5ª Aula de Sociologia
1º Ano Ensino Médio
Ibn Khaldun e os
primórdios da Sociologia
De um modo geral, as contribuições culturais, filosóficas,
políticas e científicas que os árabes e muçulmanos deram ao mundo no decorrer
dos últimos 1500 anos é hoje praticamente ignorada pelo mundo ocidental. Quando
muito, a impressão que se tenta passar é a de que os árabes teriam sido apenas
'transmissores' de conhecimento e nunca 'produtores' desses mesmos
conhecimentos.
Abu Zaid Abdul Rahman (Ibn Khaldun), filho de Abu Bakr
Muhammad, nasceu na cidade de Túnis, atual capital da Tunísia, Magreb, Norte da
África, em 27 de maio de 1332 (portanto há 673 anos). Esse ano equivalia ao ano
732 dos muçulmanos, pelo calendário islâmico.
Foi escrivão (alama) do governo de Túnis. Tornou-se
secretário do Sultão Abu Inan em 1355. Posteriormente, esteve preso por dois anos.
Foi secretário de Estado e ao mesmo tempo chanceler do sultão Abu Salém. Serviu
ao sultão Abu Hammu, senhor de Tlemcen, e ao sultão Abdul El Aziz, soberano do
Magreb. Foi Cádi (a mais alta autoridade no poder judiciário islâmico) na
cidade do Cairo, Egito (1383). Veio a falecer em 15 de março de 1406, com 74
anos, nessa cidade (este resumo foi feito a partir da própria autobiografia do
autor, pág. 479-546, V. I da obra 'Os Prolegômenos'; todas as citações que
faremos nesta coluna são a partir dessa edição brasileira de 1958).
Ele é considerado o fundador da sociologia no mundo moderno.
Analisa a divisão do trabalho, a especialização por profissão e ofícios. Ibn
Khaldun admitiu o caráter produtivo dos serviços, coisa que Smith não chegou a
admitir (é anterior ao autor inglês cerca de 400 anos). Deve-se-lhe uma teoria
sobre a moeda e sobre o valor. Faz análise política do poder e dá 'conselhos'
aos Califas (soberanos da época), 136 anos antes que Maquiavel escrevesse o seu
'Príncipe' (em 1513, e Khaldun publica sua obra em 1377).
Sua obra principal, 'Os Prolegômenos', é considerada pela
Unesco como uma das obras de referência da literatura mundial. Teve a sua
primeira edição em francês datada de 1967, publicada em Paris, com o título
'Discours sur L'istoire Universelle'.
Khaldun é contemporâneo de outros intelectuais e pensadores
famosos em sua época, tais como o iluminista Francesco Petrarca (1304-1374);
Giovanni Bacaccio (1313-1375); Ibn batuta, viajante (1304-1377); Eduardo, o
Príncipe Negro (1330-1376); do poeta Geoffrey Chancer (1340-1400); Jean
Froissart (1337-1410).
Tem posições na linha do determinismo geográfico: 'Se
prosseguirmos nestas observações nos outros climas e países, acharemos em toda
parte que as qualidades do ar exercem uma grande influência sobre as qualidades
do homem' (Livro I, pág. 135).
Divaga sobre aspectos psicossociais e físicos no homem, em
função da abundância ou penúria por que passam as pessoas: 'Não possuindo
bastante dinheiro [as tribos árabes nômades do deserto], para fazerem grandes
compras, podendo apenas adquirir o estritamente necessário, estão longe de ter
com o que viver na abundância. Quase sempre vemo-las adstritas ao uso do leite,
alimento que, para elas, substitui perfeitamente o trigo; estes homens,
habitantes do deserto, a quem faltam inteiramente os cereais e os condimentos,
superam, em qualidades físicas e morais, os habitantes do Tell, que vivem na
abundância. O excesso de alimentação e os princípios úmidos, que existem nos
alimentos, provocam no corpo, secreções supérfluas e perniciosas que produzem
gordura excessiva e uma abundância de humores nocivos e corrompidos, o que
provoca uma alteração da tez e tira às formas do corpo sua beleza,
sobrecarregando-o de carnes' (Livro I, pág. 136-7).
Sobre a suscetibilidade de corrupção nos povos das cidades e
do campo: 'Os habitantes das cidades, ocupados habitualmente com seus prazeres
e entregues aos hábitos do luxo, procuram os bens deste mundo transitório e
abandonam-se às paixões. Sua alma corrompe-se pelas qualidades, mas que adquire
em grande número, e, à medida que vai se pervertendo, mais ela, na mesma
proporção, se afasta da estrada da virtude' (Livro I, pág. 209).
Fala da coragem dos camponeses: 'Os habitantes das cidades,
recostados no leito da tranquilidade e do repouso, mergulham nas delícias da
opulência a saborear os prazeres da vida, deixando a seu governador ou a seu
comandante o cuidado de lhes proteger a vida e os bens. Os que vivem no
nomadismo... jamais confiam a outrem o cuidado de os defender, e, sempre de
armas em punho, demonstram, nas expedições, uma vigilância extrema' (Livro I,
pág. 213).
Trata do conceito da tribo: 'Ele compreende grupos cujos
componentes se mantém mais fortemente coesos do que aqueles cuja agremiação
forma a tribo. Tais são os parentes próximos, a gente da mesma casa, os irmãos
nascidos dos mesmos pais' (Livro I, pág. 225).
Esses conceitos que dei como exemplo são fundados em aspectos
que são sociológicos, ainda que de forma rudimentar, mas que o tornam, segundo
nosso ponto de vista, um dos primeiros sociólogos, estudioso das sociedades
humanas de forma científica e sistemática. Nas minhas aulas de sociologia na
Universidade Metodista há 20 anos, sempre falo nele como um sociólogo árabe,
apesar de ignorado pela maioria dos meus colegas e pesquisadores de
universidades brasileiras. Quando contamos a história e a origem da sociologia
moderna, na maioria das vezes não lembramos de Khaldun. Eu faço justiça a seu
pensamento, bastante avançado para a sua época.
*O artigo acima teve origem em trechos da extensa pesquisa do
prof. Lejeune sobre o pensador árabe Ibn Khaldun.
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