivo sobre a primeira reflexão constitutiva do juízo (p. ex.: não há que dizer “a cadeira é de madeira, é verdade”). Deste modo o conhecimento verdadeiro, que se alcança no juízo, leva consigo uma volta do entendimento sobre si mesmo. Por essa reflexão que há em todo juízo se conhece a 17 verdade. Nesta volta sobre si mesmo se dá não somente a consciência do ato, mas também se conhece a proporção do ato cognoscitivo à coisa, o conformar o intelecto com a coisa. CERTEZA E EVIDENCIA Pudemos perceber que a verdade dá-se primordialmente no juízo. Uma das características essenciais do juízo é o assentimento, ou seja, a segurança que a mente tem sobre o juízo que expressa. O mesmo juízo pode estar dotado de diferente força asseverativa, pois não é a mesma coisa dizer: “Chegou a secretária?”, que “Chegou a secretária.” Estas diferentes situações da consciência dão lugar a diferentes assentimentos: a certeza, a dúvida, a opinião e a fé. A Certeza Certeza, evidência e verdade Podemos definir a certeza como o estado da mente que se adere firmemente e sem nenhum temor a uma verdade. Por essa definição percebemos que o próprio da certeza é algo subjetivo, isto é, um estado da mente. Somente de uma maneira derivada se chama certeza à evidência objetiva que fundamenta a certeza subjetiva (p. ex.: digo que um fato é certo pois subjetivamente é evidente para mim). Por outro lado, definimos a evidência como a presença de uma realidade como inequívoca e claramente dada”. Por isso, se diz que a certeza é a vivência da evidência. E a evidência é o único fundamento da certeza, menos na fé, como já veremos. Do que vimos até agora sobre a certeza e a evidência se conclui que a certeza não é a mesma coisa que a verdade. A certeza á algo subjetivo, isto é, uma situação do sujeito. Por isso, compete ao convencimento subjetivo sobre algo que á falso, mas nesse caso se trataria de uma mera certeza subjetiva. Realmente a certeza acontece quando o entendimento se adere a uma proposição verdadeira. O estar certo coincide com o ser evidente, pois tem um fundamento objetivo, do que carece a adesão ao erro. Graus da certeza Pela experiência notamos que diante diversos enunciados a certeza pode ser maior ou menor. Por isso, não devemos buscar o mesmo grau de certeza em todas essas coisas (p. ex.: o discurso de um político não é a mesma coisa que uma demonstração física). É claro que o grau de certeza dependerá da matéria que se trate. Por isso, diz Santo Tomás que “em matérias contingentes – como são os fatos físicos e as ações humanas - basta a certeza de que algo é verdadeiro na maioria dos casos ainda que falte em alguns”. 18 Poderíamos distinguir três graus de verdade: a. A própria das ciências que no dependem da natureza como podem ser a matemática ou a metafísica. Nestas questões cabe o maior grau de certeza; b. O segundo grau de certeza corresponde às ciências que dependem da matéria. Nos fenômenos físicos, a contingência provém da matéria, já que ela é o princípio de individualização e faz que os diversos caso não sejam exatamente iguais (p. ex.: os resultados da observação da gravidade não são os mesmo se são realizados em condições normais ou no centro de um ciclone). Por isso, nos fenômenos físicos há sempre uma margem de indeterminação. Contudo, nos conhecimentos físicos também há uma verdadeira certeza. Existe certeza, mas não apodítica ou necessária, mas meramente de facto, já que qualquer fato físico depende das condições que se apresentam na realidade, como são a pressão atmosférica, a força da gravidade, etc., mas não seria absurdo se não houvesse essas intervenções em algum caso. c. O grau inferior de certeza é o que se dá nas ciências humanas –chamam-se certeza moral-, pois conta com a liberdade do homem, mas não de um modo arbitrário (p. ex.: não podemos demonstrar que Fulano vai realizar necessariamente ação livre). A Dúvida A dúvida se define como o estado em que o intelecto flutua entre a afirmação e a negação de uma determinada proposição, sem inclinar-se mais a um extremo da alternativa que ao outro. A dúvida pode se positiva ou negativa. Na positiva, as razões em favor de um extremo e outro parecem ser iguais. Por outro lado, na negativa não há razões concludentes para admitir nenhum dos extremos da contradição. Por isso, em ambos casos se dá uma suspensão no juízo, que convêm manter quando não existe a evidência que se requer. Alguns filósofos – os céticos e os criticistas – nos apresentam a dúvida como o próprio do sábio. Mas isto não é assim, já quem a dúvida é um estado potencial e, conseqüentemente, imperfeito. Por isso, há que sair da dúvida para aquietar-se na verdade. Por tanto, a dúvida universal cartesiana, que é dúvida de tudo, é um método impossível, pois não é possível admitir que tudo é duvidoso, já que esta afirmação e as que se derivassem ou se acrescentassem a ela seriam uma exceção á regra, e por tanto, haveria coisas indubitáveis. A consciência mesma da dúvida já é um conhecimento certo. A dúvida como tal é instável, e por isto aponta a resolver-se na afirmação de um de seus extremos. A Opinião Como a dúvida é uma situação instável, a mente pode assentir a uma das partes da contradição, mas pensando que seu oposto também possa ser verdadeira. Isto é o que dá lugar á opinião, que pode ser definida como o assentimento a uma das partes da contradição, sem excluir o risco de que não seja verdadeira. Na opinião, a mente não assente a um dos extremos pela evidência do objeto, como se dá na certeza, mas pela eleição da vontade, que inclina o sujeito mais a uma parte que a outra. 19 Conseqüentemente, é próprio da opinião que o assentimento não seja firma, de aí que não é possível ciência no opinável. Na vida ordinária convêm discernir entre opinião e certeza, pois tão injustificado é ter o certo por opinável como o opinável por certo, e por isso se pode dar o caso paradoxal de que uma opinião sustentada ardorosamente chegue a se transformar injustificadamente em certeza. Por isso, é tão importante ter critério, que é saber discernir as distintas situações nas que se encontra a mente em cada momento. Conclui-se de tudo isso que a opinião é uma estimação diante do contingente. Mas como nem tudo é contingente, nem tudo é opinável. Por isso, não se poderia fazer uma ciência do contingente, mas tampouco opinar sobre o necessário. Nos temas onde se dá a liberdade é possível que se dê a opinião e, por tanto, com o estudo, a reflexão e o diálogo, se pode chegar ao conhecimento da verdade passando de meras opiniões a conhecimentos certos. A Fé A fé se distingue da opinião em que na fé é a vontade que move o entendimento a assentir com certeza, sem medo a que seja verdade o enunciado contrário, baseando-se na autoridade e no testemunho de outro. Convêm distinguir a fé da crença, que na linguagem coloquial se assimila á opinião (p. ex.: creio que esta cadeira á maior que as outras). No caso da fé não se dá o temor a equivocar-se como sucede com a opinião. Por isso, a fé é um tipo de certeza. A certeza se divide em certeza de evidência, que se fundamenta na manifestação objetiva da verdade; e a certeza da fé, que se baseia na autoridade da testemunha. Desde o ponto de vista da razão, a certeza da evidência é sempre mais perfeita, ainda que a certeza da fé pode sê-lo mais, pois a firmeza da adesão, fortalecida ainda pelo crédito ou autoridade que merece quem nos comunica. Como a certeza da fé depende da vontade, podemos dizer que é livre. Por outro lado, a certeza da evidência é somente indiretamente livre, no sentido de que existe a liberdade de considerar ou não considerar o evidente. Se algo se crê, em definitiva, porque a veracidade e o conhecimento da testemunha garantem sua verdade, isto é, se dá uma evidencia de credibilidade. Por este motivo, cremos em grande quantidade de verdades naturais em base do testemunho dos outros, pois desconfiar sistematicamente de tudo limitaria nossos conhecimentos e impossibilitaria a vida em sociedade. Por isso, tomar a suspeita como método não conduz a nada. Por último, com a Fé sobrenatural cremos as verdades reveladas por Deus aos homens. E como são verdades que excedem a natureza humana, é necessário a graça sobrenatural para crer. Santo Tomás define o crer como ato do entendimento que assente á verdade divina imperado pela vontade, à qual Deus move mediante a graça. Como crer por Fé é crer na Verdade primeira, a Fé tem maior certeza –referente à firmeza da adesão – que a certeza da ciência, ainda seja menor a evidência. 20 O Erro Para saber com precisão o que o erro, convêm diferencia-lo da nesciência e da ignorância. A nesciência é a simples ausência do saber; a ignorância acrescenta a característica de ser privação de conhecimento para o qual o sujeito possui naturalmente aptidão para conhecê-lo. Ao contrário, o erro consiste em afirmar o falso como verdadeiro. Por isso, o erro consiste em fazer um juízo falso sobre o que se ignora. Por outra parte, a idéia de falsidade se opõe á verdade e, por tanto, a falsidade é a inadequação do intelecto com a realidade. Conseqüentemente, a falsidade se dá somente na mente e, por isso, não se dá uma falsidade ontológica, mesmo que exista a verdade ontológica. As coisas não podem ser falsas, já que, como vimos, o ente e a verdade são convertíveis. Somente se pode dar falsidade no juízo da mente, posto que a falsidade é uma operação defeituosa do entendimento. Ademais, a falsidade pode ser conhecida pela inteligência. Nos damos conta que um juízo é verdadeiro por uma certa reflexão, pela mesma razão podemos advertir a falsidade e dar-nos conta do erro. O Cepticismo Formas de cepticismo e dos argumentos cépticos Na primeira parte estudamos o tema da verdade, em torno da qual gira toda gnosiologia. Agora vamos ocupar-nos de todas as posturas que negam a capacidade humana para alcançar a verdade. O Cepticismo A postura mais radical contra o conhecimento da verdade é a que sustentada pelos cépticos. O cepticismo provém de uma palavra grega que significa examinar ou observar pausadamente. Por isso, podemos definir o cepticismo como a atitude que, depois de um pormenorizado exame, conclui que nada pode ser afirmado com certeza, pelo que o melhor é abster-se de julgar. O Cepticismo Grego O cepticismo moderno parte de certos filósofos gregos, dos que podemos destacar três variantes: α – Pirronismo: é a forma extrema do cepticismo. O que sustenta Pirro de Elis é viver numa completa abstenção do juízo, para obter uma perfeita indiferença diante de tudo ou ataraxia. β – Probabilismo: esta postura admite que cabe sair da dúvida ao pronunciar-se em favor de uma opinião que somente é admitida como provável. Para eles não é possível conhecer a verdade, mas somente, vislumbrar o verossímil. 21 γ – Fenomenismo: para este, somente conhecemos as coisas tal e como aparecem, mas não podemos saber o que em verdade são. Limitam-se a constatar as aparências, mas sem afirmar ou negar que lhes corresponde algo real. Esta forma de cepticismo volta a apresentar-se contemporaneamente no mundo anglosaxônico. Historicamente é sempre uma postura tardia, que aparece depois de esforços anteriores para alcançar a verdade e o seguinte fracasso em sua consecução e posterior desalento. Dentro do fenomenismo podemos incluir o empirismo. Estes sustentam que, admitidos os fenômenos em seu aspecto fáctico, é possível buscar as leis pelas que se relacionam entre si, mas sem superar o dado pela experiência. Os argumentos dos cépticos Os cépticos desenvolveram bastantes argumentos de grande sutileza que podem ser esquematizados do seguinte modo: a. Diversidade de opiniões humanas e contradições dos filósofos: os cépticos se dão conta que sobre qualquer questão os homens sustentam opiniões muito diferentes e opostas entre si, acreditando cada um deles que possui a razão. Diante desta disparidade de opiniões, não podemos saber com certeza quem possui a verdade. Conseqüentemente não há certeza, mas mera opinião, pois nenhuma posição pode considerar-se verdadeira. b. O erro e a ilusão: nos equivocamos com freqüência porque os sentidos nos enganam ao fazer passar a aparências por realidades. Mas não somente se equivoca o sentido, mas também a inteligência ao julgar e opinar (p. ex.: ao dormir os sonhos parecem reais, e poderia dar-se o caso de que a vida fosse também um sonho). c. A relatividade do conhecimento: o sujeito conhece e valoriza as coisas desde seu ponto de vista, com uma série de preconceitos e compromissos até tal ponto que confunde a realidade com seus desejos. Ademais, o que é verdade hoje, pode não sê-lo amanhã; e também, o que é certo para mim, não mo é para outro. Por isso, todo objeto de conhecimento está marcado pela subjetividade do cognoscente. d. O círculo vicioso: esta postura afirma que não se deve ter por certo nada que não tenha sido demonstrado. Mas, por sua vez, toda demonstração deve ser demonstrada com outro anterior, e estas como base em outras premissas. A fim de contas, tudo se demonstra por nada e assim se incide num círculo vicioso. Os argumentos dos cépticos possuem uma força de convicção aparente, mas esta convicção é inconsistente, já que se apóia na ignorância e na obstinação. O cepticismo não está baseado em demonstrações rigorosas, mas sim em atitudes vitais. Por tanto, como tese não pode sustentar-se, pois se anula a si mesma enquanto se afirma sua tese e, por tanto, não se duvida dela, constituindo uma exceção do que a tese enuncia. 22 A defesa metafísica dos primeiros princípios do conhecimento A metafísica, ciência dos primeiros princípios. Compete á metafísica o estudo dos primeiros princípios. As demais ciências estudam os primeiros princípios com uma extensão reduzida ao seu próprio objeto. Estes princípios são evidentes por si mesmo, e esta evidencia surge ao conhecermos os términos, pois ao conhecer o significado do sujeito e do predicado, o vemos incluído na definição do sujeito. O principio de não-contradição O princípio sobre o qual é impossível enganar-se tem que ser o princípio melhor conhecido, e não deve ser hipotético. Este princípio é o seguinte: é impossível que o mesmo seja e não seja, simultaneamente no mesmo sentido; é impossível ser e não ser, ao mesmo tempo, sob o mesmo aspecto. Trata-se do principio de contradição ou principio de nãocontradição, cuja formulação mais simples e radical é : o ente não é o não ente, isto é, A enquanto é A, é impossível que seja não A; A→A=A. Santo Tomás expõe três razões para afirmar a primazia gnosiológica deste princípio; é o mais certo de todos os princípios, pois: a) sobre ele não se pode errar; b) não pressupõe outros princípios; c) seu conhecimento vem naturalmente. A defesa do primeiro princípio por redução ao absurdo É próprio da metafísica defender o princípio de não-contradição. A primeira defesa deste princípio e que segue sendo válida nos nossos dias foi feita por Aristóteles. Em primeiro lugar, diz que não pode fazer uma defesa por demonstração direta, mas somente por redução ao absurdo. Com respeito aos que negam esse princípio, lhes diz\ que é ignorância pretender que tudo possa ter uma demonstração, pois é impossível que existe uma demonstração de todas as coisas, já que se procederia ao infinito, de modo que tampouco assim haveria demonstração. Toda demonstração se apóia em algo anteriormente conhecido, que não é objeto de ciência em último término, mas de intelecção ou conhecimento direto; a estas verdades primeiras Santo Tomás as denomina semente da ciência (semina scientiae), que não são passíveis de demonstração. E se de algumas coisas não se deve buscar demonstração, é o princípio de não-contradição o que reúne mais condições para isso. Estes raciocínios, como o de Aristóteles, são meramente argumentativos e não propriamente demonstrativos. E isso é assim porque se pretendesse demonstrar esse principio se estagnaria numa petição de princípio, já que tal argumentação teria que supor o que se pretende demonstrar. Cairíamos num circulo vicioso, com um processo ao infinito. E isso seria um absurdo, pois qualquer demonstração resulta certa por sua redução ao primeiro principio da demonstração, que não teria lugar se sempre nos remontáramos atrás. Fica claro que não tudo o que é certo é demonstrável, e tentar o contrário não é acertado, mais ignorância. Não tem sentido buscar princípios para discernir coisas que são 23 evidentes. Os que assim procedem, buscam uma explicação do que não tem explicação, pois o princípio da demonstração não é uma demonstração. Ademais que não admita o princípio de não-contradição não deve atacá-lo, pois ao atacá-lo já estará defendendo uma posição, e isto já é admitir que alguma coisa é e não é o que n ao é, pios se defende ou critico eu já admito tal principio. O meu interlocutor poderia querer permanecer calado, mais não somente seu silencio exterior seria suficiente, pois até o fato de querer viver, ou comer, ou qualquer ato de vida humana, e mesmo animal suporia a admissão do princípio, de tal modo que nosso interlocutor deveria ver-se reduzido à vida vegetativa e ai já não seria interlocutor. É impossível negar o princípio de não-contradição com a razão. Objetividade do conhecimento sensível Racionalismo e empirismo Os autores racionalistas sustentam que os sentidos não nos oferecem conhecimentos certos e seguros. Somente a razão o faz, assim a isolam em uma imanência absoluta. Por isso, os conhecimentos que nos dão os sentidos somente dizem relação ao sujeito que os tem, já que se adverte que sobre um mesmo objeto existem tantas apreciações distintas como distintos sujeitos. Os autores empiristas e materialistas, por outro lado, estimam que tudo o sensível se pode considerar verdadeiro, mas não como uma adequação á realidade; por isso, concluem que tudo é incerto. Estes autores não compreendem que a raiz do conhecimento é a imaterialidade, e que sem ela não se pode captar a realidade, mas meras imitações corporais. Pois se bem que é certo que o conhecimento sensível supõe uma modificação corporal, tal imutação, ainda não é o conhecimento como tal. Os materialistas reduzem o verdadeiro à modificação corporal do órgão sensitivo. Por isso, todo conhecimento seria uma mera sensação e toda sensação seria contingente, e por tanto, incerta. Chegam a isso porque reduz todo conhecimento à matéria e esta leva uma grande indeterminação. Mas uma consideração metafísica do mundo corpóreo, tal como vimos antes, nos mostra que a matéria está sempre determinada por uma forma e que conhecemos as coisas mais pela forma que pela matéria. A realidade das qualidades sensitivas As afirmações, no âmbito da física, sobre os sensíveis próprios foram reduzidos em alguns autores modernos (Galileu, Descartes, Locke...) a um puro subjetivismo, e também, passou o mesmo com os sensíveis comuns (extensão, movimento, etc.), em autores posteriores (Berkeley, Hume, ...), com o que foi abandonado todo realismo metafísico. Todas estas afirmações, de tipo subjetivista, não são de caráter científico-positivo, mas de índole filosófica e, neste caso infundadas. O realismo sustenta que os sentidos externos conhecem imediatamente seu objeto como algo transubjetivo, e isto é uma evidência inquestionável. Quando conhecemos algo, sabemos imediatamente e sem vacilações que o conhecido é algo real e não nosso próprio conhecimento, pois os sentido externos são ativos, mas não produtivos de seus objetos. Respeito a estes, são simplesmente receptivos. 24 Os erros dos sentidos Os sentidos erram algumas vezes, mas não tanto como sustentam os idealistas. Para eles, o normal não é mais que um caso particular do patológico. Os erros dos idealistas são os mesmos dos cépticos sobre os sonhos, as ilusões dos sentidos, etc. o que sustenta o idealismo é que se dão, efetivamente, erros visuais, mas isso não quer dizer que todas nossas percepções sejam ilusões, pois distinguimos perfeitamente a diferença entre o sono e a vigília, as alucinações e o sentido realista da percepção, etc. A percepção adequada é o habitual numa pessoa normal, sendo raro o erro sensorial. Por si mesmo, os sentidos são sempre verdadeiros ainda que alguma vez possam equivocarse, mas somente o fazem per accidens nos sensíveis comuns, isto é, quando julgam sobre o que não é seu objeto próprio (p. ex.: a vista, acerca da distância), e somente se equivocam nos sensíveis próprios, como conseqüências das falhas no órgão receptores ou no meio (medium). Os erros, as alucinações, as ilusões perceptivas, etc. são uma confirmação indireta do realismo, já que manifestam a distinção entre a verdade e o erro, e possibilidade de que o sujeito- já seja por enfermidade ou por outras razões – não se adapte ao real. Posto que o homem distingue entre a verdade e o erro, se pode dar conta destas deficiências. E por conseguinte, retificar o erro e comprovar a diversidade entre o real e o aparente. O relativismo O argumento sobre a relatividade do conhecimento, sustentado pelos cépticos, é talvez o mais profundo. O relativismo é, um último término, um antropocentrismo que fica nitidamente expresso na frase de Protágoras: O homem é a medida de todas as coisas. Se, como requer o relativismo gnosiológico, o conhecimento se reduz à imutação corporal, o resultado é que tudo o que aparece pode ser considerado indistintamente como verdadeiro ou falso. E isto é assim porque, se são confrontadas as percepções de diversas pessoas, resulta que o mesmo objeto é objeto diferente para cada uma delas, com o que devem concluir que dito objeto é e não é simultaneamente o mesmo. Por isso, para os relativistas, a afirmação de que tudo o que aparece é verdadeiro, lhes leva a sustentar a realidade da contradição, dada a diversidade de opiniões humanas (tota capita, tota sententiae). A relatividade somente toca a certas adaptações entre o órgão corpóreo e o objeto (p. ex.: segundo seja a temperatura de meu corpo, assim me parece maior ou menor o calor ou o frio externo), mas não ao objeto formal do sentir (a objetividade do calor externo não depende do grau em que eu o sinta). Por isso, a objetividade não está cimentada na subjetividade, mas sim na realidade. O ser do que se percebe é independente de sua percepção, isto é, o ser da realidade não é o ser do objeto pensado: o ser não se reduz a ser para o homem. 25 IDEALISMO E REALISMO O princípio de imanência Vamos estudar o idealismo, cuja característica principal é a consideração do pensar como fundamento do ser, invertendo deste modo o modo realista de pensar. O enfoque idealista problematiza logo na raiz a capacidade humana para alcançar a realidade tal como é em si mesma. Transcendência e imanência A postura idealista equivale a rechaçar a transcendência e ater-se somente à imanência, mas que significam estes termos? Transcender equivale a sobressair, sobrepassar, dentro de um âmbito determinado. Pelo contrário, imanência equivale a permanecer em si mesmo. Agora bem, os únicos seres capazes de transcender – os transcendentes – são precisamente aqueles que têm operações imanentes. Por outro lado, para o idealismo as operações imanentes não podem alcançar um objeto transcendente. A transcendência se pensa tanto no plano ontológico como no gnosiológico. No plano gnosiológico, o problema estriba em saber si é possível que se conheçam realidades distintas da consciência (o transcendente é o extra-subjetivo). A transcendência ontológica se refere à existência de realidades que superam os dados das experiências e, sobretudo, a existência de Deus (o transcendente é o extramundano). Ambas transcendências estão intimamente ligadas, de tal maneira que o desprezo da transcendência gnosiológica fecha o caminho a uma transcendência ontológica. Os argumentos do idealismo O idealismo é a postura filosófica que nega a transcendência gnosiológica e, portanto, cai num imanentismo cognoscitivo. Para os idealistas, o problema da transcendência gnosiológico se pode pensar nos seguintes termos: Não podemos fundamentar em nada que nossa consciência saia “fora de seus limites”, pois não se pode negar que o conhecido, enquanto que é conhecido, é algo imanente ao conhecimento. Mas incluso chegam a sustentar que o objeto conhecido não possui outro modo de ser distinto ao que tem enquanto conhecido. Para eles, o intelecto não alcança outro objeto que suas próprias representações, únicas “realidades” que pode conhecer, e se baseiam para afirmar isto em que qualquer esforço que se faça por conhecer algo distinto da consciência permaneceria dentro da mesma consciência. A maneira que os idealistas colocam o problema gnosiológico não é posto com exatidão. O tema da transcendência gnosiológica só é problema para o criticismo, pois para a atitude natural a aceitação da realidade extrasubjetiva se baseia numa evidencia imediata. O que acontece com os idealistas é que extrapolam o problema, pois cabe aceitar que o objeto do ato do conhecimento é, em tanto que objeto, algo imanente ao conhecimento, e a vez negar que a realidade do conhecido se esgote por “estar sendo objeto do conhecimento”. 26 Para uma atitude natural se compreende que o objeto tenha uma realidade própria, independente do conhecimento humano, “ademais” de ser objeto do conhecimento. O conhecido está somente na mente em tanto que conhecido, mas para que haja verdadeiro conhecimento tem quem conhecer-se uma coisa real. O que se esgota em ser objeto de conhecimento é o que chamamos ente de razão, como são os números, as propriedades lógicas, gramaticais, etc., que não existem fora da mente que os considera. Portanto, o idealismo considera o ente –conhecido- como uma certa produção do conhecimento. Desde este ponto de vista, o ser é uma posição do pensar, isto é, o ser é posto pela consciência e, portanto, não a transcende: este modo de pensar é o reflexo mais autêntico do princípio de imanência. O que contrapõe o realismo ao idealismo é que a metafísica defende que o ser fundamenta a verdade do pensamento; e o idealismo, pelo contrário, estabelece que o fundamento do ser está nba consciência. Por isso, o idealismo nega todo tipo de ontologia, identificando a metafísica com a gnosiologia. O realismo crítico O realismo crítico tem como ponto de partida a imanência da consciência. Sua tentativa de mediar entre o realismo e o idealismo será um fracasso. A ilusão do realismo crítico é a tentativa de tirar uma ontologia de uma gnosiologia. Esta tentativa é impossível, pis, ou bem se toma como ponto de partida o ser, incluindo nele o pensamento, ou bem se toma como base o pensamento, incluindo o ser nele. O primeiro método é o realista; o segundo é o idealista. E o realismo crítico busca o esforço impossível de chegar ao realismo por meio de um método emprestado do idealismo. E isso é assim porque se se parte do pensamento não se chega mais que aos seres pensados, a objetos imanentes ao pensar. É o que sucede com o argumento ontológico de Santo Anselmo, que parece pretender extrair a realidade de Deus de sua idéia. Ao realismo crítico se põe uma grande objeção gráfica; de um prego pintado na parede somente se pode pendurar um quadro também pintado, com alguns reais pensados eu somente posso comprar um picolé pensado. Por isso, a tentativa do realismo crítico de estender uma ponte entre a idéia de ser e o ser efetivo é um fracasso. O realismo O realismo toma um novo auge em nossos dias frente ás diversas posturas idealistas. Volta a insistir na primazia da ontologia sobre a gnosiologia, e o faz recordando a distinção entre os diversos sentidos do ser. Enquanto que o idealismo adotava sempre uma concepção unívoca da realidade, boa parte do pensamento contemporâneo descobriu, como dizia Aristóteles, que o ser é dito de muitas maneiras. Para não cair em posições idealistas se deve levar em conta a distinção entre o ser real e o ser veritativo, isto é, entre o ser que se dá na natureza e o que se dá na mente. Muitos filósofos se fixaram unicamente no ser veritativo. Ao fazer isso, o ser mental se absolutizou e ocupou o lugar do ser real. Portanto se tomou o modo de ser mental como o único modo de ser possível. Assim, se produziu uma transformação da metafísica na que a gnosiologia substituiu a ontologia. 27 Por sua vez, o realismo não elimina a esfera no que o idealismo se move. Por um lado, reconhece que o ser veritativo é um dos sentidos do ser, mas, por outro, não aceita que seja o único. Por este motivo, o realismo não é a antítese do idealismo, mas que é “mais que o idealismo”. Temos que afirmar, definitivamente, que há vários sentidos do ser que nos permitem manter que o ser veritativo se fundamenta no ser exterior e separado, no ser próprio e principal, que é o ser das coisas reais. Por último, o ser do idealista é um “ser de razão”, algo que somente existe no âmbito do pensar. Para eles é impossível pensar que existem coisas fora do pensamento, tanto espacial como temporalmente. Afinal, o ser é um produto do pensamento, o fruto natural do pensar. Diferentemente, o realista pensa que o conhecedor não é a medida da realidade. Sustenta com Aristóteles que o homem é, em certa medida, todas as coisas (anima est quodammodo omnia) enquanto que vai conhecendo-as. Mas é o ser o que faz com que o entendimento seja, porque o pensar supõe o ser e o conhecimento desvela a realidade. Ao ser não lhe acontece nada por não ser pensado; ao que acontece algo é ao pensador. A razão não põe nada nas coisas, pois senão, as mudaria, e nosso modo de conhecer falsificaria a realidade. Por fim, o realismo pode formular-se esquematicamente deste modo: sustenta que o que a razão põe nas coisas é algo ideal, dando-se o paradoxo de que o idealista cria o objeto do conhecimento, lhe dá “realidade” e o realista o “idealiza”. O realismo segue mantendo que a causa própria da certeza é a evidencia objetiva. Por isso, vai desde o ser à consciência do ser e, portanto, desde a evidência até a certeza. Já o idealismo segue um caminho bem diferente ao afirmar que se dá uma certeza sem evidência. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário