4ª Aula de História 2º Ano Ensino Médio
A CONTRIBUIÇÃO DO NEGRO NA
FORMAÇÃO DA SOCIEDADE BRASILEIRA - TEXTO E QUESTIONÁRIO
O processo da colonização brasileira traz
consigo traços culturais diferentes trazidos pelos europeus, índios e
africanos, os quais contribuíram nos aspectos econômicos, sociais e políticos
para a formação da identidade nacional. O negro começou a ser introduzido no
Brasil no final do século XVI, com o objetivo de substituir a mão-de-obra
indígena, passando a fazer parte como o principal construtor da grandeza
econômica da colônia e um dos principais formadores da nossa sociedade. Falar
sobre a contribuição do negro para a formação da sociedade brasileira é falar
daqueles que plantaram cana-de-açúcar, garimparam o ouro, construíram casas,
casarões, igrejas, fortes, sobrados, cidades inteiras, num mundo feito para
brancos, os quais os viam apenas como animais ou objetos, ferramentas sem nome,
sem memória, sem história e sem mérito algum pelo que realizaram na construção
do país e da sociedade, que cada vez, mas os influenciava pela cultura,
religião e até mesmo pela intensa mestiçagem, tanto com o branco como com o
índio. O negro em geral não era tido como gente, e por isso não existia em
termos de ter identidade, cultura e história. O negro, que outrora na África
era príncipe ou rei de uma grande tribo, agora tinha seu nome, sua crença, sua
dignidade e sua história apagada pelo europeu que o levou ao cativeiro.
O NEGRO NA ÁFRICA: O negro não veio de um
continente desorganizado, sem cultura, sem tradição e sem passado. Essa visão
distorcida da África era do europeu, ignorante de uma realidade diferente da
sua. Para o europeu, o negro era um ser inferior e que só servia como escravo.
A África tinha impérios e reinos, além de diversas confederações tribais e
cidades-pousadas com seus ricos mercados no caminho do ouro, das especiarias e
do marfim. Seus mercados eram ricos em variedades de coisas como o sal e até
escravos (como os europeus também). Em toda a África havia povos guerreiros,
pescadores, caçadores, pastores, comerciantes e agricultores, ou seja, não era
um continente desorganizado como afirmava o europeu. A religiosidade africana é
diversificada (animismo, islamismo, cristianismo, etc.), assim como os idiomas
e etnias. Havia rivalidades entre diversos povos e etnias africanos, assim como
havia também entre os europeus. Quem
capturava os negros na África eram em sua maioria os próprios negros, inimigos
de reinos e tribos rivais, em troca de mercadorias dos traficantes (armas,
pólvora, fumo, cachaça, cavalos, etc.). Isso nem nada difere dos brancos, os
quais também escravizaram e comercializaram brancos, na antiga Grécia e Roma).
A VINDA PARA O BRASIL: Geralmente, os negros
condenados a serem escravos eram os capturados através de guerras (de etnias
inimigas) ou caçadas, os quais eram trocados por aguardente e tabaco. Os
maltratos se iniciavam já no navio negreiro ou tumbeiro, onde os escravos
vinham aglutinados e presos uns aos outros nos porões. Ali mesmo faziam suas
necessidades e quase não se alimentavam. Tais condições precárias de higiene e
alimentação geravam doenças e mortes. Em torno de trinta e cinco dias durava a
viagem de Angola a Pernambuco, quarenta até a Bahia, e cinquenta até o Rio de
Janeiro. A mortalidade era alta a bordo (em torno de 20% dos escravos morriam
durante essa longa viagem). A viagem nesses navios era certeza de morte para
boa parte dos escravizados, mantidos amontoados como animais ou objetos,
acorrentados. Os que adoeciam eram muitas vezes jogados no mar para que não
dessem trabalho ou contaminassem os demais.
O NEGRO COMO MERCADORIA: O tráfico negreiro
tornou-se um grande negócio, algo extremamente lucrativo, o que fazia com que
os comerciantes portugueses não parassem seus navios para os devidos reparos, e
tornou-se comum navios com problemas de calafetagem, imundície, mastros
desgastados e outros problemas, alguns dos quais poderiam resultar em
naufrágio. Tudo em nome do lucro a
qualquer custo. Os navios eram bem equipados para o transporte, mas os traficantes,
em busca de mais lucros, chegavam a aumentar a quantidade de escravos em
prejuízo da quantidade de alimentos e até de água a bordo, pondo em risco a
segurança de todos. Os negros viajavam empilhados sem espaço até mesmo para
suas necessidades naturais. Os navios brasileiros eram menores do que os
holandeses, mas carregavam mais negros: enquanto um holandês transportava 300
negros em uma caravela, um brasileiro podia chegar a transportar 500. Nessas
condições, a taxa de mortalidade era elevada chegando a 57% o número de mortos
em uma viagem. Quando os escravos chegavam ao Brasil, passavam pelo período de
engorda para melhorar a aparência e obter melhor preço no mercado, já que
chegavam magros e debilitados. Existiam duas formas de venda dos escravos: uma
era a venda privada e a outra eram leilões públicos. Os leilões que geralmente
aconteciam nos portos, eram feitos com escravos recém-chegados, quinze dias
após o desembarque. Começava-se com os mais difíceis de vender (doentes, com
problemas de dentição, ferimentos, etc.), finalizando com os mais saudáveis.
O NEGRO, MÃO-DE OBRA ESSENCIAL: Para o Brasil
a importação de africanos fez-se atendendo-se a diversas necessidades e
interesses, incluindo a falta de mulheres brancas, o serviço doméstico e até as
necessidades de técnicos em trabalhos de metal, durante o ciclo da mineração. O
Nordeste e o Sudeste da colônia fundaram sua riqueza sobre a produção maciça de
alguns artigos primários de exportação, dentre as quais a cana-de-açúcar, que
foi por muito tempo o produto rei, sobretudo nas áreas litorâneas. O negro foi
o responsável pelo desenvolvimento do Brasil colonial. A terra de um engenho
não valia grande coisa sem a presença da mão de obra negra necessária para todo
o processo produtivo do açúcar. Durante o ciclo da mineração, o escravo também
era a peça fundamental para a produção do ouro. No sul do país, a produção das
charqueadas também foi baseada na mão de obra escrava. Escravos dos campos, das
minas e dos sertões viverão de maneiras diferentes suas relações com a
sociedade que os obriga ao trabalho forçado.
CONSTRUINDO A SOCIEDADE: “... Todo
brasileiro, mesmo o alvo de cabelo louro, traz na alma e no corpo - a sombra,
ou pelo menos a pinta, do indígena ou do negro. No litoral, do Maranhão ao Rio
Grande do Sul, em Minas Gerais, principalmente do negro. A influência direta,
ou vaga e remota, do africano. Na ternura, na mímica excessiva, no catolicismo,
na música, no andar, na fala, no canto de ninar, em tudo que é expressão
sincera de vida. Trazemos quase todos a marca da influência negra. Da escrava
que embalou, que deu de mamar, de come. Da negra velha que nos contou as
primeiras histórias de bicho e de mal-assombrado. Da mulata que nos tirou o
primeiro bicho-de-pé de uma coceira tão boa. Da que nos iniciou no amor físico
e nos transmitiu, ao ranger da cama-de-vento, a primeira sensação completa de
homem. Do moleque que foi o nosso primeiro companheiro de brinquedo. Já houve
quem insinuasse a possibilidade de se desenvolver das relações íntimas da
criança branca com a ama-de-leite negra muito do pendor sexual que se nota
pelas mulheres negras nos filhos de pais escravocratas. A importância psíquica
do ato de mamar, dos seus efeitos sobre a criança, é na verdade considerada
enorme pelos psicólogos modernos; e talvez tenha alguma razão para supor esses
efeitos de grande significação no caso de brancos criados por amas negras. É
verdade que as condições sociais do desenvolvimento do menino nos antigos
engenhos de açúcar do Brasil, como nas plantações da Virgínia e das Carolinas -
do menino sempre rodeado de negra ou mulata fácil - talvez expliquem por si
sós, aquela predileção. Conhecem-se casos no Brasil não só de predileção, mas
de exclusivismo: homens brancos que só gozam com negra. De rapaz de importante
família rural de Pernambuco conta a tradição que foi impossível aos pais
promoverem-lhe o casamento com primas ou outras moças brancas de famílias
igualmente ilustres. Só queria saber de molecas. Outro caso, de um jovem de
conhecida família escravocrata do Sul: este para excitar-se diante da noiva
branca precisou, nas primeiras noites de casado, de levar para a alcova a
camisa úmida de suor impregnada de bodum da escrava negra sua amante. Casos de
exclusivismo ou fixação. Mórbidos, portanto; mas através dos quais se sente a
sombra do escravo negro sobre a vida sexual e de família do brasileiro...”
“...Longe
de terem sido considerados apenas como animais de tração e operários de enxada,
os negros desempenharam uma função civilizadora. Foram a mão direita da
formação agrária brasileira; os índios, e sob certo ponto de vista, os
portugueses foram a mão esquerda. E não somente na formação agrária. A
mineração no Brasil foi aprendida dos africanos, ou seja, os negros ensinaram
aos brancos as técnicas de garimpagem, trazidas da África. Max Schmidt destaca
dois aspectos da colonização africana que deixam entrever superioridade técnica
do negro sobre o indígena e até sobre o branco: o trabalho de metais e a
criação de gado. Poderia acrescentar-se um terceiro: a culinária, que no Brasil
enriqueceu-se e refinou-se com a contribuição africana...” (Freyre, Gilberto.
Casa Grande e Senzala).
ORIGENS E RESISTÊNCIA: Como povo escravizado,
o negro jamais deixou de lutar tanto para libertar-se da escravidão como para
manter sua identidade cultural, que significou uma luta diária pela manutenção
de seus valores culturais reelaborando-os para não perder tudo.
Os
povos africanos trazidos para o Brasil são originários de diversas regiões da
África:
-África Ocidental
- Yorubás (Nagô, Ketu, Egbá), Jejes (Ewê, Fon), Fanti-Ashanti (conhecidos como
Mina), povos islamizados (Peuhls, Mandingas e Haussás);
-África Central -
Bantos: Bakongo, Mbundo, Ovimbundo, Bawoyo, Wili (conhecidos como Angolas,
Congos, Benguelas, Cabindas e Loangos);
-Sudeste da África
Oriental - Tongas e Changanas entre outros (conhecidos como Moçambiques).
Estes
povos trouxeram consigo seus costumes, crenças, línguas (hoje de uso litúrgico
como o yorubá, o bakongo e o kimbundo), léxicos incorporados no nosso falar
(línguas bantas), danças, ritmos, instrumentos musicais, culinária bem como
seus deuses e seus ritos de culto. Mesmo dispersos no território brasileiro e,
por vezes misturados para não se rebelarem (fazendo jus ao ditado "dividir
para reinar"), retiveram uma parte de sua cultura para conservar sua
identidade de grupo dominado. Por vezes, esta identidade constituiu um fator
importante para resistir à escravidão. É o exemplo dos quilombos que existiram
no Brasil-colônia dos quais o mais célebre foi o Palmares comandado por Zumbi.
O Quilombo era uma instituição política dos guerreiros jagas ou yagas da
Angola, termo que designava tanto a casa sagrada onde se realizavam as
cerimônias de iniciação, como o campo de guerra e mais tarde o acampamento de
escravos fugidos.
Nem
a submetidos, nem os castigos físicos, eram suficientes para garantir a
obediência dos escravos. Com alguma frequência, os castigos considerados
excessivos podiam resultar em atos de vingança por parte dos escravos,
resultando na morte do feitor, do senhor ou de seus familiares. Os escravos
reagiam de diferentes maneiras diante da opressão do sistema escravista. Da
mesma forma que promoviam fugas e revoltas, aproveitavam a existência de
pequenos espaços para a negociação. Espaços que eles próprios conquistaram ao
mostrarem aos senhores a necessidade de terem certa autonomia para o bom
funcionamento do sistema escravista. Um
destes espaços foi a criação de irmandades católicas de negros. As irmandades
eram espaços permitidos dentro da legalidade nos quais o escravo podia
manifestar-se, fora de suas relações de trabalho. Eram, assim, os únicos canais
possíveis de organização dos escravos dentro do sistema colonial. Desempenhavam
também a função de auxílio, em caso de doença e/ou morte, e proteção aos seus
membros. Em certo sentido, era através da religião católica que o escravo
encontrava algum lenitivo para sua situação. Tudo indica que a permissão para a
criação das irmandades de negros tenha sido dada com o intuito de obter
melhores resultados na cristianização dos escravos, já que, para muitos
senhores, as manifestações de alegria de fundo religioso serviam para tentar
evitar as rebeliões, fugas e violência. Ainda hoje subsiste uma visão bastante
equivocada de como era exercido o domínio senhorial. Frequentemente, quando se
fala em escravos tem-se em mente a imagem de uma pessoa de cor negra
acorrentada a um tronco. Entretanto, as pesquisas têm mostrado que não eram
raras as ocorrências de escravos que saíam à noite e aos domingos, voltando ao
trabalho no dia seguinte. Era comum que negros desempenhassem funções que
necessitavam de uma maior liberdade de ir e vir, como os escravizados que
trabalhavam no transporte e venda de alimentos ou que trabalhavam embarcados.
Isso sem falar em uma modalidade de exploração do trabalho escravo que
consistia no aluguel do escravizado para terceiros, para os quais desempenhavam
diversas atividades. Estes escravos eram chamados de “negros de ganho” e eram
bastante comuns em ambientes urbanos. Os “negros de ganho” trabalhavam para
seus senhores como vendedores, comercializando hortaliças, comidas prontas,
peixes, fazendas e outros gêneros. Isso permitiu que muitos escravos
conseguissem juntar certa renda para comprar sua carta de alforria.
A CULTURA: A contribuição negra vai além da
povoação e da prosperidade econômica através do seu trabalho. Vindos de
diversas partes da África, os negros trouxeram suas matrizes culturais e
transformaram não apenas sua religião, mas todas as suas raízes em uma cultura
de resistência social. A influência na língua portuguesa veio principalmente do
iorubá, notada principalmente no vocabulário. (palavras como caçula, cafuné,
moleque, maxixe e samba, entre centenas de outros vocábulos). O negro deu seu
ritmo à música brasileira. Por isso se diz que a música popular brasileira
nasceu na África. A raiz negra está em tudo: no samba, no pagode, no afoxé, no
carimbó, maxixe, coco, maracatu, baião, forró, embolada, etc. Além dos ritmos,
os africanos trouxeram também instrumentos, como o berimbau, agogô, maracá,
alfaia, atabaques, etc. Nos esportes, o negro criou a capoeira, considerada
desde 2008 como Patrimônio Cultural do Brasil e um dos poucos esportes
genuinamente brasileiros.
A RELIGIOSIDADE: As diversas etnias africanas
possuíam crenças diversas que se modificaram no espaço colonial. De forma
geral, o contato entre nações africanas diferentes empreendeu a troca e a
difusão de um grande número de divindades. A Igreja Católica se colocava em um
delicado dilema ao representar a religião oficial do espaço colonial. Em
algumas situações, os clérigos e os próprios donos de escravos tentavam
reprimir as manifestações religiosas. Em outras situações, preferiam fazer
vista grossa aos cantos, batuques, danças e rezas ocorridas nas senzalas. Do
ponto de vista da elite colonial, a liberação das crenças religiosas africanas
era positiva, pois alimentava antigas rivalidades contra outras etnias também
aprisionadas, o que, em tese, dificultaria a ideia e a organização de fugas,
revoltas e a formação de quilombos e levantes nas fazendas. Aparentemente, a
participação dos negros nos rituais católicos poderia representar o ato de
conversão; Contudo, muitos escravos, mesmo se reconhecendo católicos, não
abandonaram a fé em sua religiosidade africana. Ao longo do tempo, a
coexistência das crendices abriu campo para que novas experiências religiosas –
dotadas de elementos africanos, cristãos e indígenas – fossem estruturadas no
Brasil. Aos poucos nascem e se desenvolvem estruturas religiosas novas,
mesclada de elementos africanos e europeus. Alguns senhores permitiram que os
negros dançassem e cantassem aos sábados, domingos ou dias de festas. Já nas
cidades, os batuques eram proibidos. Temia-se que os agrupamentos de escravos
degenerassem em movimentos subversivos. As únicas festas autorizadas eram as de
cunho cristão: a de Nossa Senhora do Rosário, padroeira dos pretos, as congadas
e outras do mesmo gênero.
QUESTIONÁRIO:
1
– Por que os portugueses introduziram o trabalho escravo no Brasil?
2
– A África era um continente sem cultura? Analise e comente.
3
– Em termos políticos, como era a África?
4
– Por que, em geral, eram negros que capturavam outros negros?
5
– O tráfico de escravos era economicamente vantajoso? Comente.
6
– Comente a respeito do transporte e do comércio de escravos
7
– Comente a respeito das diversas finalidades da mão de obra escrava.
8
– Comente a respeito do texto de Casa Grande e Senzala (em itálico)
9
– Houve resistência por parte do negro contra a opressão escravista? Comente.
10
– Explique o surgimento das irmandades católicas negras
11
– Explique o que era o negro de ganho.
12
– Comente a respeito da influência da cultura negra
13
– Comente a respeito da influência da religiosidade negra
14
– Comente a respeito da importância do negro na formação da sociedade
brasileira.
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