quarta-feira, 27 de abril de 2016

7ª Aula de FILOSOFIA 1º Ano M. 1º Trimestre
A FILOSOFIA: DO PERÍODO CLÁSSICO AO
GRECO-ROMANO

Em  479a.C, com a vitória dos gregos sobre os persas, consolida-se a democracia em Atenas.  A ideia de "homem" passa a ser identificada com a concepção de "cidadãos da polis".  As preocupações e especulações filosóficas concentram-se, a partir desse momento, não mais na relação do homem com a natureza.
O que importa agora é a relação entre seres humanos: a vida social.
"O homem é um animal político", diria Aristóteles. É o nascimento da filosofia clássica. O mundo nunca mais será o mesmo.

Sofistas
Os primeiros mestres na arte da argumentação
O período pré-socrático foi dominado, em grande parte, pela investigação da natureza. Essa investigação tinha como vimos no capítulo anterior, um sentido cosmológico. Era a busca de explicações racionais para o universo,  manifestada na procura de um princípio primordial, (arché) para todas as coisas existentes. Seguiu-se a esse período uma nova fase filosófica, caracterizada pelo interesse no próprio homem e nas relações do homem com a sociedade. Essa nova fase foi marcada, no início, pelos sofistas.
Etimologicamente, o termo sofista significa sábio. Entretanto, com o decorrer do tempo, ganhou o sentido de impostor, devido, sobretudo, às críticas de Platão.
Os sofistas eram professores viajantes que, por determinado preço, vendiam ensinamentos práticos de filosofia. Levando em consideração os interesses dos alunos, davam aulas de eloquência e de sagacidade mental. Ensinavam conhecimentos úteis para o sucesso nos negócios públicos e privados.
O momento histórico vivido pela civilização grega favoreceu o desenvolvimento desse tipo de atividade praticada pelos sofistas. Era uma época de lutas políticas e intenso conflito de opiniões nas assembleias democráticas. Por isso, os cidadãos mais ambiciosos sentiam necessidade de aprender a arte de argumentar em público para,  manipulando   as   assembleias, fazerem prevalecer seus interesses individuais e de classes.
As lições dos sofistas tinham como objetivo, portanto, o desenvolvimento do poder de argumentação, da habilidade retórica, do conhecimento de doutrinas divergentes. Eles transmitiam, enfim, todo um jogo de palavras, raciocínios e concepções que se ria utilizado na arte de convencer as pessoas, driblando as teses dos adversários.
Todas essas características dos ensinamentos dos sofistas favoreceram o surgimento de concepções filosóficas relativistas sobre as coisas. Segundo essas concepções, não haveria uma verdade única, absoluta. Tudo seria relativo ao homem, ao momento, a um conjunto de fatores e circunstâncias.

Nem heróis, nem vilões
Foi, sobretudo, devido a Platão que se considerou a sofística apenas uma atitude viciosa do espírito, uma arte de manipular raciocínios, de produzir o falso, de iludir os ouvintes, sem qualquer amor pela verdade,
Entretanto, abordagens mais recentes sobre a atuação dos sofistas procuram mostrar que o relativismo de suas teses fundamenta-se numa concepção flexível sobre os homens, a sociedade e a compreensão do real. Para os sofistas, as opiniões humanas são infindáveis, diversas e irredutíveis a uma única verdade. Não existem valores ou verdades absolutas.
É importante lembrar que não há uma única doutrina sofistica, O quê há são alguns pontos comuns entre as concepções de certos sofistas como Protágoras, Górgias e outros.
Protágoras de Abdera: o homem como medida
O homem é a medida de todas as coisas; daquelas que são, enquanto são; e daquelas que não são, enquanto não são.
PROTÁGORAS


Estátua de Apoio. A idealização da figura
Nascido em Abdera, cidade litorânea entre a Macedônia e a Trácia, Protágoras (480-410 a.C.) é considerado o primeiro e um dos mais importantes sofistas. Ensinou por muito tempo em Atenas, tendo como princípio básico de sua doutrina a ideia de que o homem é a medida de tudo o que existe.
Conforme essa concepção, todas as coisas são relativas às disposições do homem, isto é, o mundo é o que o homem constrói e destrói. Por isso não haveria verdades absolutas. Toda verdade se ria relativa a um determinado homem, grupo de homens ou sociedade.
A filosofia de Protágoras sofreu críticas em seu tempo por dar margem a um grande subjetivismo: tal coisa é verdadeira se para mim parece verdadeira. Assim, qualquer tese poderia ser encarada como falsa ou verdadeira, dependendo do ponto de vista de cada pessoa.
Górgias de Leontini: o grande orador
O bom orador é capaz de convencer qualquer pessoa sobre qualquer coisa.
GÓRGIAS

Górgias de Leontini (487-380 a.C, aproximadamente),considerado um dos maiores oradores da Antiguidade, aprofundou o subjetivismo relativista de Protágoras a ponto de defender o ceticismo o absoluto. Afirmava que:
         a. nada existia;
         b. se existisse, não poderia ser conhecido;
         c. mesmo que fosse conhecido, não poderia ser comunicado a ninguém.

Sócrates de Atenas
O homem que subia perguntar
Ele supõe saber alguma coisa e não sabe, enquanto eu, se não sei, tampouco suponho saber. Parece que sou um pouco mais sábio que ele exatamente por não supor que saiba o que não sei.
SÓCRATES

Nascido em Atenas, Sócrates (469-399 a.C.) é tradicionalmente considerado um marco divisório da história da filosofia grega. Por isso, os filósofos que o antecederam são chamados de pré-socráticos e os que o sucederam, de pós-socráticos. O próprio Sócrates, porém, não deixou nada escrito, e o que se sabe dele e de seu pensamento vem dos textos de seus discípulos e de seus adversários.
Conta-se que Sócrates era filho de um escultor e de uma parteira. Uma dupla herança que, simbolicamente, o levou a esculpir uma representação autêntica do homem, fazendo-o dar à luz suas próprias ideias.
O estilo de vida de Sócrates assemelhava-se, exteriormente, ao dos sofistas, embora não "vendesse" seus ensinamentos. Desenvolvia o saber filosófico em praças públicas, conversando com os jovens, sempre dando demonstrações de que era preciso unir a vida concreta ao pensamento. Unir o saber ao fazer, a consciência intelectual à consciência prática ou moral.
O autoconhecimento era um dos pontos fundamentais da filosofia socrática. "Conhece-te a ti mesmo", frase inscrita no templo de Apoio, era a recomendação básica feita por Sócrates a seus discípulos.
Sua filosofia era desenvolvida mediante diálogos críticos com seus interlocutores. Esses diálogos podem ser divididos em dois momentos básicos: a ironia e a maiêutica.

A ironia
Na linguagem cotidiana, a ironia tem um significado depreciativo, sarcástico ou de zombaria.  Mas não é esse o sentido da ironia socrática. No grego, ironia quer dizer interrogação. De fato, Sócrates interrogava seus interlocutores sobre aquilo que pensavam saber. O que é o bem? O que é a justiça? E a coragem? E a piedade? São exemplos de algumas perguntas feitas por ele.
No decorrer do diálogo, atacava de modo implacável as respostas de seus interlocutores. Com habilidade de raciocínio, procurava evidenciar as contradições afirmadas, os novos problemas que surgiam a cada resposta. Seu objetivo inicial era demolir, nos discípulos, o orgulho, a arrogância e a presunção do saber. A primeira virtude do sábio é adquirir consciência da própria ignorância. "Sei que nada sei", dizia Sócrates.
A ironia socrática tinha um caráter purificador   na  medida em que levava os discípulos a confessarem suas próprias contradições e ignorâncias, onde antes só julgavam possuir certezas e clarividências.
Nesta fase do diálogo, a intenção fundamental de Sócrates não era propriamente destruir o conteúdo das respostas dadas pelos interlocutores, mas fazê-los tomar consciência profunda de suas próprias respostas, das consequências que poderiam ser tiradas de suas reflexões, muitas vezes repletas de conceitos vagos e imprecisos.
A maiêutica

Libertos do orgulho e da pretensão de que tudo sabiam, os discípulos podiam então iniciar o caminho da reconstrução de suas próprias ideias. Novamente, Sócrates lhes propunha uma série de questões habilmente colocadas.
Nesta segunda fase do diálogo, o objetivo de Sócrates era ajudar seus discípulos a conceberem suas próprias ideias. Assim, transportava para o campo da filosofia o exemplo de sua mãe, Fenareta, que, sendo parteira, ajudava a trazer crianças ao mundo. Por isso, essa fase do diálogo socrático, destinada à concepção de ideias, era chamada de maiêutica, termo grego que significa arte de trazer à luz.

Um corruptor da juventude?
Sócrates não dava importância à posição socioeconômica de seus discípulos. Dialogava com ricos e pobres, cidadãos e escravos. O que importava eram as condições interiores, psicológicas, de cada pessoa, pois essas condições eram indispensáveis ao processo de autoconhecimento.
Para a democracia ateniense, da qual não participava a maioria da população, composta de escravos, estrangeiros e mulheres, Sócrates foi considerado subversivo. Representava uma ameaça social, na medida em que desrespeitava a ordem vigente e dirigia suas atenções para as pessoas, sem fazer distinções de classe ou posição social. Interessado tão-somente na prática da virtude e na busca da verdade, contrariava os valores dogmáticos da sociedade ateniense. Por isso, recebeu a acusação de ser injusto com os deuses da cidade e de corromper a juventude. No final do processo foi condenado a beber cicuta (veneno extraído de uma planta do mesmo nome).
Diante de seus juízes, Sócrates assumiu uma postura viril, altaneira, imperturbável, de quem nada teme. Permaneciaabsolutamente em paz com sua própria consciência. Se alguém lhe perguntasse "Não te envergonhas, Sócrates, de ter dedicado a vida a uma atividade pela qual te condenam à morte?", ele responderia: que um homem de bem deve ficar pesando, ao praticar seus atos, sobre as possibilidades de vida ou de morte. O homem de valor moral deve considerar apenas, em seus atos, se eles são justos ou injustos, corajosos ou covardes. (PLATÃO. Defesa de Sócrates, p. 14 (texto adaptado pelo Autor)).
Foi assim que Sócrates procurou caracterizar sua vida: construindo uma personalidade corajosa e guiando sua conduta pelo seu critério de justiça. Viveu conforme sua própria consciência. Morreu sem ter renunciado a seus mais caros valores morais.

Diferenças entre Sócrates e os sofistas
 Vejamos a concepção tradicional sobre os sofistas que se desenvolveu a partir das críticas de Platão.
A crítica de Platão aos sofistas só é compreensível à luz das muitas aposições que ele estabelece entre eles e Sócrates:
1.    O sofista é um professor ambulante. Sócrates é alguém ligado aos destinos de sua cidade; tanto assim que, condenado injustamente à morte, recusa-se a fugir, acatando a decisão de seus concidadãos;
2.    O sofista cobra para ensinar, Sócrates vive sua vida, e essa confunde-se com a atividade filosófica: filosofar não é profissão, é a atividade do homem livre;
3.    O sofista "sabe tudo", e transmite um saber pronto, sem crítica (que Platão identifica como uma "mercadoria" que o sofista, mercador, exibe e vende). Sócrates diz nada saber, e, colocando-se no nível de seu interlocutor, dirige uma aventura dialética em busca da verdade, que está no interior de cada um;
4.    O sofista faz retórica. Sócrates faz dialética. Na retórica, o ouvinte é levado por uma enxurrada de palavras que, se adequadamente compostas, persuadem sem transmitir conhecimento algum. Na dialética, que opera por perguntas e respostas, a pesquisa procede passo a passo, e não é possível ir adiante sem deixar esclarecido o que ficou para trás;
5.    O sofista refuta por refutar, para ganhar a disputa verbal. Sócrates refuta para purificar a alma de sua ignorância.
MAURA IGLÉSIAS
Curso de Filosofia, p. 38.
Platão de Atenas
Das aparências ao mundo das ideias perfeitas
Os males não cessarão para os homens antes que a raça dos puros e autênticos filósofos chegue ao poder.
PLATÃO

Nascido em Atenas, Platão (427-347 a.C.) pertencia a uma das mais nobres famílias atenienses. Seu nome verdadeiro era Arístocles, mas, devido a sua constituição física, recebeu o apelido de Platão, termo grego que significa "de ombros largos".
Platão foi discípulo de Sócrates, a quem considerava "o mais sábio e o mais justo dos homens" (PLATÃO, Fêdon, p.120). Depois da morte de seu mestre, empreendeu inúmeras  viagens, num período em que ampliou seus horizontes culturais e amadureceu suas reflexões filosóficas.
Por volta de 387 a.C. retornou a Atenas, onde fundou sua própria escola filosófica, a Academia, nos jardins construídos por seu amigo Academus. Essa escola foi uma das primeiras instituições permanentes de ensino superior do mundo ocidental. Uma espécie de universidade pioneira dedicada à pesquisa científica e filosófica, além de se tornar um centro de formação política.
A maior parte do pensamento platônico nos foi transmitida por intermédio da fala de Sócrates, nos diálogos socráticos, escritos por ele mesmo, Platão.
Um dos aspectos mais importantes da filosofia de Platão ésua teoria das ideias, com a qual procura explicar como se desenvolve o conhecimento humano, Segundo ele, o processo de conhecimento se desenvolve meio da passagem progressiva do mundo das sombras e aparências para o mundo das ideias e essências.

O método dialético de Platão

A primeira etapa do processo de conhecimento é dominada pelas impressões ou sensações advindas dos sentidos. Essas impressões sensíveis são responsáveis pela opinião que temos da realidade. A opinião (doxa, em grego) representa o saber que temos sem tê-lo procurado metodicamente.
O conhecimento, entretanto, para ser autêntico, deve ultrapassar a esfera das impressões sensoriais, o plano da opinião, e penetrar na esfera racional da sabedoria, o mundo das ideias. Para atingir esse mundo, o homem não pode ter apenas "amor às opiniões" (filodoxia); precisa possuir um "amor ao saber" (filosofia).
O método proposto por Platão para atingir o conhecimento autêntico (epistéme) é a dialética. No que consiste, basicamente, a dialética? Consiste na contraposição de uma opinião com a crítica que dela podemos fazer, ou seja, na afirmação de uma tese qualquer seguida de uma discussão e negação desta tese, com o objetivo de purificá-la dos erros e equívocos.
E qual a diferença entre conhecimento e opinião?
Quem possui conhecimento têm conhecimento de alguma coisa, isto é, de algo que existe, pois o inexistente não é nada. Assim, o conhecimento é infalível, já que é logicamente impossível que se equivoque. Mas a opinião pode estar errada. Como isto é possível? Não se pode opinar a res peito do que não existe, pois isto é impossível, nem tampouco a res peito do que existe, pois isto se ria conhecimento. Portanto, a opinião tem que ser tanto do que é como do que não é.
Mas, de que modo é isto possível? A resposta é que as coisas particulares contêm sempre caracteres opostos: o que é belo é, também, sob certo aspecto, feio o que é justo é, sob certo aspecto, injusto; e assim por diante. Todos os determinados objetos sensíveis, afirmava Platão, possuem esse caráter contraditório; são, pois, o intermédio entre o ser e o não ser e apropriados como objeto de opinião, mas não de conhecimento.
Somente quando saímos do mundo sensível e atingimos o mundo racional das ideias é que alcançamos também o domínio do ser absoluto, eterno e imutável. Nesse mundo das ideias só podemos entrar, segundo Platão, através do conhecimento racional, científico ou filosófico.
Assim, chegamos à conclusão de que a opinião se forma do mundo apresentado pelos sentidos, enquanto o conhecimento é de um mundo eterno; a opinião, por exemplo, trata de coisas belas determinadas; o conhecimento ocupa-se da beleza em si. (RUSSELL, Bertrand: História da filosofia ocidental, v. 1, p. 139.)

E onde, por exemplo, podemos encontrar a beleza, em toda sua plenitude? Platão responde: no mundo das ideias. Nesse mundo é que moram os seres totais e perfeitos: a justiça, a bondade, a coragem, a sabedoria etc.
Fora do mundo das ideias, tudo o que captamos através dos nossos sentidos possui apenas uma parte do ser ideal. O mundo sensível, portanto, é um mundo de seres incompletos e imperfeitos.
A teoria das ideias de Platão representa a tentativa de conciliar as duas grandes tendências anteriores da filosofia grega: a concepção do ser eterno e imutável de Parmênides e a concepção do ser plural e móvel de Heráclito. Para Platão, o ser eterno e universal habita o mundo da luz racional, da essência e da realidade pura. E os seres individuais e mutáveis moram no mundo das sombras e sensações, das aparências e ilusões.


Processo de evolução do
conhecimento segundo Platão
MUNDO SENSÍVEL                                              MUNDO DAS IDÉIAS
                                                   (conhecimento filosófico ou científico)


O mito da caverna
Platão criou uma alegoria, conhecida como mito da caverna, que serve para explicar a evolução do processo de conhecimento.
Segundo ele, a maioria dos seres humanos se encontra como prisioneira de uma caverna, permanecendo de costas para a abertura luminosa e de frente para a parede escura do fundo. Devido a uma luz que entra na caverna, o prisioneiro contempla na parede do fundo as projeções dos seres que compõem a realidade. Acostumado a ver somente essas projeções, assume a ilusão do que vê, as sombras do real, como se fosse a verdadeira realidade.
Se escapasse da caverna e alcançasse o mundo luminoso da realidade, ficaria livre da ilusão. Mas, estando acostumado às sombras, às ilusões, teria de habituar os olhos à visão do real: primeiro olharia as estrelas da noite, depois as imagens das coisas refletidas nas águas tranquilas, até que pudesse encarar diretamente o Sol e enxergar a fonte de toda a luminosidade.


A filosofia no poder: os reis-filósofos
Na juventude, Platão alimentou o ideal de participação política em Atenas. Depois, desiludido com a democracia ateniense, confessou: Deixei levar-me por ilusões que nada tinham de espantosas por causa de minha juventude. Imaginava, de fato, que governariam a cidade reconduzindo-a dos caminhos da injustiça para os da justiça.( PLATÃO, . Cartas VII. Apud História do Pensamento, v. 1, p. 58.)
Abraçando a filosofia, adotou um novo ideal: Fui então irresistivelmente levado a louvar a verdadeira filosofia e a proclamar que somente à sua luz se pode reconhecer onde está a justiça na vida pública e na vida privada.
Para Platão, somente os filósofos, eternos amantes da verdade, teriam condições de libertar-se da caverna das ilusões e atingir o mundo luminoso da realidade e sabedoria.
Por isso, no seu livro República,  imaginou  uma  sociedade ideal, governada por reis-filósofos. Seriam pessoas capazes de atingir o mais alto conhecimento do mundo das ideias, que consiste na ideia do bem.
Aristóteles de Estagira
Do nascimento da lógica à ordenação do universo
O ser se exprime de muitos modos, mas nenhum modo exprime o ser. O ser se diz em vários sentidos.
ARISTÓTELES





Nascido em Estagira, em Macedônia, Aristóteles (384-322 a.C.) foi um dos mais importantes filósofos gregos de Antiguidade. Há informações de que teria escrito mais de uma centena de obras, sobre os mais variados temas, das quais restam 47, embora nem todas de autenticidade comprovada. Desempenhou extraordinário papel na organização do saber grego, acrescentando-lhe sua genial contribuição, que influenciou, decisivamente, a história do pensamento ocidental.
Filho de Nicômaco, médico do rei da Macedônia, provavelmente herdou do pai o interesse pelas ciências naturais, que se revelaria posteriormente em sua obra. Aos dezoito anos foi para Atenas e ingressou na Academia de Platão, onde permaneceu cerca de vinte anos, tendo uma atuação crescentemente expressiva. Com a morte de Platão, a destacada competência de Aristóteles o qualificava para assumir a direção da Academia. Seu nome, entretanto, foi preterido por ser considerado estrangeiro pelos atenienses.
Decepcionado com o episódio, deixou a Academia e partiu para Assos, na Mísia, Ásia Menor, onde permaneceu até 345 a.C. Pouco tempo depois foi convidado por Felipe II, rei da Macedônia, para ser professor de seu filho Alexandre. O relacionamento de Aristóteles e Alexandre foi interrompido quando este assumiu a direção do Império Macedônico, em 340 a.C.
Por volta de 335 a.C, Aristóteles regressou a Atenas, fundando sua própria escola filosófica, que passou a ser conhecida como Liceu, em homenagem ao deus Apoio Lício. Nesse local permaneceu ensinando durante aproximadamente doze anos.
Em 323 a.C, após a morte de Alexandre, os sentimentos anti-macedônicos ganharam grande intensidade em Atenas. Devido a sua notória ligação com a corte macedônica, Aristóteles passou a ser perseguido. Foi então que decidiu abandonar Atenas, dizendo querer evitar que os atenienses "pecassem duas vezes contra a filosofia" (a primeira vez teria sido com Sócrates).
Apaixonado pela biologia, dedicou inúmeros estudos à observação da natureza e à classificação dos seres vivos. Tendo em vista a elaboração de uma visão científica da realidade, desenvolveu a lógica para servir de ferramenta do raciocínio.

Da sensação ao conceito: o discípulo discorda do mestre

Segundo Aristóteles, a finalidade básica das ciências seria desvendar a constituição essencial dos seres, procurando defini-la em termos reais.
Ao abordar a realidade, reconhecia a multiplicidade dos seres percebidos pelos sentidos. Assim, tudo o que vemos, pegamos, ouvimos e sentimos é aceito como elemento da realidade sensível.
Portanto, rejeitava a teoria das ideias de Platão, segundo a qual os dados transmitidos pelos sentidos não passam de distorções, sombras ou ilusões da verdadeira realidade existente no mundo das ideias. Para Aristóteles, a observação da realidade leva-nos à constatação da existência de inúmeros seres individuais, concretos, mutáveis, que são captados por nossos sentidos.
Partindo dessa realidade sensorial — empírica — a ciência deve buscar as estruturas essenciais de cada ser. Em outras palavras, a partir da existência do ser, devemos atingir a sua essência, através de um processo de conhecimento que caminharia do individual e específico para o universal e genérico.
Neste sentido, afirmava Aristóteles, o ser individual, concreto, único não pode ser objeto da ciência. O objeto próprio das ciências é a compreensão do universal, visando o estabelecimento de definições essenciais, que possam ser utilizadas de modo generalizado.
A indução (operação mental que vai do particular para o geral) representa, para Aristóteles, o processo intelectual básico de aquisição de conhecimento. Ela possibilita ao ser humano atingir conclusões científicas, de âmbito universal, a partir do trabalho metódico com os dados sensíveis — que sempre apresentam seres individuais, concretos e únicos.
Assim, por exemplo, o conceito escola — ou qualquer conclusão científica sobre esse conceito — foi elaborado tendo como base a observação sistemática das diferentes instituições às quais se atribui o nome de escola. Dessa maneira, o conceito escola tem sentido universal na medida em que reúne em si a estrutura essencial aplicável ao conjunto das múltiplas escolas concretas existentes no mundo.

A nova interpretação para as mudanças do ser
Retomando a questão do ser, Aristóteles pretendeu resolver a contradição entre o caráter estático e permanente do ser em oposição ao movimento e transitoriedade das coisas. Era a clássica polêmica entre Heráclito e Parmênides. Para esse problema, Aristóteles propôs uma nova interpretação ontológica (relativa ao estudo do ser), segundo a qual em todo ser devemos distinguir:
·       o ato: a manifestação atual do ser, aquilo que já existe.
·       a potência: as possibilidades do ser (capacidade de ser), aquilo que ainda não é mas pode vir a ser.
Conforme Aristóteles, o movimento e a transitoriedade ou mudança das coisas se resumem na passagem da potência para o ato. Exemplo: a árvore que está sem flores pode tornar-se, com o tempo, uma árvore florida. Ao adquirir flores, essa árvore manifesta em ato aquilo que já continha, intrinsecamente, em potência.
Por outro lado, utilizando o mesmo exemplo, uma árvore continua sendo uma árvore mesmo sem estar florida. De onde podemos concluir que ter flores não é uma característica essencial da árvore. Assim, segundo Aristóteles, devemos distinguir também em todos os seres existentes:
·       a substância: aquilo que é estrutural e essencial do ser.
·        o acidente: aquilo que é atributo circunstancial e não-essencial do ser.
A substância corresponde àquilo que mais intimamente o ser é em si mesmo. Os acidentes pertencem ao ser, mas não são necessários para definir a natureza própria de cada ser.
O que determina a realidade de um ser: a causa
A investigação do ato e da potência do ser depende, no entanto, de alguns esclarecimentos sobre a causalidade. Isto porque essa passagem da potência para o ato não se dá ao acaso: ela é causada.
Aristóteles emprega o termo causa em sentido bastante amplo, isto é, no sentido de tudo aquilo que determina a realidade de um ser. Distingue, assim, quatro tipos de causas fundamentais:
·       causa material: refere-se à matéria de que é feita uma coisa. Exemplo: o mármore utilizado na confecção de uma estátua.
·       causa formal: refere-se à forma, à natureza específica, à configuração assumida por uma coisa, tornando-a "um ser propriamente dito". Exemplo: uma estátua de homem e não de cavalo
·       causa eficiente: refere-se ao agente que produziu diretamente a coisa. Exemplo: o escultor que fez a estátua.
·       causa final: refere-se ao objetivo, à intenção, à finalidade ou à razão de ser de uma coisa. Exemplo: o escultor tinha como finalidade exaltar a figura do soldado ateniense.









Segundo Aristóteles, a causa formal está diretamente subordinada à causa final na medida em que a finalidade de uma coisa determina o que os seres efetivamente são.
A potência, em si mesma, não é capaz de formalizar o ser em ato, Para que se dê essa passagem, é preciso a interveniência de um agente transformador (causa eficiente), guiado por uma finalidade (causa final). Assim, a causa final é que comanda o movimento da realidade. É pela causa final, em última análise, que as coisas mudam, determinando a passagem da potência para o ato. (Veja no texto complementar As ideias e a realidade histórica, ao final deste capítulo, uma análise do aspecto ideológico da teoria aristotélica das quatro causas.)

A felicidade do homem
Aristóteles define o homem como ser racional e considera a atividade racional, o ato de pensar, como a essência da natureza humana. E como, para ele: o que é próprio de cada coisa é, por natureza, o que há de melhor e de aprazível para ela (...) para o homem a vida conforme a razão é a melhor e a mais aprazível, já que a razão, mais que qualquer outra coisa, é o homem. Donde se conclui que essa vida é também a mais feliz.
Para ser feliz, portanto, o homem deve viver de acordo com a sua essência, isto é, de acordo com a sua razão, a sua consciência reflexiva. E orientando os nossos atos para uma conduta ética, a razão humana nos conduz à prática da virtude.
Para Aristóteles, a virtude representa o meio-termo, a justa medida de equilíbrio entre o excesso e a falta de um atributo qualquer. Exemplo: a virtude da prudência é o meio-termo entre a precipitação e a negligência; a virtude da coragem é o meio-termo entre a covardia e a valentia insana; a perseverança é o meio-termo entre a fraqueza de vontade e a vontade obsessiva etc.

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