5ª Aula de Filosofia do 3º Ano Ensino Médio
Pragmatismo: Uma
filosofia para a vida
Quem já teve
aquela sensação de, ao ler um livro de filosofia ou ouvir um político
discursando, se perguntar: "mas o que isso quer dizer?" Por que as
crianças aprendem menos com sermões do que imitando as ações dos pais? E por
que é tão importante revermos nossas crenças a respeito do que acreditamos ser
verdade? Se tudo o que nos interessa é o que afeta nossas vidas, é neste
tribunal do cotidiano que o método pragmatista vai julgar e depurar a
filosofia.
O pragmatismo,
desenvolvido no século 19 por um grupo de filósofos norte-americanos em
Cambridge, Massachusetts, é uma corrente da filosofia muito estudada até hoje
em diversos países, incluindo o Brasil. Talvez o correto seria falar em
pragmatismos, no plural, dadas as nuances com que diferentes autores trataram o
termo, desde os clássicos (Charles S. Peirce, William James, John Dewey e
Ferdinand Schiller) até os contemporâneos (Lewis, Quine, Putnam, Davidson e
Richard Rorty, entre outros).
Em sua
formulação original, feita por Charles Sanders Peirce (1839-1914) em 1877-78 e
reformulada em 1905, o pragmatismo é um método filosófico cuja máxima sustenta
que o significado de um conceito (uma palavra, uma frase, um texto ou um
discurso) consiste nas consequências práticas concebíveis de sua aplicação.
Conceito e experiência
Isto quer
dizer que uma afirmação que não tenha qualquer relação com a experiência é
desprovida de sentido. Por conta disso, o pragmatismo presta contas ao filósofo
alemão Immanuel Kant (1724-1804), que dizia (na "Crítica da Razão
Pura") que, se por um lado toda experiência sem a forma do conceito é
cega, o conceito sem o conteúdo da experiência é vazio.
Por exemplo,
se eu digo "Pedro é honesto", isso só terá sentido se for possível,
observando o comportamento futuro de Pedro, comprovar a honestidade por meio
das atitudes de Pedro. Caso contrário, o máximo que poderíamos dizer é que
"Pedro tem sido honesto (até hoje)". Mas o que nos interessa é o
futuro, sobre o qual podemos deliberar. Deste modo, a crença que temos a
respeito da honestidade de Pedro deve se fundamentar em fatos possíveis de
serem observados.
E é por esta
razão que só podemos conhecer realmente uma pessoa, amigo, parente ou amante no
curso do tempo e por intermédio de suas ações.
Crianças e políticos
As crianças
são, de certo modo, pragmatistas. Elas só aprendem investigando atentamente o
que os pais fazem no dia-a-dia. Não adianta falar para uma criança que jogar
papel na rua é errado se o pai atira o maço de cigarros vazio pela janela do
carro. Haverá um desacordo entre teoria e prática que irá deslegitimar o
discurso paterno.
Com o tempo,
porém, nos tornamos menos atentos a isso e ficamos deslumbrados com programas
ideológicos e doutrinas vazias de significado.
Promessas de
campanha e compromissos éticos de políticos deveriam passar pelo mesmo crivo.
Só terão algum significado quando confrontados com seus efeitos práticos
concebíveis, isto é, caso haja dinheiro em caixa que torne possível a
concretização das promessas e caso o governo tenha transparência suficiente
para pôr à prova sua postura ética.
Assim, o
pragmatismo, conforme concebido originalmente por Peirce, tem o propósito de
fornecer uma diretriz ao pensamento, evitando que a razão, em seus altos voos
rumo ao abstrato, se desvencilhe de seu objeto: a realidade, a vida. O método
pragmatista, desta forma, se contrapõe às metafísicas de caráter dogmático e
propõe que o raciocínio seja guiado por métodos semelhantes aos da ciência, que
incluem a observação dos fenômenos, a formulação de hipóteses, os testes
práticos e a revisão de teorias. É por isso que o pragmatismo estranha qualquer
ideia de verdade e certeza inatas ou absolutas.
Verdades provisórias
Opondo-se a
René Descartes (1596-1650), que concebia o homem como dotado de ideias claras e
distintas, para Peirce não temos nenhuma segurança de que nossas representações
da realidade estão corretas. O máximo que podemos dizer é que funcionam e que,
a longo prazo, nos aproximamos mais da verdade, na medida em que confrontamos a
teoria com o objeto.
É o que Peirce
chamava de doutrina do falibilismo. É impossível saber se atingimos a verdade
última a respeito de algo. Contamos apenas com um conhecimento provisório e
falível. Por exemplo, a visão do homem a respeito do universo se modificou ao
longo dos séculos, nos quais os instrumentos técnicos foram aperfeiçoados e o
gênio matemático, testado. De Copérnico, Galileu, Kepler, Newton e Einstein,
sabemos muito mais hoje sobre o universo do que os antigos povos da Grécia,
China e Mesopotâmia, mas nada nos garante que tenhamos chegado a uma
incompatibilidade insuperável entre a teoria da Relatividade e a mecânica
quântica, que descrevem, respectivamente, o macro e o microcosmo.
E também é
assim com nossos valores. Afinal, não somos obrigados a reavaliar todos nossos
parâmetros culturais em face das mudanças tecnológicas e o fenômeno da
globalização?
O falibilismo,
portanto, é uma condição de humildade intelectual, que nos obriga a uma
aprendizagem constante e evita que nos enclausuremos em crenças e verdades
últimas. Como o pragmatismo sugere, é necessário contrapor aos conceitos o
objeto real para construir significados, caso contrário, corre-se o risco de
naufrágio em um redemoinho de palavras sem qualquer âncora na terra firme da
experiência.
Filosofia sem concessões
E qual
garantia o pragmatismo nos dá de que aprendemos com os erros, de que iremos
atingir a verdade ou, quem sabe, a segurança de uma certeza qualquer? Para
Peirce, nenhuma. Só podemos ter esperança de que, com uma boa educação, nossos
filhos serão melhores. Do mesmo modo, aprendemos a duras custas que não existem
soluções prontas para a democracia no Brasil. Ela se faz de maneira conjunta e
cotidiana.
O que valida
uma crença, segundo o pragmatismo clássico, não são seus ornamentos argumentativos
ou o conforto que nos traz ao tornar aprazível e suportável a realidade. Mas
sim, seus efeitos práticos concebíveis e a experiência futura, que irá
confirmá-la ou não. Ao nos devolver teimosamente à mesma realidade, por vezes
tediosa e angustiante, da qual tentamos escapar por meio de filosofias baratas,
dogmas e autoajuda, o pragmatismo só pode oferecer em troca uma existência mais
criativa, num oceano de possibilidades.
Pragmatismo: William James e o valor das crenças
Junto com
Charles Sanders Peirce (1839-1914), William James (1842-1910) é considerado o
fundador do pragmatismo norte-americano, apesar de ambos os pensadores terem
desenvolvido duas escolas distintas na tradição. Peirce é reconhecidamente o
criador do método pragmatista, mas foi James quem o popularizou e usou pela
primeira vez o termo em livros e conferências.
Peirce e James
estão de acordo quanto ao fato de o pragmatismo não ser uma filosofia
propriamente dita, isto é, não diz nada a respeito do que é o mundo e sobre o
conhecimento que temos dele, e muito menos se configura como uma doutrina ou
metafísica. Pragmatismo é simplesmente um método pelo qual o significado dos
conceitos é depurado pelos fatos, pela experiência.
Quando o
pragmatista está diante de um candidato a problema filosófico, ele questiona: o
que a decisão a respeito da verdade de A ou de B poderá trazer em termos de
efeitos práticos para nossas vidas? Se não provocar nenhuma mudança em nosso
comportamento ou entendimento a respeito de algo, então não tem nenhum efeito.
Portanto, nenhum significado.
Para dar um
exemplo simples - e atual -, qual seria o significado pragmático de chamar o
vírus da gripe suína de "nova gripe"? A mudança do nome vai ampliar
nosso conhecimento sobre a doença ou trazer alguma mudança real em termos de
saúde pública e prevenção? Caso a resposta seja negativa, então não tem nenhum
sentido.
Podemos fazer
o mesmo perguntando qual o significado pragmático da arte, da religião e dos
sistemas filosóficos, para verificar se resiste ao confronto da realidade.
Conforme diz
James: "Toda a função da filosofia deve ser a de achar que diferença
definitiva fará a mim ou você, em instantes definidos de nossa vida, se esta
fórmula do mundo ou aquela outra for a verdadeira" (1979: 19).
E ainda:
"Tem-se de extrair de cada palavra o seu valor de compra prático, pô-lo a
trabalhar dentro da corrente de nossa experiência" (1979: 20).
O pragmatismo
consiste, portanto, em sempre olhar os frutos, ou seja, as consequências
práticas que uma teoria veicula. Nisso tanto o "pai" do pragmatismo,
Peirce, quanto James estão de acordo. A diferença está: na interpretação da máxima do pragmatismo; na
sua aplicação e no seu escopo, conforme veremos a seguir.
James: o foco no indivíduo
Vamos começar
pela interpretação da máxima pragmatista. Para Peirce, o significado de um
conceito ou teoria é dado pelas consequências práticas concebíveis que o objeto
será capaz de proporcionar e, deste modo, afetar a conduta humana.
No exemplo
dado pelo filósofo, "O diamante é duro" é uma expressão significativa
porque, caso o diamante fosse submetido a testes, sua superfície não seria
arranhada em contato com outros objetos duros. Já a expressão "Deus
existe" não tem nenhum sentido, porque não é possível demonstrar a
existência de Deus por meio da experiência futura.
Para James, ao
contrário, o significado pragmático são os efeitos práticos que provoca na
crença do indivíduo. Para uma doente, por exemplo, acreditar que Deus existe e
que pode curá-lo pode ter efeitos práticos muito melhores do que o caso de ele
ser ateu e achar que vai morrer. Essa crença, por exemplo, poderia estimular
seu sistema imunológico e contribuir para o tratamento da doença. Portanto, em
James, "Deus" passa no teste pragmático.
Diz James:
"Se há qualquer vida que seja realmente melhor do que a que devemos levar,
e se há qualquer ideia que, em sendo acreditada, ajudar-nos-ia a levar tal
vida, então seria melhor para nós acreditar nessa ideia, a não ser que, na
verdade, a crença que se lhe depositasse colidisse incidentalmente com outros
benefícios vitais de maior vulto" (1979: 29, grifos do autor).
Isto é, se a
crença em Deus não causa nenhum prejuízo material nem coloca em risco nossas
próprias vidas - como no caso de tornar o crente um fanático suicida - e, além
disso, nos torna melhores em nosso dia-a-dia e com as outras pessoas, então,
para James, é pragmaticamente relevante.
Religião tem significado pragmático
Em resumo,
para Peirce o foco é o caráter geral e o objeto da crença que devem ser
investigados, enquanto para James, o foco está no particular e no indivíduo que
acredita. Ao fazer isso, James amplia o pragmatismo para além do método
científico, como o queria Peirce, para incluir questões morais e,
principalmente, religiosas.
Para James,
"[...] o pragmatismo alarga o campo da procura de Deus. [...] Levará em
conta as experiências místicas se tiverem consequências práticas. Acolherá um
Deus que viva no âmago mesmo do fato privado - se esse lhe parecer um lugar
provável de encontrá-lo" (1979: 30).
Se a religião
afeta nossas vidas, nos torna melhores, então tem um significado pragmático,
segundo James.
Esta
interpretação do método pragmatista se aproxima daquilo que James chamou de
opção genuína em sua obra "A Vontade de Crer" (1897), pela qual
afirma que, em determinadas situações, o indivíduo tem o direito de acreditar
em algo mesmo que não tenha condições racionais de estabelecer se sua crença
possui um objeto correspondente real.
São decisões
que temos que tomar sem que tenhamos elementos suficientes para saber se a
escolha é certa ou errada. Por exemplo, se estamos caminhando em uma trilha, à
noite, na Mata Atlântica, e escutamos um rugido próximo, é bem provável que
acreditemos que esse rugido é sinal que uma onça está por perto e adotemos uma
atitude em relação a isso, antes mesmo de ter certeza de que se trata do animal
e não um porco-do-mato, por exemplo.
Do mesmo modo,
se estamos de carro em uma rua escura e vemos um homem em atitudes suspeitas,
provavelmente não iremos parar no semáforo e nos arriscar a sofrer um assalto,
mesmo sem saber ao certo as intenções do desconhecido.
É um tipo de
escolha prática bem diferente daquela tomada por um cientista que está num
laboratório. Ele pode errar e refazer os testes até ter certeza de que está de
posse de uma crença verdadeira. Crenças vivas, contudo, atendem a propósitos
imediatos.
Pragmatismo como teoria da verdade
Por isso, para
James, verdade terá um sentido diferente daquele sustentado por escolas
filosóficas anteriores. Para essas correntes da filosofia, verdade consiste
numa cópia fiel da realidade, isto é, aquela teoria que corresponde aos fatos,
que "espelha" o real. Cumpria, portanto, descobrir a verdade das
coisas, pois só existe uma que atenda a tais exigências.
James, por
outro lado, diz que a verdade está localizada no meio do caminho entre a teoria
e os fatos. É preciso que exista uma coerência entre ambos. Por exemplo, se
quero construir uma ponte, preciso respeitar uma série de princípios de
engenharia e, além disso, tenho que levar em conta as condições materiais e
dificuldades geográficas e físicas que o mundo me impõe. O melhor projeto de
ponte, aquele que irá funcionar, será o verdadeiro.
Uma crença
verdadeira, portanto, é aquela que atende aos nossos propósitos, que funciona
na prática, em nosso cotidiano, e que nos traz benefícios, que nos permite
continuar atuando no jogo do viver. Logo, verdade é algo mutável e pluralista:
"Verdadeiro é o nome do que quer que prove ser bom no sentido da crença, e
bom, também, por razões fundamentadas e definitivas" (1979: 28).
Este é o valor
pragmático da verdade - e outro ponto de discordância com Peirce: em James, o
pragmatismo também é um método para se alcançar a verdade.
Uma dieta rica
em verduras e com baixa taxa de gordura animal e açúcar pode não ser tão agradável
ao nosso paladar quanto comer pizzas, sanduíches e churrasco, mas é, num
sentido pragmático, a decisão mais correta se tivermos em vista nosso bem-estar
e nossa saúde.
Em resumo, o
pragmatismo em James, interpreta a máxima pragmática de Pierce em uma esfera
individual, amplia sua aplicação para questões religiosas e torna o método
também uma teoria da verdade.
Bibliografia
DE WAAL, Cornelis. Sobre Pragmatismo. São Paulo: Edições
Loyola, 2007.
HAACK, Susan. (2007). "Pragmatismo". Em: Compêndio
de Filosofia. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola.
IBRI, Ivo Assad. (1992). Kósmos: a arquitetura metafísica de Charles
S. Peirce. São Paulo: Perspectiva/ Hólon.
JAMES, William. "Pragmatismo", em Os
Pensadores. Abril Cultural, 1979.
JAMES, William. A Vontade de Crer. São Paulo: Edições
Loyola, 2001.
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